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Apresentação do livro BARCA OBLONGA

Boa noite!

Queria antes de mais nada estender o meu agradecimento pela presença de todos e igualmente por estes dois jovens autores, tal como eu, me terem escolhido como apresentador da obra de utoria conjunta deles, que para já retribuo com um muito obrigado, expressando a minha honra por esta oportunidade. Não gostaria de me alongar, uma vez que não me cabe a mim, fazer a apresentação crítica da obra, mas o que me proponho a fazer em um roteiro, em forma de divagação, para que os mais atentos retenham alguns pontos que podem ser fulcrais na leitura da obra, no entanto, já advirto da minha santa e tamanha ignorância neste tipo de empreitadas. Aliás, uma das grandes motivações para eu aceitar este pedido que me foi formulado pelos poetas, foi exactamente a minha única sabedoria: a de que depois desta apresentação não nos escapará um momento para beber uma cerveja, mesmo que caia a chuva e os trovões, e agora acrescento, mesmo que caia o presidente da república, ou mesmo que seja uma terça-feira.

Por outro lado, e tendo respeito por muitos que como eu, provém dos seus afazeres laborais, que em regra são sempre cansativos, vou tentar ser o mais breve possível, mesmo não sendo, para evitar obviamente os discursos longos e entediantes. Até porque não sou nenhum doutor. Na verdade, a Bíblia já recomendava: “Sê breve em teu discurso, dize-o muito em poucas palavras”. Embora, eu nem me lembre do livro nem do versículo que contenha tais sagrados conselhos.

Diante dessas recomendações, tenho a obrigação de ser breve, tanto quanto possível, na apresentação do livro BARCA OBLONGA, de Otildo Guido e Fernando Chaúque. Nada obstante, estou a enfrentar um duplo desafio. Primeiro, o de ser breve. Segundo, o de apresentar o livro de dois poetas, e se calhar três, tendo em conta a forma como a poesia de Luís Carlos Patraquim permeia todos os poemas contidos nesta barca.

A proposta poética ou as propostas de Barca Oblonga atravessam e extravasam os sentimentos que povoam a misteriosa e insondável alma humana. Eles se voltam ao mundo interior, onde residem os sonhos, as esperanças, os devaneios, os contrastes e os confrontos da vida. Resgatam a subjectividade entre o mundo e a alma, permitindo sugerir o movimento e o efêmero da emoção, talvez por isso mesmo que o título seja BARCA, sugerindo a ideia de movimento ou, quiçá, de partida.

Em versos livres, numa tentativa clara e flagrante de encetar um diálogo através de um vaso comunicante com o seu mestre, avança esta barca poética, com os remos feitos de metáforas, imagens e paráfrases, num mar figurativo de ideias abstratas e emoção lírica vivida intensamente no momento da criação.

Aliás, não só a construção poética Patraquimmniana atravessa a Barca Oblonga, mas para um observador atento se antevê a forma como as vozes dos autores que juntaram-se para este exercício inspiracional de escrever poesia (como quem faz sexo – já que se faz a dois) procuram uma unicidade, de tal forma que torna-se pouco evidente saber quem é quem em cada poema construído. Este será para muitos leitores, o grande jogo que se coloca diante deles, descortinar através de sinais simples de quem é a autoria individual dos poemas. Foram escritos a duas mãos? Foram de responsabilidade repartida ou foram remates individuais que cumpriram, enfim, os objectivos da equipa?

Para mim, a forma evocativa dos poemas, a simplicidade estética, mas com notório rigor, e a inquietação filosófica e a beleza, no geral, lembra-me um momento brilhante da minha juventude poética, que foi a publicação de Cada Um Em Mim, livro de Nelson Lineu, que também se embrenha numa navegação igual, que se resume na indagação do eu interior, percorrendo os vários eus que consigo coabitam e buscando referências múltiplas de texto para texto, embora nesta sintonia de Otildo e Fernando, esta referência seja uma e única: os versos memoriosos de Patraquim.

Não gostaria de deixar de expressar até o meu estranhamento, quando ao percorrer os primeiros textos fui dando de caras com versos que de alguma forma conhecia-lhes a cor ou o rastro, mas rapidamente me veio a imagem, senão a ideia de que isto tudo fazia parte de um grande jogo, que os escribas decidiram urdir, não para o vício que muitas vezes e inocentemente os poetas tendem a entrar que é o ilegalizado roubo de versos, mas aqui vê-se claramente a homenagem merecida de dois artesãos a um mestre da craveira de Luís Carlos Patraquim, que a alguns e por motivos obscuros faz sentido esquecer em alguma gaveta ou algum baú. Otildo Guido e Fernando Chaúque, pelo contrário, negam-se a isso e mostram os caminhos subtis para que se alcance uma luz que irradie na memória de cada um de nós, não só a sua grandeza, mas a grandeza daqueles que os antecedem.

A propósito, este é um momento para celebrar a herança que os dois poetas reclamam de Patraquim, que é a riqueza imagética nas cores, nos movimentos e nos sons das palavras, proporcionando concretude ao mundo que criam e recriam, mas também lembrando um pouco do hermetismo que o autor de Monção ou A Inadiável viagem nos habituou.

Acredito piamente que a poesia só serve para quem coloca antes de tudo um propósito na sua execução, mas por outro lado questiono-me, será que a poesia precisa de ser útil? Qual seria a utilidade da poesia? Comprar pão, encher a barriga? Esvaziar a alma? Enganar uma mulher? Conquistar um exército? Queimar tempo? Assobiar ao sol? Domesticar os ratos? Adornar a função vaidosa das nossas estantes ou das bibliotecas particulares? Qual é mesmo o significado da poesia?

A resposta para todas estas perguntas encontraremos neste livro, entrecortadas em filamentos de versos que nos chegarão num mero acaso. Há os versos que nos farão rir, há os que nos lembrarão a infância, há os que nos farão lembrar, mas também há os que nos trarão de volta o perfume das mães, os cheiros, o primeiro beijo, as primeiras travessias para dentro das coisas proibidas e até os nossos livros de eleição. Porque tal como os dois autores, há muitos que têm um Patraquim no coração.

Diuas coisas me recuso a fazer aqui. A apresentar os autores, que por mim já são figuras reconhecidas, aliás, os dois são detentores de prémios literários, entre nacionais e internacionais. Não vou igualmente mencionar nenhum poema em particular para não tirar a ânsia e a curiosidade de ler o livro.

Dispeço-me pedindo que o restante da apresentação seja mesmo muito breve para que sobre o momento da cerveja.

Muito obrigado!

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