O País – A verdade como notícia

Anastácia Zita reconhece ter assinado contratos falsos para usar dinheiro de mineiros

Foto: O País

A Direcção do Trabalho Migratório simulou a celebração de vários contractos com empresas de prestação de serviços para projectos de reinserção social dos ex-mineiros, pois não foram visados pelo Tribunal Administrativo. Os documentos em causa foram assinados pela ré Anastácia Zita que, à altura dos factos, directora do pelouro.

Na sessão de julgamento e produção de provas, de hoje, sobre o dossier de desvio de mais de 113 milhões de meticais da Direcção Nacional do Trabalho Migratório, a ré Anastácia Zitha, então directora do pelouro, esclareceu os contornos da assinatura dos vários contratos entre a instituição que dirigia e empresas de fornecimento e prestação de serviços.

Na audição desta quarta-feira, a juíza confrontou a ré com muitos contractos por si assinados no âmbito de projectos de reinserção social dos ex-mineiros que, na verdade, não passaram de simulações.

A juíza que julga o caso confrontou a ré com as informações com documentos por si assinados.

“Consta dos autos que, entre o Ministério do Trabalho, representado pela ré Anastácia Zitha, e a empresa Dona Tina Artes e Decoração de Interiores, representada pela senhora Elsa Jonas (falecida), foi celebrado um contrato para o fornecimento de serviços de cortinado e mobiliário ao Gabinete do Mineiro. Reconhece a assinatura e o contracto, cujo preço estava fixado em 3.7 milhões de Meticais?”, questionou Evandra Uamusse, juíza que preside a sessão de julgamento.

Em resposta a ré reconheceu o documento e a assinatura. “Conheço o contrato e a assinatura é minha”, assumiu a ré Anastácia Zitha. A juíza quis saber da modalidade aplicada neste contrato:

“A modalidade, meritíssima, foi ajuste directo”, respondeu a ré, o que suscitou mais questionamentos.

Juíza: Qual foi o fundamento legal para que a DTM decidisse aplicar esta modalidade?

Ré: A empresa Dona Tina [vinha tendo contratos] com o Ministério há bastante tempo e fornecia os mesmos serviços e os demais que constam do objecto do contrato. Para garantir esta uniformidade e qualidade que a empresa fornecia e a que estávamos habituados, socorremo-nos do previsto no artigo 113, nº 2, alínea a) do Decreto 15/2010 de 24 de Maio.

Ou seja, à luz do decreto 15/2010 de 24 de Maio, artigo 113, No. 2: “O ajuste directo aplica-se nas seguintes circunstâncias: se o objecto da contratação só poder ser obtido de um único empreiteiro de obras, fornecedor de bens ou prestador de serviços ou se a entidade contratante já tiver anteriormente contratado a aquisição de bens ou prestação de serviços de uma entidade e se justifique a manutenção da uniformidade de padrão”.

Mas, segundo a ré, não foi só pelo decreto supracitado que a DTM celebrou contrato com a empresa sem o visto do Tribunal Administrativo. A juíza perguntou por que tal aconteceu e Anastácia Zitha defendeu-se.

“As contas, sob gestão da DTM, por serem contas de particulares, não constam do sistema financeiro do Estado. O TA não se limita a colocar o visto, tem que aceder ao sistema”, justificou a antiga directora do Trabalho Migratório.

Foi na mesma lógica, ajuste directo, que Anastácia Zita assinou contractos com a Mulher Investimentos, cuja proprietária é esposa do réu Pedro Taimo, para o fornecimento de material de construção e o valor pago foi de 4.4 milhões de meticais.

Juíza: O pagamento foi feito por cheque com a assinatura da ré. Como é que este cheque chegou à Mulher Investimentos?

Ré: Meritíssima, daquilo que me recordo, [o cheque] foi entregue ao senhor Pedro Taimo para fazer chegar à empresa.

Juíza: Por que entregar o cheque ao senhor Taimo?

Ré: Para se fazer isso, poderá ter sido a pedido da própria empresa, mas o pessoal das Finanças devia ter esclarecido o porquê da entrega do cheque ao senhor Taimo.

Outrossim, não houve concurso público no contrato com a empresa Vetagris Pecuária e Serviços, representado pelo co-réu Hermenegildo Nhatave que foi de sete milhões de meticais e um segundo acordo com a Mulher Investimentos no valor de 2.2 milhões de meticais.

Fora a recorrer às empresas, vezes houve em que a ré preferiu, ela mesma, solicitar dinheiro para viabilizar projectos de reinserção social dos mineiros, tal como consta dos autos quando solicitou a autorização da ministra do Trabalho, a senhora Maria Helena Taipo, para o uso de dois milhões de Meticais para aquisição de bens e materiais que compõem dois projectos não contemplados em termos orçamentais nos seleccionados para financiamento. Pelo que a juíza indagou: Quais eram esses projectos?

“Meritíssima, a única coisa que posso dizer é que são projectos de reinserção social, porque são muitos que a DTM concebia e financiava. Estes, em concreto, não posso precisar”, disse Anastácia Zitha.

Além dos contratos de prestação de serviços sem visto do Tribunal Administrativo, no âmbito dos projectos de reinserção social dos mineiros, o dinheiro dos ex-trabalhadores das minas foi usado para a compra de meios circulantes e cabazes.

Por exemplo, no dia 24 de Novembro de 2014, a DTM gastou 256 mil meticais na compra de bicicletas na casa Yassin, em Quelimane para beneficiários que a ré não recorda muito bem.

Juíza: Qual foi a modalidade de contratação para aquisição das 50 bicicletas?

Ré: Foi ajuste directo.

Juíza: Porquê [foi por ajuste directo]?

Ré: Não tenho muita certeza, mas, pelo número de bicicletas e pela emergência que se tinha na aquisição, pode ser que esta loja tenha sido a única que tinha disponibilidade do número de bicicletas que se pretendia.

Juíza: Qual era a finalidade das bicicletas?

Ré: Foram compradas as bicicletas para trabalhos de localização dos beneficiários de previdência social, no âmbito do evento realizado pela MWFP (empresa sul-africana responsável pelos minieros), enquadrado na reinserção social dos ex-mineiros e/ou seus dependentes.

Entretanto, sobre os detalhes desta operação, a memória da Anastácia Zitha parecia não muito fresca.

Juíza: Onde e a quem é que foram entregues as bicicletas?

Ré: Não lembro onde, mas foram entregues aos órgãos locais.

Juíza: No acto da entrega das bicicletas, foi apresentada alguma guia?

Ré: Não recordo, mas acredito que deve existir nos arquivos da DTM.

Recuando para Abril do mesmo ano, 2014, a Direcção do Trabalho Migratório comprou motorizadas no valor total de 396 mil meticais. Sobre este aspecto, a ré não disse muita coisa.

Juíza: Com que fundos a DTM adquiriu as motorizadas?

Ré: Não recordo! É difícil recordar-me de processos financeiros.

Juíza: Qual foi a modalidade de contratação?

Ré: Foi ajuste directo.

Além dos meios circulantes, a Direcção do Trabalho Migratório teve gastos com cabazes, em 2013 e 2014, no valor de 1.4 milhão de meticais.

Juíza: Quais foram os fundos usados para aquisição de cabazes?

Ré: Meritíssima, recordo-me de que uma parte dos fundos foi proveniente da conta juro alimentada por taxas de contratação de mão-de-obra estrangeira.

Juíza: Qual foi a modalidade de contratação?

Ré: Foi o ajuste directo.  

Juíza: Consta dos autos que, no dia 16 de Dezembro de 2014, a DTM, representada pela ré Anastácia Zitha, comprou, da Vossa Garrafeira, bebidas no valor de 240 mil Meticais. Quais foram os fundos usados?

Ré: Não recordo.

Juíza: Qual foi a modalidade do contrato?

Ré: [Foi] ajuste directo, porque os cabazes eram para altas individualidades e a Vossa Garrafeira era a empresa que apresentava cabazes com melhor imagem.

A DTM usou, ainda, 46 mil meticais da taxa de contratação de mão-de-obra estrangeira para um almoço de confraternização no Café Mamara por ocasião da reforma de um funcionário e 590 mil meticais para a compra na compra do material do som para o Ministério do Trabalho.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos