A Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) suspendeu, semana passada, Hélder Martins por seis meses da sua condição de membro efectivo da agremiação. Em causa está uma suposta violação do estatuto da AEMO, consumada com a submissão do Projecto de Lei à Assembleia da República, visando a criação da Academia Moçambicana de Artes e Letras (AMOCAL).
Eis os factos. No dia 9 de Setembro de 2020, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) cria uma Comissão Instaladora da Academia Moçambicana de Letras (AML). Assim, identificou-se Hélder Martins para assumir a função de Presidente da Comissão em causa. Meses depois, já este ano, a Comissão Instaladora chefiada por Hélder Martins submeteu à AEMO todos os documentos produzidos. Nessa altura, a AEMO fez uma comunicação interna para dar a conhecer a dissolução da comissão, porque, na percepção da agremiação, tinha cumprido o seu papel.
“Surpreendentemente, a AEMO tomou conhecimento de que a documentação produzida e remetida à AEMO pelo Presidente da Comissão foi levada pelo escritor Hélder Martins para criação de uma outra academia, em que ele aparece uma vez mais como Presidente da Comissão Instaladora. Isto viola os estatutos da AEMO. Estamos a ver uma desonestidade por parte do nosso membro, de tal sorte que o Conselho da AEMO decidiu pela suspensão imediata do direito de membro do escritor”, afirmou, semana passada, o Secretário-Geral da AEMO, Carlos Paradona.
Segundo acrescentou Paradona, durante o funcionamento da Comissão Instaladora, criada pela AEMO, “Hélder Martins se revelou, digamos assim, não completamente claro das atribuições da ordem ou da circular que o nomeou Presidente da Comissão Instaladora da Academia Moçambicana de Letras (AML). De certeza que o escritor Hélder Martins não tinha percebido o conteúdo da sua nomeação. Eu acredito que, pelo desconhecimento, e ele não está claro sobre o que é Academia de Letras e ele decidiu violar o artigo 18º dos estatutos da AEMO. O nosso confrade desconhece os estatutos da AEMO. Era suposto que o escritor tivesse conhecimento sobre estatuto e regulamento da AEMO”.
Com a dissolução da Comissão Instaladora, a AEMO adianta que pretendia dar lugar a uma comissão técnica para preparar a documentação do ponto de vista jurídico, de modo que fosse submetida às autoridades competentes para a devida regulação. Por isso, os “confrades” não só estranham a aparição de Hélder Martins como Presidente de uma outra comissão assim como deploram o comportamento do autor.
Contactado à distância, a partir de Portugal, Hélder Martins explicou a sua versão sobre os factos. Primeiro esclareceu que o Projecto de Lei para a criação da Academia Moçambicana de Artes Letras (AMOCAL) foi apresentada à Assembleia da República por três mandatários de 41 associações da sociedade civil, nomeadamente: Patrício Langa, Presidente da Associação de Sociologia de Moçambique; Alvim Cossa, Presidente da Associação Moçambicana de Teatro e do Centro d Teatro do Oprimido; e Victor Miguel, Presidente da Associação Moçambicana de Língua Portuguesa. As 41 associações da Sociedade Civil assinaram memorando de entendimento, segundo disse, com a pretensão de apoiar o Projecto de Lei para criação de academia. São os casos das seguintes entidades: MISA Moçambique, Núcleo de Arte, AMOCINE, Associação de Psicologia de Moçambique, Associação Moçambicana de Teatro, Associação de Fotografia, dos Músicos, o Sindicato Nacional dos Jornalistas, o Fórum de Rádios Comunitárias e a SOMAS.
Quanto ao diferendo, Hélder Martins assume que, originalmente, a ideia da criação da Academia Moçambicana de Letras (AML) é da AEMO. No entanto, segundo contatou, o pensamento dos dirigentes da AEMO era de criar uma academia de escritores e não de letras. “Quando a Comissão Instaladora começou a funcionar, uma das questões colocadas foi: qual seria o âmbito dessa academia. Para isso, foram feitos inquéritos junto das instituições potencialmente interessadas. Esses inquéritos feitos nas universidades mostraram que o consenso era a criação de uma academia mais abrangente, não só de literatura e de linguística, mas também que incluísse as artes plásticas e cénias e as ciências sociais e humanas”.
Quando a comissão chegou a essa conclusão, Hélder Martins pediu à direcção da AEMO um encontro para explicar esse facto. “E concordaram. Foi só muito mais tarde que a AEMO voltou atrás com a sua palavra, porque não têm palavra. Fizeram uma carta com um grande elogio ao trabalho da comissão e, em particular, ao trabalho do seu presidente. Fizeram uma carta completamente paradoxal, que nem no futebol se faz. No futebol diz-se que quando uma equipa é ganhadora, não se muda. Mas dissolveram a Comissão. A partir do momento que dissolveram a Comissão, em Abril, os membros da Comissão não são escravos da AEMO e não há nenhum artigo dos estatutos da AEMO que possa limitar a liberdade dos seus membros, então, alguns de nós continuaram o trabalho. E ampliamos a Comissão para ter competências que faltavam. Não fazia sentido que uma academia com este âmbito estivesse limitada a uma associação. Por isso [numa fase inicial] houve adesão de 52 associações”.
Em relação à violação do artigo 18 dos estatutos, Hélder Martins responde: “Não sei o que o artigo 18 diz, porque eles nem sequer citaram o artigo [no comunicado], mas eu tenho a certeza de que não violei artigo nenhum. Eles é que têm uma atitude autoritária, fascista, pensando que podem limitar a liberdade dos membros da AEMO. Não podem. E no que respeita à acusação de que nós nos apropriamos de uma ideia da AEMO, é uma acusação sem pés e sem cabeça, porque quem fez o trabalho de produzir um projecto de lei foi a comissão, não foi a AEMO”.
Questionado sobre o que diz o artigo 18 dos estatutos da AEMO, Carlos Paradona afirmou: “Diz, concretamente, que os membros da AEMO têm por dever vincular-se ao que está estipulado nos estatutos, isto é, actuar com boa-fé e seguir as directrizes emanadas pelos órgãos de gestão da AEMO, o Secretariado e o Conselho da AEMO. Tendo ele agido de ma-fé, violou grosseiramente o artigo 18º dos estatutos”.
A Associação dos Escritores continua com o projecto da criação da Academia Moçambicana de Letras, que se vai basear nos documentos produzidos pela Comissão Instaladora, que serão trabalhados com profundidade do ponto de vista jurídico.
Hélder Martins foi suspenso da condição de membro efectivo da AEMO por um período de seis meses, mas diz que não foi informado.
A Comissão Instaladora da Academia Moçambicana de Letras (AML) vigorou entre 9 de Setembro de 2020 e 12 de Abril de 2021, tendo os seguintes membros: Hélder Martins (Presidente), Gilberto Matusse, Luís Cezerilo, José Castiano, Teresa Manjate, Sara Jona, Lucílio Manjate e Izaú Cossa.
O QUE É A ACADEMIA MOÇAMBICANA DE ARTES E LETRAS (AMOCAL)?
Submetida à Assembleia da República, no passado dia 5, a Academia Moçambicana de Artes e Letras é apoiada por 41 associações, segundo um comunicado, representativas de todo o país e totalmente legalizadas. A instituição pretende aproximar e promover as diferentes áreas que ocupam o espaço das letras, artes e ciências sociais e humanas, congregando personalidades que se destacam e que possam liderar a marcha para o desenvolvimento das áreas em causa.
AMOCAL pretende estimular e enriquecer a actividade criadora de escritores e artistas, promover a sua edição e divulgação, incentivar a reflexão e o debate crítico, facilitar o intercâmbio nacional e internacional dos fazedores das artes. Além disso, ao nível das Ciências Sociais e Humanas, a AMOCAL terá como missão praticar e estimular a investigação científica e a produção de conhecimento e a sua divulgação. A AMOCAL prevê um número limitado de membros, porque pretende se basear no mérito. Na AMOCAL, irão prevalecer os membros cuja obra produzida mais se destaca.