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A desconstrução do preconceito em “O padecer das Rosas”

O desprezo aniquila os grandes sentimentos humanos

Eduardo Correia de Matos

 

Deveria ter durado 54 min., mas a peça do grupo Mintsu, apresentada no CCBM, atingiu o minuto 80. Ainda bem, afinal, na véspera do Dia Mundial do Teatro, sempre deu para reviver a realidade moçambicana retratada num universo em que, muitas vezes, colocámo-nos a rir das nossas desgraças, entre evasão e terapia.

O título da peça do Mintsu é O padecer das Rosas, obra constituída por sete personagens representados por seis actores em ascensão, com potencialidade em abundância. Por isso, o que é uma boa trama, no capítulo da dramaturgia, rapidamente transcende-se.

A história da peça é muito simples. Há um casal no enredo: Rosita e Albasine. Devotos ao amor recíproco, ambos provam o azedume do preconceito personificado numa tia, Mothasse, contra a ideia de uma mulher estéril para o sobrinho. Convicta de que os filhos não enchem o lar do casal pela incapacidade de Rosita (Ramadan Matusse), Mothasse (Armando Mazoio) envenena Albasine (Arsénio Chavango) de modo que este troca a mulher pelo esplendor do rand. Destarte, o nosso herói vai parar a África do Sul, onde obtém respostas incómodas ao mesmo tempo que conspira, sem que se dê conta, para felicidade de Rosita. É neste cenário doméstico, carregado de hostilidade feminina, que se dá uma peça incisiva. Mordaz. A haver uma pretensão, há-de ser essa de ridicularizar os preconceituosos. Por exemplo, a rabugenta Mothasse, personagem que ao invés de solidária com a mulher do sobrinho, despreza-a, quase aniquilando os seus sentimentos. A essa altura da peça, vislumbra-se onde Mapanga quer chegar: “as mulheres são as maiores conservadoras dos machismos dos homens”. Logo, Mothasse nem sequer tolera a possibilidade de aceitar uma estéril na família, porque, para ela, se não há filhos, a culpa é sempre da mulher.

Sendo esta uma história que expõe as parvoíces de um machismo excêntrico, paralelamente, é uma aventura na qual se chocam o moderno e a tradição. Do conflito não se adivinham consensos, mas ruturas irreversíveis. Na consequência disso, o amor é colocado à prova, cedendo e resistindo à inconveniência de acordo com as circunstâncias.

À parte o enredo, esta tragicomédia é sugestiva por se adequar às carências do nosso teatro. No lugar de uma cenográfica exigente, Mintsu é capaz de fazer bom uso de poucos adereços: uma mesa, duas cadeiras, algumas velas e um pouco de luz, com oportuno recurso aos bastidores, o que, na verdade, é uma ideia inteligente de ampliar o pequeno palco do CCBM. Outra coisa que chama atenção é o facto de a história possuir quatro personagens femininas, porém todas representadas por homens, sem que isso se torne algo aborrecido (na encarnação da mulher, distingue-se Rodrigues Jalane, no papel de mãe de Rosita, mesmo a lembrar-nos a representação de Rosita, até morrer, por aquela que consideramos melhor actriz moçambicana: Ana Magaia). Pode faltar verosimilhança, entretanto, o projecto não fica comprometido (a capacidade dos actores na manipulação do semblante favorece). O que nos faz muita confusão é a troca de papéis. De repetente, Arsénio Chavango deixa de ser Albasine e passa representar Faztudo; e Gerson Mbalango, que era Faztudo, assume o Albasine. Não vimos nenhuma justificação plausível para o efeito. Até porque essa troca retira de cena a grande performance de Mbalango, quem leva a peça ao auge na pele de Faztudo, um galanteador cheio de bons pretextos. Enfim, estas são as notas. O resto é o tempo que vai corrigir os exageros atribuídos aos curandeiros e, em alguns momentos, a escusada fixação do olhar dos actores no auditório. Em todo o caso, para um grupo amador, com escassos recursos, é obra.

 

Título: O padecer das Rosas

Autor: Grupo Mintsu

Encenador: Emerson Mapanga

Classificação: 14

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