Especialistas em arquitectura dizem que é tempo do Governo de Moçambique levar a sério a questão da resiliência e sugerem a criação de uma instituição pública vocacionada para este fim.
A noite de 10 de Março de 2022 e madrugada do dia 11 nunca mais serão esquecidas pela população dos distritos de Mossuril e Mogincual, na parte costeira da província de Nampula. Um ciclone com ventos que atingiram a intensidade máxima de 155 km por hora alcançou o território nacional e teve o seu epicentro na província de Nampula.
“Analisando a época chuvosa 2021/22, principalmente na sua segunda parte, de Janeiro a Março, ocorreram dois grandes ciclones, começando pelo ciclone ANA cuja porta de entrada foi a faixa costeira da província de Nampula, distrito de Angoche, que depois progrediu até à zona Centro do país. Esse ciclone também teve impactos a nível de infra-estruturas e, a seguir, no mês de Março, aconteceu o ciclone GOMBE que também teve como ponto de entrada a província de Nampula, entre os distritos de Mogincual e Mossuril”, lembra o meteorologista Alberto Colarinho, numa abordagem que, de forma clara, mostra o quão o nosso país está a viver uma era atípica caracterizada pelo impacto das mudanças climáticas.
Dois meses depois é pouco tempo para apagar as marcas de um ciclone tão devastador. A vila-sede do distrito de Mogincual está irreconhecível. As infra-estruturas públicas documentam o impacto da “fúria divina”, o caso dos edifícios onde funcionavam os serviços do Estado que ficaram quase todos com a cobertura destruída.
Luísa Favorito, secretária permanente do distrito de Mogincual, fala na primeira pessoa do que viveu naqueles dias: “o nível de destruição, na verdade, foi total porque toda a população foi abrangida, apesar de uma e outra casa que escapou. Como estão a ver, a secretaria distrital está toda destruída, a residência do administrador, idem”.
A residência oficial do administrador distrital não escapou. O vento arrancou a cobertura; a água da chuva entrou em todos os cómodos, destruindo o mobiliário e, neste momento, o administrador está a viver no escritório construído para os extensionistas das pescas e realiza o trabalho burocrático no alpendre da residência oficial que ficou intacto.
Só no distrito de Mogincual, foram quatro mortos; 10 mil casas destruídas, total ou parcialmente, e cerca de 60 mil pessoas afectadas. A ajuda humanitária demorou a chegar, porque as vias de acesso que ligam a capital provincial e o distrito de Mogincual estavam cortadas.
“Pelo menos, perto de 25 mil pessoas já foram assistidas, também vamos enviar uma grande quantidade para perfazer a diferença das cerca de 25 mil pessoas para rondarmos as 50 mil”, esclareceu Alberto Armando, delegado do INGD em Nampula.
No terreno, juntam-se as mãos para ajudar quem mais necessita. São organizações religiosas e não-governamentais que doam o que podem para ajudar a reconstruir a vida, tal como testemunhamos quando a CÁRITAS diocesanas de Nampula faziam a entrega de kits não alimentares.
“Esta é a terceira vez que damos assistência a 1600 pessoas neste distrito. Damos um kit composto por duas esteiras, duas mantas, um balde, um gírico e uma lona”, assegurou Edson Cassimo, da CÁRITAS.
“Sofremos porque as nossas casas foram destruídas e os nossos bens. Estamos assim mesmo”, lamentou Álvaro Albino, um dos afectados em Mogincual, que o encontramos na fila para receber a doação acima referida.
No posto administrativo de Lunga, no distrito de Mossuril, onde se registou de facto o epicentro do ciclone Gombe, a população tenta reconstruir as casas danificadas, porém há coisas que, na vida, não têm conserto. Foram 31 pessoas que morreram só neste ponto.
Só de se lembrar, uma mulher adulta desactou aos choros quando fazíamos a reportagem, numa clara manifestação da dor de luto que ainda carrega: a mãe morreu quando a casa desabou e, nas costas, tinha uma criança que escapou por muita sorte.
“Ela estava com outras pessoas que conseguiram sair e ela permaneceu lá dentro e a casa caiu por cima dela. A criança não morreu, apenas teve ferimentos num dos braços”, explicou Alde Amade.
A natureza está a mudar. Desde o ano 2000 que a frequência de cheias e ciclones passou a ser maior e Moçambique, com uma costa de 2700 km, torna-se altamente vulnerável.
Com décadas de experiência na arquitectura, Benedito Chicombo diz que, mais do que nunca, o Governo deve levar a sério a questão da resiliência na projecção e construção de edifícios públicos. “Para além daquela fixação normal que conhecemos, há que revisitar o projecto da Educação que desenvolveu alguns projectos-modelo até a situações de sismos e o projecto contempla chumbadores metálicos, rebites, para reforçar a fixação da estrutura de cobertura”.
Para o arquitecto, pode-se ensinar à população como construir com material local que seja mais resiliente aos efeitos dos eventos extremos. “O Ministério das Obras Públicas, em tempos, fez muitos estudos sobre isso e chegou a aprovar uma estratégia a nível do Conselho de Ministros e alguns materiais desta categoria que posso citar são: bloco de solo e cimento, que é um bloco de solo/argila estabilizado com cimento. Foram ensaiadas, em Namialo, soluções como a melhoria da casa de pau-a-pique maticada com argila e revestida com resina de castanha de caju. Aquele óleo residual da produção de castanha, ao aplicar-se numa parede rebocada com adobe, podemos passar um jato de água da mangueira, o nível de segregação de partículas é muito baixo”, disse o especialista que agora é gestor do projecto “Melhorando a Resiliência Climática em Moçambique”, que está a ser implementado pelo Ministério da Terra e Ambiente.
O nosso entrevistado entende que deve ser criada uma instituição pública para coordenar e assessorar a implementação das acções de resiliência.