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O JOGO GLOBAL – Guerras, Gás e o Teatro das Ajuda Humanitária

  1. Onde há riqueza, HÁ GUERRA

Não é coincidência: sempre que o subsolo africano revela ouro, gás, petróleo ou rubis, logo surgem insurgências, massacres, terrorismo. Cabo Delgado não foge à regra. O gás de Afungi, explorado pela TotalEnergies, poderia colocar Moçambique entre os maiores exportadores de GNL do planeta, multiplicar nosso PIB e transformar Pemba numa nova Doha. Mas vejam o enredo: desde 2017, insurgência islamista e ataques sistemáticos mantêm a região em estado de medo, justificando militarização e contratos de segurança privada.

O resultado? Os projectos param. As multinacionais recuam, mas mantêm direitos de exploração garantidos com o governo mas sem desenvolvimento local. Mas o “truque sujo” já estava traçado: a insurgência islamista, os atrasos, a insegurança nas estradas e nas comunidades tudo cuidadosamente alimentado. E quando o gás sair do chão, o lucro não vai servir para estradas, escolas ou hospitais, mas para pagar juros de dívida, resgatar empréstimos e garantir contratos opacos assinados em baixelas estrangeiras.

 A guerra, que deveria afastar investidores, acaba congelando contratos, garantindo que ninguém mais toque nessas reservas sem a bênção das mesmas corporações.

  1. O sistema Bretton Woods em campo

Era julho de 1944, e o mundo fingia reconstruir a paz. No luxuoso hotel Mount Washington, na pacata Bretton Woods, EUA, 730 delegados de 44 países passaram a chave da economia global para Washington. Liderados por Harry Dexter White e Keynes, decidiram que o dólar seria moeda única conversível em ouro — a 35 USD por onça. Nasceram ali o FMI e o Banco Mundial. Bretton Woods foi, na verdade, uma armadilha financeira: nós viramos colônias invisíveis, dependentes de papel impresso, enquanto eles recolhem ouro e riquezas físicas.

O FMI e o Banco Mundial observam de Washington. Sabem que Moçambique, mergulhado em insegurança, inflação e dívida, não tem força de barganha. O Estado pede empréstimos; eles “ajudam”, mas com juros, condicionalidades e planos de ajuste estrutural. E assim:

O gás de Cabo Delgado, quando sair do chão, será garantia de pagamento da dívida externa. O povo verá os navios levando riqueza, enquanto a miséria continua. A soberania vira papelada; nossa bandeira, um logotipo no contrato.

III. As ONGs e o braço humanitário do sistema

Enquanto isso, as grandes ONGs internacionais operam como braços auxiliares do sistema financeiro global. É claro que elas salvam vidas mas também cumprem uma função política e geoestratégica:

ACNUR garante a gestão dos deslocados, mas também controla fluxos populacionais para evitar que afectem interesses econômicos. OCHA coordena ajuda, mas monitora quem tem acesso aos campos e dados sensíveis. PMA fornecem assistência alimentar e vacinas, mas também “criam” uma dependência que enfraquece a pressão por soluções locais. UNICEF chegou a Moçambique nos anos 1960, firmando compromisso contínuo a partir de 1975, após a independência. Sua presença molda programas e consome a agenda pública dos aliados.

A Cruz Vermelha de Moçambique foi criada em 10 de julho de 1981 e reconhecida internacionalmente em 29 de setembro de 1988. Desde então, tem sido peça-chave em crises como os ciclones Idai e Kenneth. A International Committee of the Red Cross (CICV) intensifica sua atuação humanitária em Cabo Delgado, promovendo treinamentos e supervisão humanitária nos campos de deslocados mas são mais aliados do sistema.

ONU administra a narrativa: cada relatório publicado justifica intervenções militares, contratos de reconstrução e a presença de multinacionais “em nome da estabilidade”.

O jogo é claro: eles desarmam as nossas vozes com ajuda humanitária. Moçambique é salvo todos os dias — mas sempre de joelhos. Tudo parece humanitário, mas alimenta o ciclo: guerra cria crise, ONG faz paliativo, logo surgem FMI e BC mandando papéis, enquanto nossa riqueza se escoa por oleodutos invisíveis.

Além disso, as Embaixadas estrangeiras — do Canadá, Reino Unido, EUA, União Europeia entre outros, estão presentes, financiando projectos que parecem salvação, mas muitas vezes reforçam o sistema de dependência. São as manifestações diplomáticas de um jogo hegemonizado por Bretton Woods.

  1. O ciclo do saque invisível

O FMI e o Banco Mundial imprimem dinheiro digital, e o trocam por nossas riquezas reais: gás, minerais, rubis, grafite. Enquanto vós vos ajoelhais diante das ONGs e dos pacotes de empréstimos, eles garantem que os recursos rolam para fora, e que nossas infraestruturas continuam frágeis. Os programas de ajuste estrutural impõem cortes nos direitos sociais enquanto apoiam empresas multinacionais e privatizações.

Pensemos: quando um banco internacional empresta dinheiro, não envia riqueza real; apenas créditos digitais criados com um clique. Mas Moçambique paga com gás, rubis, grafite, carvão. Ou seja, trocamos riqueza física por dívida virtual. O saque é tão sofisticado que não precisa de canhões. Basta uma assinatura em Washington.

A guerra, nesse sistema, não é acidente. É ferramenta de contenção: mantém populações vulneráveis, líderes frágeis, multinacionais dominantes e ONGs legitimando a presença estrangeira. Cabo Delgado é laboratório disso.

  1. Filosofia do cativeiro global

Frantz Fanon diria que a colonização do século XXI não precisa de colonos. Ela se dá por contratos, relatórios, drones, e “projectos de desenvolvimento”. É a estética da caridade escondendo a estrutura da pilhagem. Hoje, a ONGs ecoam isso sob o pretexto da compaixão, e os embaixadores cumprem a retórica da cooperação, enquanto nosso solo sangra em moeda forte que se desvaloriza.

Moçambique tornou-se uma empresa sem acionistas nacionais. Nossos líderes são gerentes de um capital que não controlam. O FMI dita metas fiscais; o Banco Mundial define onde construir estradas; a ONU administra a crise humanitária; multinacionais decidem quando explorar o gás.

E o povo? Assiste à CNN noticiando “ajuda internacional” enquanto as aldeias continuam queimadas. Nós, africanos, devemos parar de assobiar para o lado. O verdadeiro poder está em reivindicar o aeroporto, a rodovia, a escola e o hospital que o gás nunca financiará para nós. E isso exige consciência, poesia política e revolta filosófica. O papel que recebemos é só uma promessa vazia — a verdadeira riqueza ainda está na terra, no mar, nas montanhas e embaixo dos nossos pés.

Se formos reféns de papel impresso, nunca seremos livres. Ouro, gás, grafite, rubis — essas são nossas moedas reais. Precisamos atrelar nossas transações a essas riquezas tangíveis, não ao metical, que desvaloriza. A China sabe disso: ela tem 800 bilhões da dívida dos EUA. Quem controla o real controla as decisões.

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