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Médicos usam papelão por falta de gesso em hospitais públicos

Foto: O País

Há falta de gesso nos hospitais e, em Nampula, recorre-se ao papelão para improvisar o tratamento dos doentes com fracturas. O ministro da Saúde reconhece a crise e diz que se deve ao abandono do contrato de fornecimento do gesso por parte da empresa que ganhou o concurso.

É uma realidade que tem algum tempo e abrange a maior parte dos hospitais públicos do país. Falta tala gessada, comumente designada por gesso, o que leva muitos pacientes com fracturas ou outro tipo de traumatismos a não terem atendimento. Os que podem recorrem às farmácias privadas para adquirir o gesso.

No Hospital Central de Nampula – a maior unidade sanitária da zona Norte do país –, os técnicos afectos à urgência de ortopedia e traumatologia recorrem ao papelão para tratar os pacientes.

Tarde de sexta-feira, 12 de Julho. Jorge Francisco percorre o corredor que leva à urgência de ortopedia e traumatologia acompanhando o seu filho que há três semanas foi atropelado por uma motorizada e sofreu danos no osso da perna esquerda.

O jovem com deficiência auditiva anda aos saltos “pendurado” pelas axilas a dois paus que servem de muletas, evitando pisar o chão com a grossa perna envolvida até ao joelho num tecido branco hospitalar que chamam de ligadura.

“É a terceira semana e viemos fazer controlo”. O controlo devia ser para ver o estado da perna e reforçar com mais gesso, mas a resposta que tiveram do médico foi peremptória: “disse que o hospital não tem gesso”.

Sem gesso no hospital, o senhor Jorge até pensou numa alternativa, só que também a sua efectivação depende de terceiros. “Não sei. Vou pedir a familiares para ver se posso comprar mais gesso para colocarem de novo, porque daquela forma que está não me deixa satisfeito”.

Na sala onde é colocado e retirado o gesso aos pacientes com diversos tipos de traumatismo, a situação é desoladora.

Dentre vários pacientes, encontramos um menino de seis anos com o antebraço direito curvo, derivado do facto de lhe ter sido colocado um papelão e ligadura, há um mês, por falta de gesso.

O pai do menino, Gonçalves António, explica que o rapaz caiu do tecto da casa quando pretendia tirar mandioca seca que tinha sido posta a secar e partiu os ossos do antebraço. “Quando cheguei aqui, ao hospital, no dia 10 de Junho, puseram tala e papelão”.

E porque não é material apropriado para imobilizar os ossos partidos e permitir a sua regeneração e junção, o menino está com o antebraço com uma curva acentuada e os ossos nem sequer se juntaram. A solução encontrada foi voltar a colocar mais um papelão, porque, de facto, não há gesso.

O cenário é saturante para o pessoal de saúde, que se vê obrigado a trabalhar naquelas condições, prestando um péssimo serviço aos utentes. O silêncio, às vezes, revela o desgaste dos mesmos, por isso mal responderam às nossas perguntas naquela minúscula sala.

“Não me é permitido falar. Não sou responsável daqui”, abrevia um dos médicos ortopedistas, enquanto maneja a ligadura e papelão, atendendo mais um paciente.
Uma dura realidade. O pequeno rapaz voltou à casa com mais um papelão no lugar de gesso e não se sabe se, pela aplicação de material inapropriado, não carregará um defeito no antebraço para toda a vida.

Na fila do mesmo procedimento, estava Espera Juma, pai de um menino que caiu na escolinha e contraiu uma lesão no braço esquerdo. Porque acompanhou o cenário do pequeno menino que descrevemos há pouco, ficou a saber que o seu filho também levaria papelão no lugar de gesso.

“Não sei o que posso dizer mas assim que o Governo também está a ver, vai ter meios alternativos para  que isso passe.”

E não se trata de uma situação apenas de Nampula. No Hospital Provincial da Matola, por exemplo, os pacientes que demandam aqueles cuidados são referidos para o Hospital Central de Maputo, por isso este último regista enchentes.

Noutros pontos do país, a falta de gesso é uma realidade. No Hospital Central da Beira, preocupa mais o facto de os acidentes terem subido quatro vezes se comparado com o ano passado, o que está a levar ao esgotamento da quantidade de gesso que tinha sido disponibilizada para todo o ano.

“O processo de aquisições no sector da saúde obedece a um ciclo que cobre um ano inteiro. Em 2021, fizemos um concurso para o fornecimento de gesso ao sector da saúde para 2022 e primeiro trimestre de 2023. O vencedor do concurso, depois de adjudicado, desistiu do concurso no meio do ano. Como consequência, tivemos de ir ao segundo vencedor para fornecer o gesso para 2023 e primeiro trimestre de 2024”, explicou Armindo Tiago, ministro da Saúde, que esteve em Nampula no dia 11, quinta-feira.

O ministro não disse qual é a empresa que abandonou o contrato no meio de execução e nem as causas, alegando questões éticas.

“O fundamental é que, a partir do dia 15 deste mês, vamos ter a situação já normalizada através da utilização de mecanismos de emergência, mas os mecanismos de emergência, como sabem, levam também entre quatro e seis meses para serem activados.”

É caso para dizer que o actual Governo vai terminar o seu mandato dentro de seis meses, deixando os hospitais públicos nestas condições de crise.

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