Faz hoje 5 anos que perdemos o Monstro Sagrado. Um grande futebolista e um patriota. Ele faria agora 84 anos. Felizmente, há 14 anos em Maputo, um grupo de bons amigos, decidiu “juntar forças” e homenageá-lo, pelos 70 anos de vida. Após alguns anos de mágoa no regresso ao país, entrevistado no final da cerimónia, com lágrimas nos olhos, Coluna afirmou: “estou limpo”!
A noite do dia 7 de Agosto de 2005, foi “dura” para Mário Coluna. Os pés firmes, a voz grossa de comando, já não eram os mesmos de outrora. Uma homenagem, no antigo Mini-Golf, fizeram chegar as lágrimas aos olhos do grande capitão, treinador dos Mambas e Presidente da Federação Moçambicana de Futebol. Houve então mesmo quem receasse pelo coração do Monstro, perante tantas surpresas.
No final da noite, ele tinha poucas mas elucidativas palavras:
– Estou limpo. Vocês sabem que sempre fui um patriota, sempre pensei em viver no meu país e algumas coisas não iam correndo bem. Agora, esta homenagem superou todas as expectativas. Não tenho palavras para descrever a minha gratidão. Só posso dizer que, em relação às mágoas que vinha referindo, estou limpo. Esta festa de reconhecimento limpou tudo. Estou feliz por ver toda esta nova família, unida à minha família mais chegada!
No seu discurso, um forte Khanimambo provocou aplausos.
EMOÇÕES AO RUBRO
De uma forma original e com Coluna a respirar saúde e a sentir-se feliz, Óscar Monteiro, Presidente da Comissão Coluna 70, sintetizou desta forma, a razão da homenagem:
– “Os grandes homens devem ser reconhecidos em vida, devem sentir o reconhecimento pelo que fizeram por todos nós”.
Qual terá sido então o ponto mais alto de uma cerimónia com tantas emoções para o septuagenário Mário Coluna? A entrada/surpresa na festa, das suas duas filhas a residirem no estrangeiro? A oferta do Mercedes Benz, zero quilómetros? Os 70 jogos de infantis com a sua “patente”? A exposição da sua vida e obra, ou as milhares de mensagens vindas de todo o Mundo, inclusive de Joseph Blatter, o então Presidente da FIFA?
O jantar de encerramento foi de tão grandes emoções, que o Monstro chorou. Sobretudo quando entre as bailarinas, apareceram infiltradas na “passerelle” as suas duas filhas mais velhas, a residirem em Portugal.
Coluna, no centro de uma das maiores homenagens até hoje realizadas no país a um compatriota, resumiu assim o seu sentimento:
– Após muitas conquistas em inúmeros estádios pelo Mundo fora, esta é uma das mais importantes, por ser a vitória da gratidão e do coração.
A MONTANHA SAGRADA
25 de Abril de 1974. Acordos de Lusaka, Governo de Transição, Independência de Moçambique. É aqui que o passado e o presente de Mário Coluna se entrecruzam. Depois de (per)correr o planeta… a correr, depois de registar, com letras de ouro, a sua imagem de marca como “manda chuva”, na Europa e no Mundo, graças aos pés, mas sobretudo à cabeça que ditava a liderança por onde passava, finalmente a não enjeitada oportunidade de regressar e servir a sua Pátria.
Numa entrevista em Portugal, o Monstro já havia revelado uma mágoa que o acompanhou por toda a vida: a de não ter podido vestir, como jogador, a camisola da Selecção de Moçambique Independente. Viria mais tarde a ter o privilégio de ser internacional pela terra que o fez nascer, mas como seleccionador. Porém, antes disso, uma conquista irrepetível: a de primeiro campeão nacional, pelo Textáfrica.
Em tempo de “debandada” em direcção à ex-metrópole, Coluna cruzou os céus no sentido contrário. Para trás ficava a lógica do conforto, a segurança que o seu nome lhe permitia, criado com suor e sacrifício, granjeado numa das mais belas actividades: o desporto. O bichinho do amor à pátria e às origens, obrigou-o a regressar, de forma a contribuir para que os meninos da sua terra tenham esperança num sol mais brilhante
UM ESTILO EM EXTINÇÃO
Tudo nele era solene. O andar, o falar e até o comemorar. Ritmo morno, fala suave e lenta, mas incisiva. No interior das quatro linhas, funcionava como um GPS, uma placa giratória por onde o jogo passava, para ser pensado quanto à alternância para os flancos e aproveitamento dos espaços vazios.
Actuando pelo Benfica ou pela Selecção de Portugal, como meio-campista, passou a fazer parte de uma galeria de estrelas muito restrita, cabendo nela apenas jogadores como Eusebio, Didi, Beckenbauer, Platini, Ronaldo e Messi. Uma espécie em extinção. A sua importância para o desenvolvimento do desporto-rei, foi reconhecida pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, um departamento da FIFA que incluiu o seu nome nos 100 melhores jogadores do Século.
O PATRIOTISMO TRANQUILO
– Por Óscar Monteiro
Este é o extracto de um texto lido na abertura da exposição alusiva aos 70 anos do Coluna.
Na história do nacionalismo, nós tendemos a falar dos momentos caracterizadamente políticos, como criação de partidos, de frentes, grandes acontecimentos políticos. Esquecemos outras fontes do nacionalismo e de momentos que incluíram sentimentos, emoções que aparentemente sem ligação com a política e o nacionalismo, mas que constituíram um pano de fundo no qual ele se desenvolve. Uma destas áreas é a do desporto. Nas nossas memórias estão Matateu e o seu valor simbólico, está Coluna e outros como Mário Wilson, Hilário, Vicente, Eusébio, Sheu e Costa Pereira.
NACIONALISMO SEM ÓDIOS
Era o tempo do Mundial de 1966. À medida que o campeonato decorria tomávamos, estranhamente, o partido da equipa portuguesa. A equipa tinha na altura se não erro sete dos nossos compatriotas entre moçambicanos e angolanos. Sempre me perguntei o que estávamos a aplaudir? A equipe de Portugal contra quem estávamos a lutar? Nossos conhecidos? Um nacionalismo sereno não tem ódios cegos.
Mas estas palavras só tem sentido nos dias de hoje, porque um homem, Mário Coluna as tornou exactas e verdadeiras quando, proclamada a Independência nacional, se veio juntar aos seus na Pátria libertada. Deixou um reconhecimento e um respeito permanente.
Mensagem da Comissão Organizadora
Monstro das Seis Colunas
1. Um nome, uma profecia
Os nomes, por vezes transportam consigo profecias. Mário Coluna, que em 20 anos correu o Mundo, a correr, trouxe do berço a sua imagem de marca: a “coluna” direita, o ar imperturbável, tanto dentro como fora dos relvados.
2. O disciplinador
Da mistura do sangue beirão do senhor José Maria Coluna, com o sangue machangana da senhora Lúcia Chibure, nasceu Mário Coluna. Pontual. Irritantemente pontual. Disciplinado e disciplinador; carregou às costas o Benfica e a Selecção portuguesa. A sua grande mágoa: não ter um dia podido jogar pela Selecção do seu país independente.
3. O nacionalista, patrão na era dos patrões
Foi “patrão” no tempo dos “patrões”. Desafiou a PIDE, mantendo contactos com os movimentos nacionalistas. O prestígio conquistado e as qualidades de treinador dentro do campo, fizeram com que a grossa braçadeira de capitão fosse a sua imagem de marca, mesmo quando actuou pela Selecção da Europa. Pelo Mundo, espalhou o seu perfume de líder, mas sempre com o pensamento na terra que o fez nascer.
4. O comandante
Na sua torre de comando, era a placa giratória por onde tudo passava, tanto no Benfica campeão europeu, como na Selecção portuguesa. Daí, o jogo saiu ´´descodificado´´, com alternância de flancos, ou aproveitamento dos espaços vazios. Não raras vezes, soltava a bomba, com veneno “letal”, que apenas dava aos guarda-redes a possibilidade de a irem buscar nu fundo das redes.
5. O Senhor FIFA
Foi uma ligação quase “on-line”. Assumia a Direcção da Federação Moçambicana de Futebol e de imediato os convites para altos “fóruns” continentais e mundiais começaram a chover. Do seu nome e prestígio, muito se tem beneficiado o nosso desporto.
6. O Pai extremoso
Lúcia e Isabel, as filhas mais novas, tardaram a vir ao Mundo para adocicar a vida do Monstro. Mas não se perdeu pela demora. Metade pai, metade avô, extremoso, Coluna recebe delas e da esposa, os carinhos e as atenções que tornam mais fácil enfrentar as duras tarefas que decidiu abraçar, em benefício do seu país.
Portanto…
Qual destes seis Colunas, mais merece ser homenageado? E como homenagear, numa só pessoa, “tantos colunáveis”?
Amigo Coluna, “mais velho”:
Depois de percorreres o Mundo e registares, a letras de ouro, a imagem de um “manda-chuva”, temos-te aqui, em carne e osso, a partilhares connosco os difíceis momentos da reconstrução desta nossa querida pátria.
Tu, Monstro, em 1975, indiferente à debandada em direcção à ex-metrópole, encetaste o caminho inverso, deixando para trás a lógica do conforto, que o teu nome garantiria. O sonho de ajudar os meninos da tua terra e terem um sol mais brilhante, uma bola para brincarem, falou mais alto.
O impressionante BI
Mário Esteves Coluna nasceu a 6 de Agosto de 1935, em Magude e faleceu em 25 de Fevereiro de 2014.
Começou a jogar a ponta de lança, no João Albasini e no Desportivo de Lourenço Marques, praticando também atletismo. Na Europa, actuou no Benfica, de 1954 a 70; fechou a sua carreira no Olympique de Lyon, em 1971.
Nas 16 temporadas na equipa principal do Benfica, participou em 677 jogos, num total de 59.702 minutos, marcando 150 golos. Foi 10 vezes campeão (55, 57, 60, 61, 63, 64, 65, 67, 68, 69). Venceu seis vezes a Taça de Portugal.
Foi bicampeão europeu pelo Benfica (61 e 62) e três vezes finalista vencido (63, 65, 68).
Actuou 60 vezes pela selecção portuguesa, tendo sido capitão em 21 jogos. O ponto mais alto foi o 3º lugar, no “Mundial” de Inglaterra, em 1966.
Como treinador: Orientou as equipas Sport Lisboa e Huambo, Textáfrica do Chimoio, Ferroviário de Maputo, Maxaquene, Desportivo de Maputo e Ferroviário da Beira. Foi seleccionador nacional de Moçambique e Presidente da FMF.
Distinções: Sete louvores da Federação Portuguesa de Futebol: Medalha de Ouro ao Mérito Desportivo, Medalha de Prata da Ordem do Infante D. Henrique (a mais alta condecoração portuguesa), pelo brilhante comportamento no Campeonato do Mundo de 1966. Louvor da Direcção-Geral dos Desportos, em atenção a toda a sua exemplar carreira desportiva, e Medalha Nachingweia.