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Wanaangu, meu filho, a terra prometida

O mês de Julho, de 2009, marcou o início do turbilhão académico da Universidade Lúrio. Primeira instituição pública de ensino superior, nascida fora da capital. Logo, se convergiram as exigências e vontades. Os sonhos e as promessas. Chuiba e Wanaangu, no triângulo Pemba, Sanga e Nampula, se prontificaram para as novas bases do saber.

Estas sedes abriam novas páginas de conhecimento. As ditas “Hard Sciences” vinham desafiar o establishment. Entre medicina e engenharias, florestas e agricultura, biologia e tecnologia. Um começo titubeante, porém, seguro, com jovens originários de todo o país, mas muito poucos destas Províncias.

Não eram, apenas, os estudantes que se auto-desafiavam. Eram, igualmente, seus docentes, jovens, inexperientes, uns buscando seu primeiro emprego, outros, mais calibrados, procurando seu espaço. Professores estrangeiros, amiúde, remavam com velocidades distintas. O mais sensato, por vezes, deixou marcas para descrença. Quantas vezes isso passou-nos pela cabeça?!

De Lichinga para Sanga, foi um ápice. As condições iniciais, radicalmente, se transformaram. Mudança de tempos e de vontades. Lichinga, pacata e pouco hospitaleira, fez nascer o interior agreste de Wanaangu. Wanaangu que, em tradução livre, significa meu filho, não poderia ser filho de ninguém. Era apenas um filho no imaginário de Samora Machel. Um provérbio local dizia que no mundo, ninguém nasce pobre, mas todos que nascem encontram a pobreza no mundo. Se não cremos, somos pobres.

Wanaangu sempre foi a proposta de cidade que só cresceu para o tamanho de cidadela. Despida de intelectualidade, porém, com enorme conhecimento e saber tradicional. Foi normal e aceitável perder alguns, motivar outros e criar, sobretudo, arrependimentos e desistências.

Das primeiras aulas, das experiências de convidar os camponeses para conhecer o campus universitário, da montagem de laboratórios convencionais e híbridos, da captura de espécimes de gafanhotos e outros bichos praga. O respaldo teórico conformou-se com a prática. A verdejante paisagem conheceu, aos poucos, a soja e o seu leite, o morango e os pequenos campos de ensaio que mais se confundiam com espaços lunares.

Não tardou, vieram as jornadas científicas e as empresas florestais, Green Resources, que vasculharam capital humano, essa combinação entre inteligência pura e talento por desbravar. Também a internet chegou. Com ela a transformação dos hábitos e da convivência de hábitos. Os jogos da liga profissional de basquetebol da NBA criaram seu espaço e, na serenidade da noite, despontaram os conflitos de manter, em clausura, jovens com voraz apetite de acasalar. As noites de lua cheia trouxeram quizumbas.

Depois, vieram os festivais culturais. Sukumas, Neymas e Valdemiros, emocionaram plateias mistas. Pela sua voz, requebraram as ancas das rainhas locais dos políticos e curiosos. Também pelas suas vozes chegaram os conselhos de prevenção do HIV e de tantas outras doenças. Nos dias de hoje, eles cantariam contra o Covid-19. Só mais tarde, foi construído o pavilhão de desportos. Ex libris de Sanga. Imponente, o pavilhão conquistou todos os corações e milhares de emoções. Por ali passam os presidentes e os ilustres. Wanaangu ganhou sua bandeira, seu mural e eternizou-se como a cidadela da paz.

Em 2013, o primeiro grupo de estudantes recebeu seus diplomas. Era só o começo de uma multifacetada jornada. Os diplomas tinham algo superior que o seu próprio significado original. Não significavam nem título, nem o fim. Apenas uma permissão para continuar a sonhar e prosperar. Um recomeço para novas etapas e outras estações. Rosalina Tamele e tantos outros jovens fizeram parte dessa fornalha. Não tardou que os mais habilidosos fossem, como consequência, escolhidos para ingressar no corpo docente. Transitar de uma experiência de monitoria gratuita, para outra, minimamente, remunerada. Com os contactos e a abertura ao mundo, Wanaangu se tornou conhecida além-fronteiras.

No Oriente, da terra do sol nascente, Japão, chegaram os primeiros jovens deste país, ávidos por redescobrir os segredos milenares da agricultura africana, a cultura africana e a cultura Yao. Eles aprenderam a língua e os modos de ser e estar. Viveram em quartos duplos, cristalizaram as amizades e fizeram planos para o futuro.

Misaki, uma das mais talentosas japonesas que passou pelo campus do Wanaangu, transformou-se em irmã de alma e de coração da Rosalina Tamele. Começaram a escrever um futuro diplomático e científico. A parceria cresceu silenciosamente, assim como a semente, que quando cresce não faz ruído. Rosalina, anos mais tarde foi seleccionada para fazer a pós-graduação no Japão.

Existe um simbolismo histórico neste percurso. Uma marca de uma geração de múltiplas vontades, moldadas no sacrifício e empenho. Esta dimensão que ultrapassa barreiras e preconceitos, que sobe montanhas e afirma-se como a liderança do futuro que teima em ser presente.

Agora Wanaangu ganha filhos. Os filhos da terra prometida. Nobres. Ilustres. Cultos e formados ao mais alto nível. Wanaangu se converte num re-significar de destinos e infinitos. Uma nova página e correntes filosóficas que farão desta terra o céu e, trarão de volta o homem novo que tarda a surgir. Wanaangu se veste de lentes cor-de-rosa e penteia as suas esperanças.

Wanaangu ganhou a sua primeira Doutora. Rosalina Tamele. Uma jovem que estudou florestas e que mescla conhecimento, aptidão, talento e vontade de triunfar. Um exemplo de quem saiu do desconforto e procurou na ciência, uma forma de estar. Esta Rosalina, algumas vezes Rosa, outras Lina, continua sendo uma jovem tímida e insegura, porém, destemida, inteligente, delicada e perspicaz.

Ainda ecoam os relatos do final do seu mestrado, na mesma cidade japonesa, onde mesmo tendo as notas para progredir para o Doutoramento, ficou sem os recursos necessários para se manter. Não virou a cara a luta e acreditou. Foi trabalhar para um pequeno restaurante japonês e, aí, procurou subsistência. Japão ficou a conhecer culinária moçambicana. Estes, os exemplos que alguns de nós temos vergonha e complexo de passar por eles. Depois, e de forma natural, voltou a convencer que o seu talento não poderia ser desperdiçado. Ganhou a bolsa e progrediu.

Hoje, com o Covid-19 validando a nossa caminhada e os nossos passos, Rosalina voltou às distinções, como uma marca que lhe parece ser comum. Doutorada com distinção e pleno reconhecimento. Vai continuar na Universidade para mais uma estadia, agora como assistente.

O que quer que seja que a vida lhe reserve, esta menina é uma vencedora. Ela não vence apenas os cânones académicos, mas deixou que o seu coração, também, ganhasse o amor. Estudar só tem sentido quando valorizamos o meio circundante. Aqui estava a dupla vitória. Em Wanaangu ou em Japão, aqui está o sentido da vitória.

Wanaangu rejubila, academia moçambicana engrandece-se, família Tamele vai assistindo, sentada numa plateia especial, tudo aquilo que sonhou, mas nem sempre acreditou. A história de Wanaangu escreve-se com Machel, o mês de Julho com centenário de Mondlane e a Lúrio da Rosalina escrevem estas etapas histórias em seus corações, para os reverenciar. A cada um de nós, caberá, apenas, agradecer a Wanaangu e Rosalina por existirem e acreditarem.

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