Parou em frente à ponte. Acendeu um cigarro e pintou com o pincel do seu bafo nuvens de fumo na tela do escuro. Os bolsos das calças estavam fartos de garrafas de pescoços apertados por rótulos. Lançou os olhos para ver as horas no relógio preso no pulso e viu todos ponteiros correndo na circunferência vedada por números enormes. Parecia que as horas escondiam-se dos seus olhos pingando pestana carregadas de sono e cansaço. Gotejou um gole de cerveja sobre a lona de chuinga que cobria o tecto da sua língua. Passou debaixo das pernas da ponte como um gato no meio duma saia feminina. Nenhum carro dava sinal na estrada. Seu corpo, com dobradiças de cansaço, em cada passo parecia um colchão com pilares de casca de coco em rotação.
Antes de engolir, com a tesoura dos passos, a sombra enorme da ponte deitada na estrada fervendo de alcatrão, parou nos pelos de capim da ponte e concentrou as mãos no limite entre o norte e o sul do corpo. Fez momentos rápidos para desfazer o cadeado dos botões e desenhou uma figura estranha com a sua urina. Quando terminou, o desenho respirava e parecia queimar. Para não pôr ao público a sua obra, tampou-a com areia que arrastou com o pé direito.
Numa das pernas da ponte um agente da FIR, hoje UIR, alisava a sua corcunda com a sombra da ponte. Era um agente que tinha mais músculos que qualquer coisa. Na cintura um par de algema disputava espaço com um cinto preto e enorme.
– “Por que não usaste a ponte?”.
– “A ponte demora muito, chefe. Estou manigue apressado”.
O agente tirou a mão do bolso. Uniu os dedos na sua mão como uma família quando se senta à mesa. O polegar parecia um maestro de todos dedos com um casaco de suor; mexia-se sem parar. Os caminhos da palma da mão do agente indicavam a rua do rosto do jovem. O agente deu uma moda bicicleta, em forma de chapada, na bochecha do jovem.
Aquela chapada parecia um drible de Ronaldinho Gaúcho com a camisa 5. Eram 5 dedos. A bochecha era a grande área. E os dentes, brancos e bem quadrados, que logo espreitaram eram as redes da baliza.
O jovem caiu no berço da estrada. As garrafas de pescoços virados, nos bolsos, vomitaram espuma. A chapada criara uma sinfonia de estrelas nos funeis das orelhas do jovem. As marcas dos dedos na bochecha do jovem pareciam uma cadeia de montanhas ou lombas duma estrada de areia vermelha. A chapada parecia um tsunami na boca do jovem. A dentadura do jovem emigrou geograficamente uns centímetros como uma placa tectónica, a saliva parecia um mar invadido por um maremoto, a língua mastigou-se e sangrou nos balões da chuinga. Pode-se dizer que foi uma chapada com diversos ingredientes: dentes finos de bofetada, grãos cortantes de unha e uma dose exagerada de força.
O agente deu uma bengala de pontapé e o jovem organizou-se, recolheu os ossos e levantou-se. Sacudiu os restos de chapada que ainda tinha na bochecha. Cuspiu no chão do seu estômago uma saliva de sangue. O cão que de orelhas esticadas que captava os sinais magnéticos da chapada, latiu. E o jovem equilibrou os pés nos seus New Balance e voltou as escadas da ponte. Uma chapada, apenas, tinha transformado o jovem em uma ruína humana com fendas de embriaguez. Não parecia o mesmo jovem que parou, acendeu um cigarro e pintou com o pincel do seu bafo nuvens de fumo na tela do escuro.