Quando se pinta um sonho, a partir dum lugar agachado num mapa nas margens do Índico, com as cores tonificadas de dúvida e certeza, de esperança e desespero, o resultado é esta miscelânea de cores ombreando com o brilho do sol nascente. É com estes traços versus estas tranças coloridas do oriente que se revela o sentido de ser mulher, nesta empreitada de tentar transladar o futuro para o presente.
É desta forma como impacta em mim esta exposição da artista plástica Huwana, composta por uma dezena de quadros, com um temário geral: DICOTOMIAS FIGURATIVAS. Neste conjunto de obras ela traz-nos, por assim dizer, o seu olhar, a sua verdade, entrelaçando contrastes com as cores mais fluentes da vida, num mundo que, por vezes, parece esboroar-se na descrença do amanhã.
É uma pintura aberta ao mundo, como a própria artista que, na sua condição de mulher, tem o condão de trazer à luz esse mistério chamado vida. Estes quadros, que realmente são uma autêntica mescla de amor e sonhos, mito e memória, emprestam ao observador uma experiência de poder e liberdade, pois quem cria a vida é tão poderoso quanto quem cria o mundo. Ambos são arautos da criação, com a diferença de que a Huwana tem um duplo poder, o da criação da vida e o da recriação do universo, através do seu pincel.
Há quem diga que as artes plásticas oscilam entre duas vertentes: a imitação e a música. Elas são impregnadas de ilusionismo e abstracionismo. Quanto a mim, aquele que consegue estabelecer o equilíbrio entre estas dimensões pode se dar por satisfeito, na medida em que a arte só é plena quando alcança esse equilíbrio. É assim que estas telas de cores brilhantes que a Huwana nos propõe convocam a saudade e a memória de viver a vida ressuscitando a esperança. Nelas há um esforço ou seja uma intenção clara de a artista nos convidar a viajar com ela na sua busca pelo futuro. Mas, afinal, como se retrata então a empatia entre o nosso mundo interior e exterior? Como se transpõe, por exemplo, o sentimento de dó ou compaixão que borbulha em nós para uma tela? Estas e outras questões a artista tenta responder em cada tracejado, em cada gradação da luz, neste mar de cores ondulando nos seus quadros.
A narrativa da vida e do tempo é igualmente explicada nestes traços, nestes sombreados, nesta luz que até transborda para fora das próprias telas, porque, na verdade, a época em que vivemos é também caracterizada por um intrincamento de desgraças e tristezas. A Huwana tenta, por isso, não perder o fôlego e muito menos o foco daquilo que é o seu sonho anichado nestas linhas e formas, que acabam revelando as suas próprias crenças, principalmente aquelas sobre o poder da cor e da luz na procura da felicidade.
O acasalamento das cores e da luz nos quadros da Huwana simboliza o amor supremo que ela oferece a si própria e ao mundo. Todas as suas obras, incluindo as que corporizam esta exposição, são uma espécie de alegoria de si própria numa terra que lhe é simultaneamente hostil e bem-aventurada.
Gosto desta afirmação de Picasso: “A pintura não é feita para decorar os aposentos. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.” É caso para perguntar se a Huwana não estará, porventura, a dar continuidade a uma guerra, herdada do seu ADN, visando reavivar nos homens e mulheres da nossa época a vontade e alegria de viver, a partir das contrariedades do quotidiano?