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“amaXesha”: os 100 minutos de concerto de Bongeziwe Mabandla

Foto: Mariano Silva

A primeira vez que vi um concerto de Bongeziwe Mabandla foi há um ano e meio, em Saint-Pierre, Ilha Reunião. Nessa altura, o músico sul-africano actuou num dos cinco palcos do Sakifo Music Festival e, como se não tivesse alternativa, deixou o público proveniente de diversas regiões do mundo impressionado com a sua sonoridade, difícil de encaixar num único género musical.

Esta sexta-feira, no seu regresso ao Centro Cultural Franco-Moçambicano, voltei a ver Bongeziwe Mabandla no seu registo particular, sempre acompanhado pelo multi-instrumentista moçambicano, Tiago Correia-Paulo, e, igualmente, pelo baixista Bruno.
O pretexto, desta vez, foi a apresentação das músicas do novo álbum, intitulado amaXesha. Trata-se de um exercício profundamente intimista, que nos convoca a uma espécie de meditação enquanto ouvimos a associação de ritmos e sons que, aparentemente, apenas têm sentido no desempenho vocal do sul-africano.

Na Sala Grande do Franco, a primeira música interpretada por Bongeziwe Mabandla foi “sisahleleleni (i), uma proposta musical com versos curtos, em que se retrata a tentativa de um sujeito buscar um lugar ideal. Numa espécie de monólogo, mas estabelecendo diálogos possíveis, Bongeziwe fez dos gestos e do tom musical uma possibilidade viável para ser compreendido pelo público moçambicano e sul-africano que esteve bem representado no concerto.

Na sua interpretação, Bongeziwe Mabandla teceu uma narrativa em partes, sendo que na primeira apresentou “sisahleleleni (i)”, “sisahleleleni (ii)” e “ukuthanda wena”. Este é um tema sobre o amor a uma ideia de musa a escapulir-se a todo o instante do campo visual de quem a quer. O sul-africano interpretou as três propostas eventualmente como foram compostas, num investimento poético musicado. Os que no Franco não entenderam nada da mensagem enunciada numas das  línguas bantu da África do Sul limitaram-se a sentir a sonoridade ou então a cantar os coros das músicas, que são bem mais fáceis.

Na segunda parte do seu repertório, Bongeziwe Mabandla cantou “noba bangathini” e “soze”. Aí levou lágrimas aos rostos do auditório, pois o som catártico, sofrido e melancólico foi expurgando as dores dos que permitiram tirar de dentro de si o que constitui excesso. Esse também é um tema sobre o amor, conforme ilustra a seguinte passagem: “noba bangathini (Não importa o que eles digam)/ Thina sadalelwa ukuba kunye (Nós nascemos para ficar juntos)// Ndincame konke ebendinako (Eu desisti de tudo o que eu tinha)/ Ndakhetha ukuba nawe (Eu escolhi estar consigo)/ Ngoba xa ndihleli nawe (Porque quando estou consigo)/ Liyama ilizwe lami (meu país está de pé).

Na terceira parte, Bongeziwe Mabandla interpretou “ndikhale” e a muito aplaudida “zange”. No enredo, como é habitual nos temas do sul-africano, há uma personagem que se revela na dor e na dificuldade. No entanto, diferente das músicas anteriores, essa é das que inspira um certo movimento coordenado do corpo, mesmo sem que se compreenda muito do que é dito.

Na apresentação do álbum amaXesha, houve ainda uma quarta parte, em que o músico interpretou “hlala”, outro som dançante; uma quinta, em que fez soar “Ndokhulandela”, “jikeleza”; e uma sexta, reservada a “isiphelo” e “ndiyakuthanda”.

Ao longo das suas actuações, Bongeziwe Mabandla foi alternando a sua liberdade versátil de cantar, sem receio, com um certo embaraço ao dirigir-se ao público. O artista e o sujeito existencial confundiram-se várias vezes, pois, para o sul-africano, cantar parece bem mais fácil do que falar em público.

Ainda assim, levando a mão várias vezes ao rosto, ora envergonhado, ora buscando palavras, confessou sentir-se satisfeito e estar a viver um momento muito especial no seu regresso a Maputo. Talvez por isso “Maputo, lets go” fosse das frases que mais pronunciou enquanto cantou no palco e, por duas vezes, no meio do público da Sala Grande.

Os espectadores aproveitaram a presença mais próxima do músico. Deixaram-se fotografar e filmar com o músico, através dos seus celulares, e, durante os 100 minutos que o concerto durou, no Franco, parece que ninguém se lembrou de que, horas antes, uma manifestação pôs em xeque uma cidade.

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