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Um “assalto” ao mangal, a protecção de todos nós…

O Município de Maputo atribuiu DUAT para a construção de um condomínio de luxo numa zona de protecção ambiental. O Ministério da Terra e Ambiente concedeu a licença ambiental porque não viu nenhum problema. E a Procuradoria-Geral da República, na Cidade de Maputo, intimou a edilidade a revogar o DUAT, por considerar a zona de ecossistema sensível.

A imagem aérea no bairro Costa do Sol, Cidade de Maputo, mostra uma imensidão esverdeada…É o mangal, um ecossistema de grande valor para os seres vivos e para a natureza.

“Os mangais têm várias funções, entre as quais funcionam como berçário das espécies mais jovens e servem de barreira para dividir a zona marinha da zona terrestre e nós, que temos sido vítimas dos ciclones, acabam por nos proteger dos ventos fortes”, explicou o ambientalista Rui Silva.

Sem o mangal, a existência de algumas espécies marinhas fica comprometida e os seres humanos em risco de catástrofes naturais.

“Se destruirmos o mangal, estamos a pôr em causa muita coisa, nomeadamente, a infiltração de água salgada para a zona terrestre, podendo, eventualmente, afectar os lençóis de água, tornando a água mais salobra e acaba por afectar todo o sistema, principalmente, a questão das espécies que aproveitam os mangais para se reproduzirem”, alertou o ambientalista.

Por isso, o Governo protege esta espécie, que ocupa cerca de 300 mil hectares em todo o país, criando as zonas de protecção ambiental.

“A fim assegurar a protecção e a preservação dos componentes ambientais, bem como a manutenção e melhoria de ecossistemas de reconhecido valor ecológico e socioeconómico, o Governo estabelece as áreas de protecção ambiental devidamente sinalizadas”, lê-se no artigo 13 da Lei do Ambiente.

Assim, determina o artigo 13 da Lei do Ambiente.

Este dever de proteger o ecossistema de reconhecido valor compete, também, aos Governos provinciais, distritais e municipais.

Por serem zonas de protecção ambiental, o artigo 14 da Lei do Ambiente determina:

“É proibida a implantação de infra-estruturas habitacionais ou para outro fim que, pela sua dimensão, natureza ou localização, provoquem um impacto negativo significativo sobre o meio ambiente, o mesmo se aplicando à deposição de lixos ou materiais usados.”

E na costa da Cidade de Maputo, foram estabelecidas zonas de protecção ambiental para, sobretudo, proteger o mangal que está, porém, em constante ameaça. O chamado desenvolvimento urbano está a criar muita pressão sobre este ecossistema.

No bairro Triunfo, Costa do Sol, há um caso mais evidente e se calhar muitos. Nesta reportagem, vamos mostrar como é que este projecto começou até chegar ao nível em que chegou e factos que expliquem todo o processo.

E os factos datam de 2020, quando o Município de Maputo lançou a iniciativa de construir um circuito pedonal nesta zona para proteger o mangal.

Em 2021, houve um concurso público para a selecção da empresa que executaria as obras.

Das oito empresas concorrentes, o concurso foi ganho pela Urbancivil, Consultoria e Engenharia, Lda. que apresentou a segunda menor proposta financeira, no valor de 26,4 milhões de Meticais.

Enquanto se aguardava o visto do Tribunal Administrativo, a Top Logística, que não estava entre as oito empresas concorrentes, apareceu a reclamar de irregularidades no processo.

Sem se ter notificado a empresa visada, a Urbancivil, a construção do circuito pedonal foi adjudicada directamente à Top Logística.

Foi a Top Logística, parceira do Município de Maputo, que trouxe um outro objecto ao contrato para a zona do mangal no bairro Triunfo, Costa do Sol: um condomínio de luxo.

A edilidade, que só queria um circuito pedonal, não se opôs à ideia de um condomínio, tanto que concedeu o DUAT à Top Logística no dia 17 de Setembro de 2021.

O título do DUAT concedido era para uma zona onde o próprio Município fixou uma placa que proíbe construções… até já mandou demolir casas por ser uma zona de protecção ambiental.

Para se avançar com o projecto, fez-se um Estudo de Pré-viabilidade Ambiental e o Ministério da Terra e Ambiente concluiu que a área não era viável para aquele tipo de projecto, porque se previam, entre os vários impactos, “a alteração da qualidade das águas superficiais (riachos do mangal); a alteração das propriedades dos solos; a redução ou perda de habitat (floresta de mangal) e a perda de vegetação e habitats locais”.

Mais especificamente sobre o mangal, o estudo de pré-viabilidade concluiu que “o projecto poderá aumentar a pressão nas biocenoses da floresta do mangal, ao contribuir para a alteração da dinâmica do ambiente do mangal, fragmentar e eliminar habitats e suprimir populações, criando novos e importantes factores de perturbação”.

Foi por isso que o Ministério da Terra e Ambiente não deu a licença ambiental, no dia 25 de Fevereiro de 2022.

No dia 04 de Março, o Município de Maputo recorreu à rejeição do Ministério da Terra e Ambiente de conceder uma licença ambiental.

A edilidade fundamenta que aprovou o projecto por ser do seu interesse e está sujeito ao cumprimento das condições.

“A elaboração do projecto do complexo habitacional e de um circuito pedonal de protecção do mangal numa extensão perimental de um quilómetro é de estreita articulação com o Município. O projecto que se pretende licenciar é do interesse do Município”, lê-se no recurso do Conselho Municipal de Maputo.

Estranhamente, era o Município de Maputo a insistir na licença ambiental e não a Top Logística.

No estudo de pré-viabilidade ambiental, houve uma consulta pública realizada no dia 30 de Junho de 2022, na Cidade de Maputo, e participaram 13 pessoas.

Perante a insistência da edilidade, foi feito um estudo de impacto ambiental definitivo que voltou a apontar as mesmas consequências ambientais negativas que o projecto traria àquela zona, mas foram dadas recomendações para que o projecto avançasse.

“Deve haver correcta gestão de resíduos, incluindo a alocação de contentores separados para resíduos sólidos urbanos e perigosos; utilização de equipamento em bom estado que não derramem óleos durante o funcionamento e evitar derrame de combustíveis durante o abastecimento de equipamento na obra; construir muro na área do projecto que servirá de barreira física entre a área das obras do condomínio e a floresta do mangal existente; não usar a floresta do mangal como fonte de madeira para a obra e educar os trabalhadores da obra sobre a protecção do mangal”.

Dadas as recomendações, foi emitida uma licença ambiental de instalação para a construção de um condomínio e de um circuito pedonal, no quarteirão 43, bairro Triunfo, Costa do Sol, Cidade de Maputo.

A licença ambiental custou 400 mil Meticais, o correspondente a 0,2 por cento do valor total do investimento, que é de 200 milhões de Meticais.

A licença foi assinada pela ministra da Terra e Ambiente com conhecimento dos ministros das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, do Mar, Águas Interiores e Pescas, do Secretário de Estado da Cidade de Maputo e do presidente do município.

Confrontada pela imprensa, Ivete Maibaze disse que não vê problemas na atribuição da licença ambiental para aquela zona de protecção ambiental. “É possível que surjam alguns erros no processo. É um processo normal, é feito pelos homens, mas nós estamos confiantes, como sector, de termos tomado a melhor decisão, considerando todos os aspectos processuais de emissão de uma licença ambiental”, argumentou a ministra da Terra e Ambiente, Ivete Maibaze.

Até porque, segundo a ministra da Terra Ambiente, naquela área vedada e com chapa que proíbe construções, nunca houve mangal. “O que se verificava naquele local eram algumas machambas e o processo de desanexação. O Ministério não é responsável… é coordenada pela respectiva entidade dona do projecto e as comunidades locais. E todo este processo foi cumprido”, concluiu Ivete Maibaze.

Mas… no terreno vê-se o contrário. A menos de um metro das chapas de vedação do projecto, há mangal a germinar sobre o entulho de pedrinhas colocado naquela zona e em direcção ao local, onde, supostamente, havia um campo agrícola.

Diferentemente do Ministério da Terra e Ambiente que não vê problema no projecto, a Procuradoria-Geral da República, a nível da Cidade de Maputo, diz que a área é de ecossistema sensível.

“Foram realizados estudos, visitas ao local por parte da Procuradoria da Cidade de Maputo, em conjugação com o centro de estudos ambientais da Faculdade de Direito da UEM, para podermos aferir o que de facto estava a acontecer, fazer uma consulta à legislação”, contextualizou Sílvia Ribeiro, magistrada do Ministério Público.

Do estudo feito, “constatámos que, sim, o local onde já tinha sido atribuído DUAT e se pretende construir essa infra-estrutura é de ecossistema sensível”.

Por isso, o defensor do Estado na Cidade de Maputo interveio no caso, começando pelo DUAT. “Intimou-se o Conselho Municipal de Maputo para que revogasse o DUAT que foi atribuído ao ente privado (Top Logística) e para que declarasse nulo e de nenhum efeito a deliberação de todo esse processo para a atribuição do DUAT”, revelou a Procuradoria-Geral da República na Cidade de Maputo, sustentando o seu posicionamento com o facto de ter sido verificado que “a própria deliberação está inquinada de vícios graves como da nulidade, uma vez que foi emitido um despacho sem fundamentação legal e os actos administrativos carecem de uma fundamentação legal”.

Revogando o DUAT, de acordo com a magistrada do Ministério Público, a licença ambiental fica sem efeito.

Enquanto isso, a Procuradoria-Geral da República na Cidade de Maputo diz que mandou paralisar as obras em Novembro de 2022 e tem feito monitoria.

O Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas é que está a liderar a campanha de reposição do mangal no país e diz que o caso da Costa do Sol precisa de ser bem analisado.

“Conservar, não é só conservar, temos que conservar e ainda tirar benefícios do que nós estamos a conservar. É preciso pôr, equacionar e ver. Muitas vezes, essa equação não tem sido fácil de resolver. Entre um empreendimento, que pode gerar emprego e outros usos do mangal, isto tem sido difícil decidir. Terá sido o caso da Costa do Sol”, referiu António Honwana, director-geral do Instituto Nacional de Oceanografia.

E como ficam os direitos da empresa que já tinha adquirido o DUAT e a licença ambiental sobre esta parcela de terra?

O advogado Raufo Naico esclarece que a empresa Top Logística pode ser indemnizada assim como não, após a retirada dos seus direitos sobre o espaço: “Não é função do cidadão saber quais são as áreas de protecção total ou parcial. Não sabendo, efectivamente, o cidadão pode recorrer às instituições de justiça contra o órgão que emitiu a licença. Se o cidadão sabia, e ele tem o dever constitucional de proteger o mangal e não cumpriu, naturalmente ele não tem direito à indemnização.”

Ainda no bairro Triunfo, na Costa do Sol, Cidade de Maputo, é possível ver que há mais mangal abatido para dar lugar às construções de luxo.

O Conselho Municipal de Maputo é uma das peças-chave para a compreensão deste caso, porque foi a edilidade que atribuiu o DUAT à empresa Top Logística numa área de protecção ambiental para construir um condomínio de luxo e circuito pedonal, alegando que o assunto era do seu interesse.

E mais, foi a edilidade que pressionou o Ministério da Terra e Ambiente para atribuir uma licença ambiental.

Ao nosso jornal, o Município de Maputo prometeu pronunciar-se oportunamente sobre o assunto.

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