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Tsemba Cavele: a menina de 7 anos que se estreia com Outra babalaza das hienas

O espectáculo Outra babalaza das hienas será apresentado terça-feira, às 18 horas, na Fundação Fernando Leite Couto, na Cidade de Maputo.

 

Tsemba Cavele é uma menina de 7 anos de idade. Na peça Outra babalaza das hienas, é a actriz mais nova. Fascinou-se pela arte da representação com menos de 5 anos de idade, em casa, vendo a mãe a ensaiar. A menina interessou-se e tão logo começou a seguir-lhe os passos.

Ora, no espectáculo encenado por Lucrécia Paco e com dramaturgia de Aurélio Furdela, Tsemba é essencialmente um menino que perde a mãe num contexto de terrorismo em Cabo Delgado. Desamparado, o menino é ajudado por uma mulher chamada Maimuna (Angelina Chavango) e casada com Carimo (Mateus Nhamuche). É com eles que a personagem interpretada por Tsemba Cavele ganha um lar e uma família num contexto de cólera.

Tsemba Cavele encontra-se no elenco de actores porque o espectáculo precisou de um menino que representasse tantos outros garotos moçambicanos que em Cabo Delgado perdem até o chão que pisam. Outra babalaza das hienas marca o princípio da pequena actriz na arte teatral, o que, inclusive, a permite contracenar com a própria mãe.

A certa altura, o menino perdido (Tsemba Cavele) passa a chamar-se Carimo e o nome é dado pelo seu “novo pai” (afectivo). De algum modo, o menino “substitui” Kilonko, filho biológico de Maimuna e Carimo, pois, sentindo-se jovem, vai à guerra para ajudar a eliminar a instabilidade gerada pelo terror.

Quer isto dizer que Outra babalaza das hienas recupera o drama social das personagens a vários níveis. Pensa nas crianças vítimas do terrorismo como também retrata a tragédia vivida pelos pais dessas mesmas crianças. Por isso mesmo, os actores resolveram apresentar o espectáculo na Fundação Fernando Leite Couto, depois de ter sido levado ao Festival Internacional Teatro de Inverno (FITI), numa sessão realizada no Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM), e ao Conselho Municipal de Maputo, onde foi apresentada na cerimónia em que se anunciou o vencedor do Prémio de Literatura José Craveirinha: Mia Couto. Rigorosamente, foi no Município de Maputo que Tsemba Cavele estreou-se e, na Fundação Fernando Leite Couto, terá mais uma oportunidade de fazer o que realmente gosta.

Referindo-se à terceira apresentação de Outra babalaza das hienas, Mateus Nhamuche explicou que o conceito do espectáculo é o mesmo. No entanto, alertou: “O espaço transforma o espectáculo. Continuamos a trazer as personagens e a pensar a sobrevivência em Cabo Delgado. A dramaturgia é a mesma, mas com novas perspectivas de alguns elementos de cena”.

Para Nhamuche, está a ser interessante voltar a preparar o espectáculo de 30 minutos. E sobre o papel que interpreta, Carimo: “É uma personagem muito protectora. Tem 54 anos de idade. Numa primeira fase, foi-me complicado construir o papel porque tive de fazer uma pesquisa a fim de perceber a psicologia das pessoas que passam por situações de guerra. As histórias que fui ouvindo sobre o tema também ajudaram-me muito”.

Do ponto de vista social, os actores esperam que a nova apresentação do espectáculo sirva para que o público de Maputo compreenda que a situação das vítimas do terrorismo é caótica e que a arte tem o poder muito forte de levar a realidade ao palco. “Ao verem o espectáculo, terão uma outra forma de pensar”.

Concordando com Mateus Nhamuche, Angelina Chavango reforçou que o espectáculo tem o propósito de provocar e de fazer com que as pessoas em zonas aparentemente protegidas não fiquem indiferentes ao drama de Cabo Delgagdo. “Nós, em Maputo, ouvimos falar, mas, às vezes, parece que se trata de um assunto que não nos diz respeito. As pessoas têm de perceber que o terrorismo não é um conto, é real”.

No espectáculo, a personagem de Angelina Chavango, Maimuna, representa o povo makonde. “É uma mulher que sonha essa mãe do Kilonko (Paulo Jamine)”.

A fim de manterem o espectáculo verosímil, os actores trabalharam sotaques makondes. Nisso, esclareceu Angelina Chavango, não existem quaisquer elementos de troça. Pelo contrário, “Pretendemos dizer que entendemos a vossa linguagem e o vosso sofrimento. Aliás, ninguém vê a peça e sai a sorrir. Depois de verem o espectáculo, as pessoas saem mais consciencializadas”, garantiu, afinal, a mãe da menina Tsemba Cavele.

 

Sinopse e ficha técnica

Outra babalaza das hienas é uma narrativa aberta com cenas de amor e de esperança, simbolizados pelas personagens Malidza, Kilonku e suas famílias, numa época de terrorismo, de medo e de luta pela sobrevivência na Província de Cabo Delgado. A dramaturgia propõe também uma reflexão sobre os direitos humanos, a paz e a preservação da cultura.

Outra babalaza das hienas foi concebida através de uma miscelânea entre poemas de José Craveirinha, prosa de Augusto Tembe e excerto de Carneiro Gonçalves. Todavia, a linguagem teatral conta com salpicos de crítica, romance, invocação e humor.

Quanto à ficha técnica: Lucrécia Paco (encenação), Aurélio Furdela (dramaturgia) e os actores Angelina Chavango, Eunice Mandlate, Joana Mbalango, Mateus Nhamuche, Nélia Gilberto, Paulo Jamine e, claro, Tsemba Cavele.

 

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