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“Trabalhamos duramente, recebemos pouco”, cantam trabalhadores

Foto: O País

Celebrou-se ontem, 1 de Maio, o Dia Internacional do Trabalhador e, para assinalar a data, a massa laboral exigiu salários condignos e justos, queixou-se de trabalhar muito e receber pouco, sem contar com as desigualdades existentes nas empresas, onde funcionários que fazem o mesmo trabalho recebem de forma diferente.

A reclamação e exigência replicou-se pelos milhares de trabalhadores que se fizeram à Praça dos Trabalhadores, na baixa da Cidade de Maputo, para  o habitual desfile feito nesta data.

Eles cantavam, dançavam e encenavam como forma de protesto e para transmitir os sentimentos que carregavam, fossem eles bons ou maus. Para alguns, de longe até parecia uma festa, mas de perto diziam que estavam de luto, como é o caso de Armando Mahel, da empresa Modet, cuja caravana cantava “Socorro, socorro…”.

“Pedimos socorro pela forma como o trabalhador é tratado em  Moçambique. A pessoa é admitida hoje e, em pouco tempo, é despedida. O trabalhador não é ouvido. Pedem anos de experiência para alguém que ainda está a sair da escola, mas quando vemos o que eles pagam é muito pouco para o que exigem”, reclamou Armando Mahel.

Nas mãos, ostentavam dísticos com várias mensagens, como o caso de “Lutamos por um emprego digno, justiça e paz”, “Exigimos justiça salarial”, “Exigimos salários justos e redução do custo de vida”, “Exigimos emprego condigno e seguro”.

Alberto Dimande, do Clube Desportivo de Maputo, denunciou que na sua empresa  há cinco anos que não tem um aumento salarial. Ele, por exemplo, está há mais de 20 anos na empresa a receber oito mil Meticais, mas há quem é recente e tem tido aumentos de forma recorrente.

Reclamação igual chegou, também, de Raul Maurício, da empresa Simbe que contou que “Agora temos atraso de salários. Até hoje não temos salários, mas somos obrigados a cumprir com o que o patrão quer, eles falam de crises, chuvas e outras justificações, mas no nosso contracto não vem isso, nós trabalhamos e queremos o que é nosso por direito, não temos aumento salarial e ninguém nos diz absolutamente nada”.

Ao fundo, ouvia-se “moral, ganha moral” que, segundo os trabalhadores interpretaram, significa “deve-se ganhar moral mesmo com as condições precárias de trabalho”, ou seja, o que lhes move a continuar a trabalhar é o moral.

Houve quem exigiu a valorização do seu trabalho, como é o caso dos artistas, que diziam “arte também é trabalho”. Os confeiteiros e cozinheiros também se juntaram a eles e disseram que deve se parar de olhar para o seu trabalho, como sendo trabalho de “empregada doméstica, pois são eles os responsáveis por preparar delícias degustadas por muitos”.

Os trabalhadores das Linhas Aéreas de Moçambique e MAHS estenderam o seu desfile até ao Ministério dos Transportes e Comunicações, como forma de fazer com que as suas exigências fossem ouvidas de perto, apesar do feriado nacional.

Mas nem tudo está mal. Há trabalhadores que desfilaram para celebrar o seu dia e enaltecer o patronato.

“No grupo Somofer, temos o salário em dia, aumento e condições básicas para trabalho, como trabalhadores estamos felizes”, disse e Jacinto Massingue, que carrega o mesmo sentimento de Vasco Chaúque, trabalhador da Unispam. “Não temos nenhuma reclamação, graças a Deus a empresa paga sempre na data combinada”.

Esses trabalhadores endereçaram mensagens encorajadoras aos seus colegas que têm passado por “maus bocados”, dizendo que apesar de tudo não devem desistir de lutar pelos seus direitos.

Salário mínimo reajustado muito aquém das actuais despesas

O Dia dos Trabalhadores é celebrado cerca de 24 horas depois de o Governo ter anunciado o aumento salarial para o sector privado. Trata-se de uma variação de 150 a cerca de 2 mil Meticais, o que para os trabalhadores está muito longe do esperado.

Hélder Navalha, da província de Manica, considera que o justo seriam cinco mil Meticais, no mínimo.

“O índice de vida está a subir muito em Moçambique. O que comprávamos antes a um certo preço subiu e, agora, está muito caro. A vida que estamos a levar é muito difícil. Combustível, alimentação, tudo muito caro. Imagina um saco de arroz: custa 1800 e dão-nos aumento de 150. Vou fazer o quê com esse dinheiro?!”, questionou.

Quarenta mil Meticais é o valor ideal para o salário mínimo no país contra os actuais 4900 Meticais, considera Damião Simango, da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos. Para a massa laboral, o aumento salarial, anunciado, de 150 Meticais, soou como um insulto.
Conforme disse, é actualmente, o salário mínimo mais baixo cobre apenas 11 por cento das necessidades básicas e o mais alto, que é de 18 mil, cobre 40 por cento.

“Aqui reside a preocupação e o grito dos trabalhadores e suas famílias, porquanto, com este nível de custo de vida, as expectativas e esperanças de grande parte dos moçambicanos para o seu futuro estão goradas”, disse Simango.

A OTM-Central Sindical condena, também, a existência de empresas que procedem descontos para a Segurança Social, mas não canalizam ao INSS, o que representa uma violação da lei e coloca em risco a vida dos trabalhadores e suas famílias, depois da reforma.

“É inconcebível que pessoas que, durante longos anos de trabalho, deram o seu melhor para o seu desenvolvimento desta pátria e descontaram para a sua reforma e do nada vêem-se mergulhadas numa indigência perpétua e remetidas à precariedade e mendicidade por falta de protecção social.”

O vice-ministro do Trabalho, Rolinho Manuel, por seu turno, diz estar a par das preocupações da massa laboral e reconhece serem questões desafiadoras.

“As reclamações continuarão a ser matérias de reflexão, continuarão a ser matérias que ajudarão o Governo a ajustar melhor as políticas laborais e tudo está a ser feito. O desafio é agora, ajustar a regulamentação da lei recentemente aprovada”, explicou Rolinho Manuel.

Os jornalistas também desfilaram. Os escribas querem também salários justos e chamam a atenção do patronato – “Não à assinatura de contratos por telefone” – e pedem a disponibilização de meios de trabalho.

A primeira actividade do Dia do Trabalhador foi a deposição de flores na Praça dos Heróis Moçambicanos e foi replicada em todo o país.

 

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