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“Temos que eliminar as taxas excessivas que existem neste país”

Foto: O País Económico

Defensor da redução da carga fiscal sobre o empresariado nacional, Félix Machado considera que a redução do IVA e do IRPC na agricultura, aquacultura e transporte não muda quase nada. O presidente da Associação Comercial da Beira é mais profundo ao reclamar que “nós temos taxas a todos os níveis”.

“O empresário moçambicano é apenas tido como quem deve pagar imposto e não aquele que tem de ser acarinhado para que cresça e pague impostos mais elevados.” Essa é a frase que resume os quase 30 minutos de entrevista ao presidente da Associação Comercial da Beira.

Homem de negócios na área de logística entende que, apesar da redução do IVA e do IRPC na agricultura, aquacultura e transportes urbanos, o Estado continua a pressionar o sector privado com excessiva carga tributária. Àqueles que associam o seu pensamento à ideia de que o empresário não gosta de pagar imposto, responde: “são pessoas que não têm empresa e não pagam imposto”.

O Governo reduziu o IVA e o IRPC e introduziu isenções fiscais para quem quer investir na área da agricultura. As medidas tomadas colocam os empresários num cenário mais confortável?

A única coisa que posso dizer de positivo é que o Governo nos ouviu. Porque, na prática, o que se mexeu não traz grandes impactos. Se repararmos, o IVA que sai de 17 para 16 por cento não traz grande impacto, e é isso que vamos acompanhar nos próximos anos. Chegaremos à conclusão de que não muda quase nada. Não é isso que vai mudar e melhorar o sector privado. No geral, todos os impostos e outras taxas que temos neste país inibem o crescimento do sector privado. Disso todos sabem, incluindo a equipa técnica que está a trabalhar na implementação do Pacote de Aceleração Económica.

Mas temos que satisfazer os compromissos com o Banco Mundial e provar que podemos pagar as dívidas com base nos impostos. Quanto às mudanças que se fizeram no IRPC para agricultura e outras áreas, se recuarmos, vamos notar que, no passado, estas áreas não contribuíam tanto em impostos. Mexeu-se em áreas que não têm um impacto real na economia.

Porque é que a redução de um por cento do IVA não satisfaz o sector privado?

Nós temos que reparar o consumidor final e não o empresário, porque quem paga, no fim, é o consumidor final. Qual é o impacto que a retirada de um por cento tem sobre a população moçambicana? É quase nulo. Devíamos ter tomado medidas mais arrojadas, a exemplo de uma redução para 14 ou 15 por cento.

Qual é a diferença, em termos de impacto, entre ter um IVA de 16% e pagar um de 14%?

Nós precisamos de ver o impacto real nos consumidores. Quem realmente paga o IVA no país é o consumidor final. É isso que nós temos que ver, e temos igualmente de analisar qual é o impacto negativo que isso tem sobre o negócio. Como empresário, posso adiantar que depois vai aparecer a Autoridade tributária a dizer que há empresas que sonegam o IVA. Mas isso acontece porque o próprio imposto é alto. Se nós reduzirmos, provavelmente, as empresas que não querem entrar no sector formal vão começar a aderir e a entender as vantagens de pagar imposto. É por isso que estamos a sensibilizar o Governo a entender que devem ser reduzidos os impostos.

Foi reduzido o IRPC nos sectores da agricultura, aquacultura e transportes urbanos e o sector privado já advogava esta redução. Estão satisfeitos?

Estas áreas que foram objecto de redução do IRPC, por si só, já não pagavam tanto. Quantas empresas da área da agricultura pagam IRPC em Moçambique? Se formos a fazer um levantamento, vamos notar que o número é reduzido. Quantas empresas na área de transportes públicos pagam IRPC? Quase nenhuma. Foi-se mexer em áreas de actividade que quase não têm impacto nenhum. Eu sei que a agricultura é importante no país, mas não é por aí. São poucas as empresas que contribuem, então o impacto real não é por aí.

Disse que o Governo ofereceu um doce e levou o chocolate interno. Explique-se melhor.

Primeiro é que se introduziu a ideia de que o sector privado deve contribuir com um por cento para a formação técnico-profissional. Será que isso faz sentido? Quer dizer, saímos de 17 para 16 por cento no IVA e, em contrapartida, estão a introduzir-nos o mesmo um por cento em apoio ao ensino técnico? O sector privado já paga vários impostos. Cabe ao Governo gerir o seu orçamento dentro dessas áreas. Não é que o ensino técnico não seja importante, ele é importante, mas existe um contrato social entre o sector privado e o Governo, e é por isso que existem os impostos: um interveniente paga e o outro executa. O que acontece é que há cumprimento do lado de quem paga e o mesmo não acontece do lado de quem devia executar. É exatamente o que dissemos, estão a dar de um lado e a levar de outro.

Qual seria o cenário confortável para o empresário moçambicano? Quais seriam as percentagens ideais a serem pagas no IRPC, ICE e outros?

Precisamos, primeiro, de entender o que é ser empresário, qual é a importância do sector privado nacional no desenvolvimento da nossa economia. Quando entendermos isso, vai ser fácil discutirmos quais são os níveis de impostos de que precisamos para o desenvolvimento do nosso país. Mas o empresário moçambicano é apenas tido como aquele que tem que pagar imposto e não aquele que tem que ser acarinhado para que ele cresça e pague impostos mais elevados.

Antes de definirmos o nível ideal de impostos, temos que discutir quantos impostos e taxas temos neste país. Precisamos de simplificar todos os procedimentos que têm a ver com taxas e impostos. Temos que saber o que realmente temos e o que não temos que pagar. Só aí é que saberemos se devemos baixar ou subir os impostos.

Nós temos taxas a todos os níveis. A nível municipal, a nível distrital, a nível nacional e tudo sobre o mesmo empresário. Para ser empresário é preciso ter coragem em Moçambique.

É da opinião de que há algumas taxas e impostos que deviam ser eliminados?

Há muitos. Por isso é que temos que analisar primeiro todos os impostos, porque depois fica mal dizermos, por exemplo, ao Governo que temos que reduzir o IRPC de 32 para 25 por cento. Nós temos que simplificar tudo e entender o que cada imposto diz e para que é que serve. Só daí é que poderemos começar a discutir as percentagens. Seria uma falácia propormos a redução de alguns impostos enquanto estamos cheios de taxas. Temos que eliminar as taxas excessivas que existem neste país, porque cada ministério se tornou um centro de cobrança de taxas. Nós temos que centralizar. Se é o Ministério da Economia e Finanças, através da Autoridade Tributária, que é responsável por cobrar as taxas, então vamos concentrar-nos nessas duas instituições. Mas todos os ministérios hoje cobram taxas e emitem multas. Se formos a ver, hoje todas as instituições estão nas estradas a fazer cobranças. Algo está errado. Temos que simplificar os procedimentos.

Quais são os exemplos concretos das taxas excessivas a que faz referência?

Quem tem o seu salário, que pense nisso. Ele recebe, por exemplo, 10 mil Meticais, mas deve pagar água que tem IVA, energia que tem IVA; no custo da vedação eléctrica é-nos cobrado o mesmo imposto. Há toda uma linha de impostos. Pagas o IPRA, que já é elevado, mas o Governo não providencia casas para os jovens, porém quando esse mesmo jovem usa o seu próprio salário e constrói uma casa, vem logo aí o IPRA. Todo o salário que um jovem hoje tem pode desaparecer nas taxas, se ele tiver que pagar todas. O que temos que analisar é o que nós pretendemos no país. Quem deve cobrar as taxas, como e onde. Os municípios podem cobrar até que tipo de taxas e, a nível central, quais são os tipos de taxas que devem ser pagas.

Assumiu, no início do seu mandato, que uma das suas metas seria o diálogo com o Governo para a redução da carga tributária sobre o empresariado. Tem estado a conduzir este diálogo?

O diálogo existe. Parte das medidas aqui mencionadas vem desse impacto. Nós temos, por exemplo, que agradecer ao Presidente da República, que esteve cá na Beira e sentou-se connosco, ouviu as nossas preocupações e criou elos de comunicação. Mas o problema, às vezes, não está com o Presidente, está com a equipa técnica. Provavelmente, as equipas técnicas devem ter dificuldades, porque para concluírem certos procedimentos, levam meses e até anos. Até pode terminar um mandato sem concluírem as instruções feitas pelo Presidente da República. O diálogo vai manter-se e há um caminho aberto – isso é algo que notámos – muita coisa está a ser feita, embora não seja aos níveis que nós precisávamos. Muitas instituições fazem de contas que nos ouvem, mas quando chegam a Maputo, pegam nos documentos e arquivam.

Há propostas concretas que sentem que foram “engavetadas”?

Temos, sim, muitas propostas feitas e algumas fazem parte do Pacote de Aceleração Económica. Foram ouvidas, mas há outras que foram ignoradas. Temos muitas propostas no Ministério da Economia e Finanças (MEF) e esperamos que este ano sejam efectivas e saiam das gavetas. Temos outras questões no Ministério dos Transportes e Comunicações e esperamos que este ano saiam. Essas propostas já levam cinco ou seis anos. E eu digo que 100 por cento dos problemas do sector privado estão no MEF. Se o ministério escutar e entender o sector privado de cima para baixo, este país vai mudar, este país cresce. Se digo o MEF é porque é extensivo à Autoridade Tributária. A COVID-19 provou-nos que o país tem que depender do seu sector privado interno e não das multinacionais que andam aí com grandes isenções e que não pagam nada. Eu não gosto de que a nossa economia seja assente nos megaprojectos, porque não pagam nada. O resto é tudo dividendo para fora do país, mas os nossos dividendos ficam dentro do país.

Haverá alguma relação entre o que defende e a ideia de que os empresários não gostam de pagar impostos? Haverá algum momento em que o empresário vai considerar-se satisfeito com os impostos que paga?

As pessoas que acham que o empresário não gosta de pagar imposto não têm empresa e não pagam imposto. Ou se têm empresa não pagam imposto. Para quem é moçambicano e tira um pouco das suas reservas para criar uma empresa e sonhar com um país melhor, não pensa assim. Os que advogam que o sector privado não gosta de pagar imposto devem ser funcionários do Estado, que vão reformar-se como empresários e vão chorar devido a essas leis que eles defendem. Ou são empresas que têm isenções ou mesmo são protegidas. Mas quem realmente produz sabe que estamos a pagar para além do normal. Estamos a ser sufocados e não temos dinheiro para investirmos e crescermos.

No momento em que nós criarmos procedimentos fáceis e clarificar que tipo de impostos devem ser pagos ao Estado e não haver leis que levam a interpretar que são facilidades – porque se gera uma não facilitação dos procedimentos para favorecer a corrupção… O sector privado paga impostos, mas fica inibido por saber que está a pagar mais do que devia. Somos poucos que estamos a pagar, porque muitos de nós não o fazem.

Se nós estendermos a base tributária – um cenário em que todos devemos pagar impostos, independentemente de ser pequeno, médio ou grande empresário – vamos perceber que o peso sobre as mesmas empresas vai desfazer-se.

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