O País – A verdade como notícia

Estão detidos quatro indivíduos, na cidade da Beira, província de Sofala, indiciados de assassinar duas pessoas. Entre as vítimas, encontra-se uma criança de apenas 12 anos de idade.

O crime ocorreu no último sábado e a Polícia da República de Moçambique (PRM) afirma que os suspeitos são confessos.

Os assassinatos vieram reverter o clima de relativa calma vivido nos últimos dias, nos bairros suburbanos.

Durante o período da manhã do sábado passado, dois corpos foram achados. Além da criança, a outra vítima foi um mototaxista. Tudo indica que as duas vítimas foram decepadas.

Os dois corpos já foram identificados. O menor residia em Inhamízua, um dos bairros da cidade da Beira e o mototaxista em Munhava, um dos bairros mais famosos da urbe.

No seguimento do caso, a PRM apresentou, ontem – três dias depois – quatro indivíduos, indiciados de terem cometido os referidos crimes.

Segundo o porta-voz da Polícia na cidade da Beira, Dércio Chacate, o único suspeito do primeiro caso explica que tirou a vida à criança alegadamente porque a mesma o provocava constantemente.

“E ele, cansado das provocações, recorreu a uma enxada e desferiu golpes sobre a região do pescoço (da criança), que culminaram com a morte”, explicou o porta-voz da PRM.

Falando a jornalistas, o indiciado aparentava sofrer de perturbações mentais, uma vez que o seu discurso era desconexo.

Enquanto isso, o suposto líder da quadrilha composta por três indivíduos indiciados de assassinar um mototaxista e roubar a sua motorizada, afirmou que eles encontraram a vítima sem vida.

“Vimos uma pessoa deitada ao lado de uma motorizada, numa ruela. Aproximamo-nos e concluímos que ela estava morta. Um dos meus amigos sugeriu que deveríamos ficar com a motorizada, e assim foi. Levámo-la para uma oficina, onde foi desmontada para posterior venda em peças numa sucataria. Durante a tentativa de venda, fomos detidos pela Polícia”, explicou.

O acidente mortal ocorreu na Estrada Nacional Número 10 (EN10). Além de matar duas pessoas, destruiu uma conduta de água que garante o abastecimento do precioso líquido à cidade de Quelimane, província da Zambézia. O sinistro ocorreu no fim da tarde de ontem e os corpos foram achados esta terça-feira.

Tudo aconteceu após uma camioneta ter-se despistado quando passava pela ponte sobre o rio Dombela. Na sequência, destruiu a tubagem de água que passa por debaixo da mesma. Na viatura seguiam quatro ocupantes, dos quais outros dois contraíram ferimentos. Entre as vítimas mortais está o condutor.

O corpo do condutor da viatura foi achado por mergulhadores por volta das 15 horas de hoje e outro, de uma mulher, foi encontrado logo pela manhã do mesmo dia. Foi necessário mobilizar uma grua para retirar a camioneta que despistou-se por volta das 17 horas da última segunda-feira.

Após despistar-se, a camioneta arrastou a tubagem principal que abastece água a mais de 26 mil clientes da cidade de Quelimane e foi cair no rio Domela. A Polícia suspeita quer a desatenção do condutor pode ter causado o sinistro. Samuel Araba, polícia de trânsito no distrito de Nicoadala, explicou como decorreu.

“Chegados à ponte, notamos que o condutor que fazia o sentido Nicoadala a Quelimane estava em excesso de velocidade. Senão vejamos: na primeira lomba, o condutor conseguiu passar, mas a seguir ficou desequilibrado, embateu na primeira viatura, e de seguida, na máquina que estava estacionada nas bermas da EN10”, referiu o polícia de trânsito. O agente da corporação conta ainda que o condutor, por não ter conseguido controlar o veículo, foi embater contra a terceira viatura, tendo-se despistado e caído em baixo da ponte sobre o rio Domela.

Uma equipa de reportagem do jornal O País esteve no local do sinistro. No terreno, constatou que a camioneta transportava inertes. Depois de se despistar, já na água, todo o material transportado foi para cima do motorista, inclusive a lona de protecção da carga e algumas pedras. Presume-se que este facto pode ter precipitado a morte do condutor, que, depois de tanta luta para sair, não conseguiu ter sucesso.

Por seu turno, o delegado da Administração de Estradas (ANE), na província da Zambézia, Ramiro Rudias, fez saber que o acidente causou danos à infra-estrutura de estrada. Por isso, foi mobilizado o empreiteiro que está afecto à EN10 para calcular os danos e dar algum parecer sobre os estragos e possíveis soluções.

O rompimento da tubagem acontece pela terceira vez em menos de duas semanas. O primeiro foi causado pelos efeitos do ciclone tropical Freddy; o segundo pelo afastamento por uma máquina da empreitada que está a reabilitar a via; e o terceiro, ocorrido na noite desta segunda-feira, na sequência do sinistro.

Manuel Mussequejua, administrador técnico da empresa Águas da Região do Centro (AdRC) fez saber que, depois do segundo rompimento, os trabalhos já tinham sido concluídos e o abastecimento aos consumidores da cidade de Quelimane estava na ordem de 70%. Mas, dada a situação actual, o abastecimento volta à estaca zero. “Vamos trabalhar para repor o abastecimento. Mobilizamos as nossas equipas para o efeito e garantimos que, até ao fim de quarta-feira, os trabalhos já estarão concluídos”.

Foi destruído o edifício degradado onde funcionava a Escola Primária Unidade 24, no bairro de Maxaquene, na Cidade de Maputo. O objectivo é acabar com a criminalidade naquela zona da capital do país, que tira sono a muitas famílias.

O edifício foi destruído pela edilidade de Maputo, na semana passada. Segundo pessoas que moram nos arredores, o local albergava malfeitores.

As queixas de assaltos, agressões e violações sexuais já eram recorrentes naquele ponto do bairro de Maxaquene “A”, na Cidade de Maputo. O elevado índice de criminalidade era, em parte, influenciado pela existência de uma infra-estrutura abandonada e degradada.

Desde o ano 2017 que as salas de aula, gabinetes e balneários da Escola Primária Completa Unidade 24 estavam degradados. De acordo com os moradores, o lugar era preferencial para o esconderijo de malfeitores.

“Pessoas de conduta duvidosa vinham fumar e beber aqui, e durante todas as manhãs e noites, as pessoas não passavam em segurança, porque já sabiam que, de alguma forma, seriam assaltadas”, contou Herma Momed, residente naquele bairro.

Ilda Chaúque, residente no bairro Maxaquene “A” há mais de 20 anos, ainda se lembra de como era a Escola Primária Completa Unidade 24 quando estava operacional.

“Os alunos enchiam o pátio desta escola, mas o problema da enchente das águas, sempre que chovesse, obrigou as autoridades a encerrarem a escola e os alunos foram distribuídos pelas escolas das redondezas. De lá a esta parte, a escola foi-se destruindo cada vez mais e os assaltantes passaram a vir esconder-se por aqui”, narrou Ilda Chaúque.

Seis anos depois, a infra-estrutura temida pelos moradores deste bairro foi destruída pela direcção da Educação da Cidade de Maputo, em coordenação com a edilidade.

“Esta escola foi encerrada em 2017, devido a problemas de infiltração nas paredes, lençol freático muito alto… por isso se concluiu que não havia condições de prosseguir com o processo de ensino-aprendizagem, porque perigava a vida dos utentes”, explicou Samuel Menezes, porta-voz da direcção da Educação da Cidade de Maputo.

Com a destruição da considerada moradia de criminosos, os residentes deste bairro da capital do país esperam ver reduzido o índice de criminalidade.

“Esperamos que seja construído algo que vai trazer alguma diferença positiva nas nossas vidas. Que a infra-estrutura traga paz para os moradores de Maxaquene “A”, porque estamos cansados dos recorrentes assaltos”, pediu Joyce Moisés.

Por sua vez, a direcção da Educação da Cidade de Maputo garantiu que já existe um plano para construir uma nova escola no local. Entretanto, a instituição diz ainda não dispor de recursos para o efeito, daí não haver ainda prazos definidos.

“Nós já temos o projecto desenhado, mas ainda não temos garantia de quando é que as obras irão, efectivamente, decorrer. Precisamos de mais de 88 milhões de Meticais para construir uma nova escola”, explicou o porta-voz da direcção da Educação da capital.

Quando for erguida, segundo o projecto, a Escola Primária Unidade 24 poderá passar a ter 16 salas de aula, acima das anteriores 10.

Quinze mil hectares de campos de cana-de-açúcar continuam inundados, na Maragra, distrito da Manhiça, Província de Maputo, o que representa mais da metade do total da área cultivada, cerca de 29 mil hectares. Ainda assim, o ministro da Agricultura diz que não haverá escassez de açúcar nem subida do preço.

O ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, sobrevoou, esta segunda-feira, a área para aferir o nível de estragos causados pela água e confirmou que “a destruição é muito grande e há campos completamente alagados”.

Segundo disse, dos 15 mil hectares destruídos, cerca de 8500 pertencem aos produtores subcontratados, o que representa grandes prejuízos, pois, na sua maioria, segundo Correia, fizeram grandes investimentos e têm dívidas no banco.

“Os dados da avaliação preliminar indicam que serão necessários cerca de mil milhões de Meticais só para recuperar a área perdida dos subcontratados, onde serão precisos cerca de 650 milhões de Meticais para o replantio e cerca de 350 milhões de Meticais para a reposição de infra-estruturas de transportes e drenagem, diques, entre outras”, disse Celso Correia, ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

A previsão é que só daqui a seis ou oito semanas os campos estejam em condições de ser trabalhados e apurar-se de forma exaustiva as reais necessidades de reinvestimentos.

Embora haja perdas, o ministro disse que há boas notícias: “Ficamos confortados, primeiro, em saber que não haverá ruptura de stock de açúcar no país; segundo não se antevê a subida do preço do açúcar, pelo menos por agora”.

Por seu turno, Júlio Parruque, governador da Província de Maputo, garante que os produtores terão mais facilidades para acelerar a recuperação do que foi perdido.

“Para nós, Província de Maputo, a cana-de-açúcar é nosso ouro verde, cujas áreas afectadas serão, pelo Governo provincial, isentadas do pagamento da taxa anual de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT)”, garantiu Júlio Parruque, governador da Província de Maputo.

O sector de produção do açúcar sustenta cerca de 25 mil famílias, no país, e tem um volume anual de negócios de cerca de 150 milhões de dólares e com cerca de 65 milhões de dólares nas exportações.

 

AGRICULTORES VÍTIMAS DAS CHEIAS RECEBEM APOIO DO “SUSTENTA EMERGÊNCIA”

Depois de ter sobrevoado os campos inundados, na Maragra, Celso Correia foi a Boane ter com agricultores vítimas das inundações, que se beneficiaram de kits de produção, compostos por enxadas e sementes.

Os produtores de maior escala receberam tractores no âmbito do “Sustenta Emergência”, que, conforme disse o ministro, são ao todo 12 mil kits para a Província de Maputo e 42 mil para o resto do país, nas zonas afectadas pelas inundações.

“Façam bom uso dos meios que têm. Aos extensionistas que usem estas motas para estar mais próximos dos nossos produtores; eles precisam de vocês, principalmente nos próximos 30 dias que são de lançamento da semente na terra”, recomendou.

Celso Correia disse que cada kit está avaliado em cerca de 12 a 18 mil Meticais, tendo em conta a compra, a logística e o transporte.

Segundo Judite Mussácula, secretária de Estado na Província de Maputo, os meios entregues devem servir para mudar os indicadores agrícolas dos produtores, aumentar a produção e a produtividade e melhorar o bem-estar dos beneficiários.

“Aos produtores que receberam os kits hoje (segunda-feira), esperamos que, com a vossa experiência e com a assistência dos extensionistas aumentem a vossa capacidade produtiva e abasteçam os mercados com produtos agrícolas em quantidade e qualidade, fruto do vosso trabalho”, advertiu Mussácula.

Os beneficiários, alegres, disseram que os kits farão muita diferença, uma vez que, além de terem perdido as suas culturas nas “machambas” e os produtos colhidos que já estavam nos celeiros, a água arrastou os seus instrumentos de trabalho.

A circulação de viaturas na Estrada Nacional Número 13 ainda é feita de forma condicionada, mas nada parecido com as quase duas semanas em que a transitabilidade esteve complementarmente interrompida. 

Já foi reposta a circulação na Estrada Nacional Número 13, no troço que liga os distritos de Cuamba e Mandimba, na província de Niassa. A via permaneceu intransitável por 12 dias, pelo facto de as águas do rio Lugenda terem galgado uma ponte, como efeito da passagem do ciclone Freddy.

A chuva resultante do ciclone tropical fez subir o caudal do rio Lugenda, um dos afluentes do rio Rovuma, que nasce no lago Chiuta, partilhado com o Malawi e segue para o Oceano Índico, atravessando, no percurso, os distritos de Mandimba e Majune, em Niassa. O nível das águas do Lugenda tinha subido e galgou a ponte que liga os distritos de Cuamba e Mandimba.

A Administração Nacional de Estradas mobilizou, na sequência, homens e máquinas que trabalharam dia e noite para garantir a retoma da circulação, o que foi conseguido hoje, quase duas semanas depois.

“Foi reposta a transitabilidade na ponte sobre o rio Lugenda, na Estrada N13, província de Niassa, tornando, assim, possível, através desta via, a ligação rodoviária no troço Cuamba–Mandimba e entre as províncias de Niassa e Nampula”, anunciou um comunicado da ANE.

No entanto, a circulação de viaturas ainda é feita de forma condicionada, estando, segundo a ANE, em uso o sistema de um sentido de cada vez, conhecido como “stop and go”. Por isso, a entidade deixa um alerta.

A ANE pede “colaboração dos utentes para a obediência do sistema ‘stop and go’, bem como para a programação das deslocações e transporte de passageiros com observância redobrada das medidas de precaução em períodos chuvosos e/ou de fraca visibilidade”.

A recomendação da ANE é, sobretudo, direccionada para locais alagados e na aproximação de estruturas de drenagem, nomeadamente pontes, pontões, drifts, aquedutos, passagens molhadas, entre outros.

Continuam dentro de água mais de 100 casas no bairro de Khongolote, no Município da Matola, Província de Maputo. A água que resultou das últimas chuvas já está a causar doenças e propicia a existência de cobras.

Numa das ruas no meio dos quarteirões 89 e 91, havia um compartimento que estava a ser arrendado, mas a chuva desalojou os inquilinos e o dono da casa, porque, até ao momento, continua a reinar a água. Outros ainda optam por vender as suas casas para escapar da água.

São mais de 100 casas e diversas ruas no interior de Khongolote que continuam alagadas. “De lá para cá, ficamos à espera do Município [da Matola] para que nos trouxesse alguma solução. O pior é que continuamos na água e há aqui cobras”, disse José Macuácua.

Célia Nhabinde abandonou a casa e levou os seus filhos, mas não conseguiu levar tudo que estava no interior da casa e há quem se aproveita de tudo isso para roubar. “Entraram da janela da casa de banho, roubaram televisor e dinheiro que tinha guardado.”

Os moradores de Khongolote que têm as suas casas tomadas pela água gritam por socorro.

Há registo de doenças entre os moradores, supostamente causadas pelas águas estagnadas, como é o caso de Eduardo Matsinhe, cujo filho se encontra acamado depois de ter estado a brincar naquelas águas que já tomaram a cor verde.

O Presidente do Município da Matola, Calisto Cossa, diz que o grande problema é que foram ocupados os caminhos da água. “Há algumas situações que temos que reconhecer – isto é a ocupação de locais que são o corredor da água. O que nós temos que fazer é sensibilizar estes munícipes. Primeiro, temos que reconhecer o problema, segundo discutir a solução porque, de facto, se a água está ali é que é o caminho dela”.

Para os moradores de Khongolote, a solução é a construção de valas de drenagem que levem a água para o vale de Mulauze.

Há corrupção na inspecção técnica de viaturas. Carros em péssimo estado mecânico são aprovados mediante 500 Meticais de suborno. A intervenção da Polícia de Trânsito é limitada pelo facto de não ter como provar que o carro não reúne condições para se fazer à estrada. Já o Governo desconhece a existência do problema, mas promete que será implacável se tomar conhecimento de tais casos.

O “O País” fez uma investigação exclusiva sobre a corrupção na inspecção de viaturas. Foram mais de 10 dias intensos dedicados à compreensão de um fenómeno que já é tido como normal, pelo menos na classe de quem conduz ou é proprietário de um carro.

Concluiu-se que carros em péssimo estado mecânico são aprovados e têm livre circulação pelas estradas e são uma espécie de bomba-relógio, que, a qualquer momento, pode explodir e matar muitas pessoas.

E isso acontece porque os subornos estão à frente e interferem na inspecção técnica de uma máquina que transporta vidas.

Nesta reportagem, escolhemos um carro que, a olho nu, dá para perceber que tem todos os problemas mecânicos possíveis de se imaginar que uma viatura possa ter, e o proprietário citou alguns.

“Os problemas do carro têm a ver com a parte de travões traseiros e a direcção, que escapava”, indicou o condutor, na condição de anonimato.

Os problemas que o condutor citou foram detectados na última inspecção feita em 2020. Depois disso, o carro foi arrumado e mais deficiências mecânicas foram surgindo. O proprietário da viatura sequer sabe quantas e quais são.

“Recomendaram que rectificasse todos os problemas e meter algumas peças novas, e agora estou a tentar recuperar. Significa que tenho que voltar à inspecção. O carro ficou muito tempo parado. Como vês, ainda estava em preparação”, disse o condutor.

E a preparação não foi concluída, mas o carro tem de se fazer à rua e transportar passageiros. “Bom, por causa da fome, acabamos por arriscar. Carregamos passageiros, mesmo sabendo que o carro não está em condições”, reconheceu o risco de colocar o carro com avarias a transportar passageiros.

É ainda mais arriscado colocar o carro na estrada sem saber do seu estado mecânico e sem ficha de inspecção, um documento obrigatório exigido pela Polícia de Trânsito.

Na companhia da nossa equipa, o condutor do carro que é objecto da nossa reportagem foi ao Centro de Inspecção Técnica de Veículos e algo inusitado aconteceu pelo caminho.

A viatura teve uma avaria. Não arrancava. Isso aconteceu a menos de 500 metros do local onde o carro seria inspeccionado. Tinha de se fazer alguma coisa para lá chegar, e a pergunta que não quer calaria é: será que vai ser aprovado na inspecção?

O condutor não sabia qual era o problema do carro. Tentou um pouco de tudo para pô-lo a funcionar.

Recorreu-se à água, mexeu-se num pouco de tudo no motor, na bateria e até se deu um empurrãozinho, mas nada serviu para pôr o carro a andar.

Só depois de incontáveis tentativas, que duraram cerca de hora e meia, é que se colocou a viatura a funcionar.

E a viagem seguiu rumo à inspecção. No Centro de Inspecção, o transporte semicolectivo ficou na fila para ser inspeccionado. Antes disso, procedeu-se ao pagamento normal no caixa e foi necessário mexer alguns pauzinhos para que o carro não fosse reprovado.

Telefonou-se a alguém, por sinal, um técnico da inspecção, para facilitar o processo. Atendeu, pediu as características do carro e, de seguida, foi ao nosso encontro. É ele quem vai receber o dinheiro do suborno para garantir que o carro não seja reprovado na inspecção.

Depois de pedir as características do carro, ele aproxima-se para fazer um processo que parece normal, pelo menos aos olhos dos demais. A viatura passa pelo primeiro processo, no qual são detectadas algumas anomalias. O técnico desenvolve uma conversa com o condutor sobre os problemas detectados.

– Técnico da Inspecção: Porque é que não afinaram as válvulas e a cabeça?

– Condutor: Não são válvulas. Este carro não estava a lubrificar bem. Troquei bomba. Então, quando troquei a bomba, já havia “comido” um pouco na cambota. Então, tenho que “jobar” [trabalhar] por uma semana, tirar a cambota, rectificar e meter novas capas.

Para continuar com os passos subsequentes e mais delicados da inspecção da viatura, recorreu-se ao suborno. O técnico da inspecção aproxima-se do condutor e faz a negociação do valor do suborno.

O motorista fez um sinal de quanto é necessário para que a viatura seja aprovada na inspecção. Levantou a mão e mostrou os cinco dedos – 500 Meticais.

Para não levantar suspeitas, o dinheiro é colocado no livrete do carro que, logo a seguir, vai parar nas mãos do técnico da inspecção. Depois de levar o livrete com o dinheiro, o técnico da inspecção ainda pergunta:

– Técnico da Inspecção: É isso mesmo que pedi?

– Condutor: Sim, sim.

Pago o suborno, o carro continua a ser inspeccionado. Nesse processo, a olho nu, era possível ver o carro a verter água, óleo, além dos demais problemas que só as máquinas detectam.

E as deficiências detectadas na inspecção são agrupadas em três tipos, de acordo com o Regulamento Inspecção Técnica de Viaturas, artigo 7:

As deficiências são classificadas do modo seguinte:

  1. a) Do Tipo I: Aquelas que não afectam gravemente as condições de funcionamento e segurança do veículo;
  2. b) Do Tipo II: Aquelas que afectam as condições de funcionamento do veículo ou põem em dúvida a sua identificação, mas não implicam a sua paralisação;
  3. c) Do Tipo III: Aquelas que afectam gravemente as condições de segurança do veículo.

Terminada a inspecção, o carro é aprovado. O técnico fez constar da ficha que só foram descobertas 10 anomalias do tipo I e II, não o suficiente para que a viatura seja reprovada, segundo o artigo 8 do regulamento:

(Reprovação)

O veículo submetido à inspecção deve ser reprovado sempre que for apurado qualquer dos seguintes resultados:

  1. a) Mais de 10 (dez) deficiências do Tipo I;
  2. b) Mais de 4 (quatro) deficiências do Tipo II;
  3. c) Mais de 10 (dez) deficiências acumuladas dos Tipos I e II;
  4. d) 1 (uma) deficiência do Tipo III.

Ou seja, o técnico ocultou muitas deficiências mecânicas da viatura que é objecto da nossa reportagem. De acordo com o proprietário, o carro tem deficiências que se enquadram em todos os tipos previstos pelo regulamento. são eles: Sistema de travagem, caixa de velocidade, suspensão, rolamentos, bomba de óleo e água, rótulas, problemas de direcção, casquilhas das ponteirinhas, problemas de embreagem, problemas na cambota, espelho retrovisor inexistente, mau funcionamento das portas, bancos e cadeiras em mau estado.

Das deficiências arroladas, constam da ficha de inspecção apenas as de travagem e direcção, que também são minimizadas. Adicionadas às demais, chegam a ser 18 problemas detectados na viatura e, simplesmente, foram ocultados. Não devia ser assim, à luz da legislação, no número dois do artigo 7:

As deficiências detectadas devem ser anotadas e dadas a conhecer ao proprietário do veículo ou a quem esteja na posse do mesmo no acto de inspecção”.

Concluído o processo, buscámos mais detalhes sobre o estado mecânico com o técnico que fez o acompanhamento e as suas palavras contrariam o que ele próprio fez constar da ficha de inspecção.

“Este carro tem problema de tudo. Por isso, deve-se fazer uma revisão geral. Tem que se mexer tudo”, recomendou o técnico da inspecção que recebeu o suborno para aprovar a viatura.

E a corrupção já foi normalizada no Centro de Inspecção de Veículos. Encontrámos carros aparentemente novos a aguardarem a sua vez, e um dos proprietários disse o seguinte:

“Mesmo que o carro pareça novo, tens de pagar alguma coisa, senão o reprovam. Sempre tens que dar alguma coisa”, sublinhou um dos condutores à espera de inspecção.

Saímos da inspecção com carro que é objecto da nossa reportagem aprovado, mesmo com os problemas que tem, e o condutor esclarece como foi possível.

“Tive que falar com os homens para poderem aprovar-me. Preciso de colocar o carro a trabalhar. Conversamos, entendemo-nos e fui aprovado”, revelou o condutor.

E a linguagem chama-se corrupção. A viatura tem licença para transportar passageiros, ainda que o estado mecânico deixe a desejar. O importante é mesmo o documento que a segurança.

“Para me fazer à estrada, preciso de ter o mínimo possível de papelada. Por isso, teve que criar facilidades para tal. Depois vou trabalhar para corrigir os problemas que tenho”, concluiu.

O “O País” entrevistou um mecânico que lida com carros há mais de 10 anos. João Tembe explicou como é que alguns problemas mecânicos ignorados pela inspecção podem afectar o funcionamento normal de uma viatura.

“Quando a caixa de direcção não está boa, você pode achar que o carro está a virar, enquanto permanece na mesma direcção, e aí pode contrair um acidente. Já quando o carro tem problema de travões, geralmente é porque os calços estão gastos. Com este problema, pode pensar que está a travar, enquanto não, e o carro está a escorregar e vai embater num outro carro ou em alguém”, detalhou João Tembe, mecânico na Cidade de Maputo.

Ademais, “se não mudas os cardãs, quando estiver a andar, eles saem e, quando isso acontece, é mais perigoso, porque o carro, de repente, vira e se você está a uma velocidade de acima de 60 km/h, haverá um acidente grave”, alertou o mecânico.

Com pelo menos essas três deficiências mecânicas detectadas, o carro não se deve fazer à via pela segurança do condutor e dos seus ocupantes. “Pára com o carro, se ainda não estiver em condições. Tenta organizar-se e depois põe o carro a funcionar”, recomendou João Tembe.

A Polícia de Trânsito é que fiscaliza as fichas de inspecção em carros que circulam nas nossas estradas. Só não tem um mecanismo de identificação de documentos falsos e – muitos deles – de saber se os carros estão ou não em bom estado mecânico.

Aliás, a Polícia de Trânsito diz que sequer sabe da existência de corrupção na inspecção de viaturas, mas critica alguns aspectos do Regulamento de Inspecção Técnica de Viaturas.

“Quando um carro, por exemplo, tem deficiência de travagem numa certa roda, no nosso entender, como Polícia, era seguro que esse carro não passasse na inspecção”, observou José Nhantumbo, da Polícia de Trânsito.

Ainda que o carro seja aprovado na inspecção, a Polícia diz que há um nível de deficiência mecânica que não dá para deixar passar.

“Sempre que se verifica, no âmbito da fiscalização, que uma viatura não está em condições seguras para efeito de circulação ou exercício de uma determinada actividade, a Polícia, legalmente retira o livrete desta viatura e submete-a ao INATRO para inspecção extraordinária”, revelou José Nhantumbo.

E isso aconteceu na Cidade de Maputo. No dia 20 deste mês, a Polícia de Trânsito enviou ao INATRO 16 livretes para inspecção extraordinária e apreendeu as respectivas viaturas por não reunirem condições de segurança para circular.

A Associação das Vítimas de Acidentes de Viação (AMVIRO) diz que, em casos de sinistros, a componente mecânica é, quase sempre, negligenciada.

“Posso citar, por exemplo, o relatório do acidente de Maluana, uma das questões que encontrámos lá, de forma muito evidente, eram pneus absolutamente carecas, foi notícia recentemente o citado caso de embreagem à corda de um autocarro algures em Manica”, citou Alexandre Nhampossa, presidente da AMVIRO.

E, estranhamente, tais carros foram inspeccionados e aprovados, o que, para Alexandre Nhampossa, é uma evidência de que algo está a falhar na inspecção de viaturas.

“A ficha de inspecção, diferentemente do que acontece até agora, tem que ser protegida, tem que se adoptar mecanismos de segurança de fiabilidade, por exemplo, por um código de barras. O sistema de inspecções em Moçambique, na forma em que está agora, tem fissuras. Não há fiabilidade”, denunciou o presidente da AMVIRO.

O ministro dos Transportes e Comunicações desconhece a existência de corrupção na inspecção de viaturas e diz que será intolerante se tais casos vierem à tona.

“Se tem dados sobre isso, não hesite em trazer, mesmo directamente a mim, através do meu gabinete. Pode-me trazer esses casos que, certamente, vou agir de uma forma intolerante contra esses males, que só podem roubar oportunidades ao nosso povo”, disse Mateus Magala, ministro dos Transportes e Comunicações.

E este sábado, 17 pessoas morreram num acidente de viação em Nhamatanda, província de Sofala, e o carro no qual seguiam tinha deficiências mecânicas.

Há cada vez mais imundície devido à fraca recolha do lixo no Município da Matola. Algumas ruas ficaram bloqueadas durante semanas. A edilidade diz que existe um plano de dez anos para acabar com os focos de lixo, mas ainda busca financiamento para a sua operacionalização.

O problema é antigo e, se dependesse de reclamações, já estaria resolvido.

Uma ronda em algumas ruas e avenidas da cidade da Matola mostra que a pretensão da edilidade de remover o lixo nos bairros não é bem conseguida.

A situação é tão caótica que chega a bloquear algumas vias. É em meio à imundície que vários moradores do bairro da Liberdade vivem.

Paulo Luís, residente da Liberdade há mais de 30 anos, conta que não é de hoje a falta de recolha do lixo.

“Já nos reunimos várias vezes com os chefes do quarteirão e o próprio município, mas ainda não encontrámos solução para este problema. Não aguentamos esta situação. Somos obrigados a conviver com moscas e toda esta imundície.”

Do bairro da Liberdade não é preciso ir para muito longe. O mesmo problema encontra-se em Malhampsene.

“Aqui, onde estamos, não há contentores de lixo. Vivemos nestas condições. Procuramos o pão do dia-a-dia. Os contentores estão muito longe, por isso deitamos o lixo aqui e depois o queimamos”, disse Ana Rafael, munícipe da Matola.

A imundície tomou parte do mercado, onde se vendem alimentos, o que representa um risco para a saúde pública.

O presidente do Conselho Municipal da Matola, Calisto Cossa, conhece bem o problema da sua autarquia e diz que já existe um plano para acabar com os focos de lixo.

“O plano dá-nos indicações de quanto lixo nós produzimos e como é que devemos fazer o processo de recolha. Mas a limpeza de uma cidade não advém da quantidade de pessoas que limpam, mas sim da quantidade de pessoas que não sujam”, disse Calisto Cossa.

A cidade da Matola produz cerca de 1200 toneladas de lixo diariamente e, segundo a vereadora de salubridade, apesar de existir o plano, a sua concretização não é para já. O referido plano foi aprovado em 2022 e vai até 2032.

O ministro da Saúde diz que o sector vai reforçar o número de médicos nos centros de saúde para responder às queixas de morosidade no atendimento. Armindo Tiago reagia às recorrentes queixas de demora no atendimento hospitalar.

As queixas de mau atendimento nas unidades sanitárias têm sido recorrentes e o descontentamento de muitos utentes é do conhecimento do Ministério da Saúde (MISAU).

Reagindo ao assunto, este sábado, à margem do Comité Central da Frelimo, Armindo Tiago reiterou que há critérios de prioridade a que se deve obedecer para o atendimento nas unidades sanitárias.

“Existem critérios de gravidade para permitir que pacientes em estado grave sejam atendidos em primeiro lugar, e o objectivo é salvar vidas. O atendimento é em função da gravidade. 90 por cento dos locais onde se regista atraso no atendimento é para com as pessoas de senhas verdes.”

Como solução para o problema da morosidade, o governante explicou que os utentes devem, primeiro, recorrer aos centros de saúde periféricos.

“Primeiro, vamos melhorar o atendimento nas unidades periféricas, onde a maior parte das pessoas que não tem gravidade devem ser atendidas. Nós queremos colocar nos centros de saúde médicos que possam fazer as consultas de manhã até à noite.”

Recentemente, a associação moçambicana de administradores hospitalares queixou-se também da chegada tardia de medicamentos e de falta de recursos humanos, o que, segundo a agremiação, condiciona o atendimento.

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