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Severino Ngoenha sente falta de novos Mondlanes e Manganyelas

Foto: O País

O académico Severino Ngoenha instou, na última sexta-feira, a Igreja Presbiteriana de Moçambique (IPM) a criar novos heróis para os desafios da actualidade. Ngoenha falava no contexto da celebração dos 135 anos da Missão Suíça no país.

Num ano em que a Missão Suíça, hoje, Igreja Presbiteriana de Moçambique, completa 135 anos no país, o Conselho Sinodal decidiu reflectir. Nenhuma outra forma existiria de fazer o exercício, senão olhando para o passado – em que a Igreja teve uma história minuciosamente costurada com a libertação de Moçambique.

Basta que nos lembremos que, para a libertação de Moçambique, foi muito importante que houvesse união de três movimentos de libertação, nomeadamente, MANO, UDENAMO e UNAMO. Foi destes que começou o espírito de Unidade Nacional, no qual esteve alicerçada toda a batalha.

Quem pensou nisso? Um herói: Eduardo Mondlane, ele que teve a ideia de que era preciso unirmo-nos para vencermos o inimigo. Terá sido por isso que Armando Emílio Guebuza, ex-Presidente da República, afirmou, na cerimónia de celebração, que “a Unidade Nacional, meus senhores, que serviu de esteio para a Luta de Libertação Nacional, teve o seu embrião nesta igreja”.

Sucede que nessa afirmação de Guebuza não cabe só Mondlane, há mais pessoas. Ele próprio acabou por dizer que “há muitos crentes de dentro e fora do país que se juntaram à causa e acabaram por ser mártires da nossa independência”.

Um desses mártires é o pastor Zedequias Manganhela, morto em 1972, aos 60 anos de idade. O nome do homem que nasceu no distrito de Matutuine soou bem alto no Sínodo 2022. Não foi só porque o evento de celebração está a ter lugar na paróquia em que ele foi pastor até à sua morte – Chamanculo – como também porque há quem foi chamado apenas para falar da importância do pastor na vida da igreja e do país.

A oradora é Teresa Cruz e Silva, académica. A veia da ciência fê-la precisar de ter uma pergunta de partida para guiar a sua pesquisa. A pergunta que a guia na sua procura foi: Por que mataram Manganhela?

A resposta é: por tudo o que Manganhela ousou ser. Isso é o que qualquer um entende, depois de ouvir a estudiosa a dissertar por mais de meia hora. Teresa Cruz e Silva fez toda a epopeia da vida de Zedequias Manganhela, desde a sua nascença, passando pela sua educação, as etapas todas que marcaram a vida do pastor até chegar a ser presidente do Conselho Sinodal da IPM e pastor de Chamanculo.

Embora já tivessem uma relação de amizade, Zedequias Manganhela e Eduardo Mondlane voltaram a ter um encontro em 1961, quando o Arquitecto da Unidade Nacional começou os seus primeiros contactos no país. O encontro teve lugar mesmo na paróquia.

Silva e Cruz contou que foi nessa altura em que começou o fim da vida de Manganhela. Embora já tivesse, por outras razões, ferido o orgulho do colono, foi depois do encontro com Mondlane que tudo começou. “Começaram perseguições e prisões a pessoas que tivessem ligações com a Frelimo”.

Um dos visados era mesmo o pastor Zedequias Manganhela, porquanto ele já fazia frequentes visitas a todas as regiões do país. “Essas acções começaram a evoluir à medida que avançava a década de 1960”.

O facto levou a que o pastor fosse morto em 1972. Para dissimular o assassinato, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) disse que ele se tinha suicidado. Contudo, sobre isso, um dos seus colegas de cela, Amós Mahanjane, presente do Sínodo 2022, dissipou quaisquer dúvidas que restassem.

“Zedequias Manganhela foi morto por um senhor chamado Francisco Bartolomeu da Costa”, começa por contar Mahanjane, que sustenta a sua tese dizendo que sequer “havia condições para que alguém se suicidasse na cela de Manganhela. Ele foi morto depois de dois meses de observação”.

Antes de o matar, a PIDE precisou de o prender sob fortes acusações de ligação e apoio à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que, na altura, avançava com a guerrilha de libertação.

Basicamente, as acusações tinham incidência na possibilidade de Manganhela estar a ser mensageiro e a usar a igreja para financiar as incursões da Frelimo.

Acusações que são confirmadas, agora, por Joaquim Chissano, antigo Presidente da República e combatente da Luta de Libertação Nacional, que assumiu, por isso, que razões para que o Governo colonial temesse que, através da igreja, Manganhela estivesse a financiar a guerrilha da Frelimo. “Se tiveram razões para torturá-lo? Claro que não. Da mesma maneira, não tiveram razões para nos colonizar”, diz Chissano.

Sobre o dinheiro, Chissano pôs quase todos os risos às gargalhadas quando, com a cabeça, acenou e depois disse: “de facto, chegava dinheiro da Suíça. Era dinheiro em várias moedas, incluindo a portuguesa e, até, a moçambicana. O Presidente Mondlane sabia quais eram os esquemas. Agora, se Manganhela recolhia os dinheiros, não sei”.

Disso, Chissano pode não saber, mas está certo de que Manganhela teve postura de um verdadeiro herói, mesmo sob tortura da PIDE. “A PIDE já sabia de alguma coisa e deu-lhe uma pancada para que falasse alguma coisa, mas não falou, não quis prejudicar a guerrilha que estava a avançar”.

Esse legado já está guardado. Mas Severino Ngoenha pensa que só a história não basta; há um futuro por pensar e desenhar. “Todo aquele processo daqueles que construíram antes de nós só vai fazer sentido se nós nos engajarmos a fazer com que aquilo que os outros iniciaram tenham continuidade e que estejamos à altura de responder os desafios do nosso tempo”.

O académico, embora católico, tem uma história muito ligada à Missão Suíça, por ter sido lá onde estudou. Ngoenha escreveu um livro com o título Lomuko, que significa desmame ou então emancipação, no sentido lato. É um livro que fala do papel de Eduardo Mondlane na libertação de Moçambique. Mas há uma questão que ele coloca: “O que estamos a fazer com o nosso Lomuko. Eu não vejo nada”.

“Parece que nós nos contentamos em dizer que Eduardo Mondlane esteve aqui em 1961 e falou. Esquecemo-nos de que o único Mondlane ou único Lomuko que interessa é aquele que nós próprios temos de construir. A única razão por que invocamos Mondlane é para nos inspirarmos para continuarmos a construir e reconstruir, nas circunstâncias actuais, o Lomuko necessário”, dissertou.

Na opinião do filósofo, as guerras, a desunião, o tribalismo e outros males são desafios que bastam para inspirar novos heróis.

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