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Restos mortais de Chico António vão hoje ao crematório Hindu

O Governo reconhece o papel do músico Chico António na promoção de Moçambique além-fronteiras e no desenvolvimento artístico nacional. A Ministra da Cultura e Turismo diz que se calou a voz de um património nacional, que deixa um grande vazio na cultura nacional. Familiares, amigos, fãs e público em geral renderam, hoje, uma última homenagem ao astro da música moçambicana.

“Baila Maria”, uma das criações musicais de Chico António, foi interpretada por Tomás Vieira Mário, no último adeus ao músico, esta terça-feira, no salão nobre do Conselho Municipal de Maputo.

Uma despedida, aliás, celebração da vida e obra de um músico que marcou gerações e deixou marcas para a cultura moçambicana e, por isso,  o Governo diz que se calou a voz de um património nacional.

“Calou-se para sempre a voz de um instrumentista, flautista, um guitarrista, um trompetista. Calou-se a voz de um cantor, um verdadeiro artista, multifacetado, patriota, pai, irmão, amigo e companheiro. Calou-se a voz de um património nacional. A partida eterna de Chico António abre um grande vazio, difícil de preencher no seio da família das artes e cultura moçambicana. Desferiu um golpe profundo no panorama cultural e criativo, porque falamos de um compatriota íntegro, forjado nas artes que engrandecem e elevam bem alto a imagem e prestígio de Moçambique numa altura em que o seu legado estava ainda em ascensão aos olhos de todos nós”, diz Eldevina Materula, Ministra da Cultura e Turismo.

Os elogios destacam a figura do cantor que uma vez foi menino de rua, mesmo assim soube  encontrar o caminho daquilo que  definiu para seguir na vida:  a música. A Ministra da Cultura e Turismo conta que visitou Chico António no Hospital e partilha a última conversa com o músico.

“Entre tantas coisas, Chico disse: ‘Por mais que queiram, não irão dar tudo o que precisamos, mas teremos essa responsabilidade em cada um de nós, porque a amizade e o espírito de colaboração, sim, nos levarão à vitória’. Estas foram das últimas palavras que o Chico me dirigiu e disse: ‘Vocês continuam com a batalha, vocês continuam com a batalha’. Pediu-nos que fizéssemos uma fotografia e aqui sentimos que Chico se estava a despedir”.
Já Mário Cuna, amigo do malogrado, conta também como foram passados os últimos dias antes da morte. Cuna chegou a ficar emocionado ao narrar os episódios vividos por ambos pouco antes de o músico dar entrada no HCM.

“Eu ligo para ele no domingo: ‘Estás bem, Chico?’ Ele respondeu: ‘Não, não estou bem, está a doer-me o estômago’. Eu disse ‘okay, vou aí’. Quando cheguei ao Hospital, não reconheci o Chico, foi assustador, nunca chorei tanto ver o Chico em cadeira de rodas. Questionei-me: ‘O que está a acontecer?’ Eu volto a Manhiça na sexta-feira, acordo de manhã, recebo uma mensagem muita curta da Otília e dizia: ‘Morreu…'”.

Chico António tem um álbum gravado e, para este ano, segundo Mário Cuna, esperava gravar uma nova obra discográfica e concluir a Escola de Música que estava a construir no Município da Manhiça. Mário Cuna diz que há músicas escritas, mas não estão gravadas, outras têm título, e há possibilidade de serem gravadas, porém, quanto à construção da escola, pode o projecto ficar parado com a morte do cantor.

Em mensagem, através de um representante, o filho de Chico António agradeceu os ensinamentos e o companheirismo do pai.

“Hoje, sinto-me privilegiado por ter compartilhado esses momentos consigo, meu amigo, companheiro, melhor exemplo de disciplina, perseverança e autenticidade que eu pude ter. Sim, houve desafios, desentendimentos, afinal, somos os dois teimosos e impacientes praticamente a mesma pessoa, mas, apesar de tudo, o vínculo que compartilhamos foi uma expressão de amor e experiências que moldaram quem hoje eu sou.”

Várias personalidades renderam homenagem ao músico e destacaram as suas qualidades humanas e artísticas.

Licínio Azevedo produziu e realizou o filme “O grande bazar”, que tem, no elenco, o músico Chico António, que, para além de produzir a trilha sonora, participou como actor. Licínio Azevedo  diz que a morte do artista é uma perda para o país, de modo geral, e para a cultura, em particular.

“Toda a homenagem será sempre pequena para uma pessoa como Chico António. O que tenho a dizer é que os homens bons morrem cedo demais, o exemplo disso é Chico António, que era uma pessoa maravilhosa, um dos maiores músicos moçambicanos, melhor músico de todos os tempos, cantor, compositor e intérprete. Trabalhei com Chico, ele fez músicas para vários filmes meus. Mas tem um filme especial que ele teve um papel muito relevante, que foi feito em 2006, O Grande Bazar, gravado no mercado Vulcano, que retrata um lenhador que perdeu a sua família vítima da guerra”, lembrou Licínio Azevedo.

Chico António contribuiu com o seu saber para a academia, por isso a Universidade Pedagógica de Maputo (UP-Maputo) garante  valorizar o seu legado.

“A universidade tem a oportunidade para continuar a recriar e a reviver essas que são as grandes figuras da nossa sociedade e, sobretudo, da nossa cultura. Em devido tempo, nós pensaremos em algo, levaremos aos orgãos colegiais e tomaremos as decisões. Mas o Chico estará sempre presente porque ele faz parte das nossas paredes, nossas portas, nossas janelas, nossas memórias, nossos livros e de todas as músicas e dos filmes que alguma vez a universidade produziu”, enalteceu Jorge Ferrão, reitor da UP-Maputo.

Familiares e amigos destacaram a personalidade do músico Chico António. A família Bucuane, de onde a sua esposa é proveniente, destaca que o músico era de carácter limpo e inofensivo.

A Rádio Moçambique, na qual Chico teve projecção artística, agradece pelo seu contributo.

A Associação dos Músicos Moçambicanos também teceu elogios ao seu membro. Lena Baule, da nova Escola de Música Moçambicana, também falou do contributo de Chico na cultura moçambicana e defende que o seu legado deve ser imortalizado.

Os restos mortais de Chico António foram cremados, esta terça-feira, no Cemitério de Lhanguene.

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