Todos nós somos parte integrante de uma sociedade. É um organismo vivo, composto por cada indivíduo e moldado pelas suas acções, escolhas e valores. Por isso, quando afirmamos que a sociedade anda doente, estamos, implicitamente, a reconhecer a nossa própria condição de desequilíbrio. Este desajuste colectivo é um reflexo directo de problemas individuais que, de forma acumulativa, impactam a estrutura social como um todo.
Mas de onde surgem esses problemas? Eles não aparecem do nada, nem são meros acidentes. Muitos deles derivam do desmoronamento das famílias, que são a célula fundamental da sociedade. Quando os alicerces familiares se fragilizam, a sociedade torna-se uma construção instável, permeada por valores morais distorcidos e desvirtuados. A família, sendo o núcleo primário de formação do indivíduo, desempenha um papel crucial na transmissão de princípios éticos, culturais e sociais. Se esta célula entra em colapso, a sociedade, que é uma extensão mais ampla do ambiente familiar, começa a refletir essa mesma disfunção.
A Família como Reflexo da Sociedade
Uma sociedade saudável é o resultado de famílias equilibradas, e o contrário também é verdadeiro. Se os índices de criminalidade aumentam, isso não é apenas um problema estrutural ou legal, mas um sinal de que a base formativa do indivíduo está comprometida. Cada criminoso que comete actos hediondos nasceu e cresceu numa família. Da mesma forma, os professores, advogados, médicos e polícias, sejam corruptos ou íntegros, também são frutos dessa mesma sociedade e, por extensão, dessas mesmas famílias.
Isso não significa que seja possível apontar culpados de forma directa. Não há um único responsável pela deterioração social, mas há um envolvimento colectivo. O gradual declínio dos valores éticos é um processo no qual todos participamos, quer activamente, pelas nossas acções, quer passivamente, pela nossa indiferença.
A Normalização de Atitudes Prejudiciais
A degradação moral da sociedade começa, muitas vezes, com a normalização de práticas questionáveis. Um exemplo simples é a forma como as roupas são vistas actualmente. Argumenta-se que ninguém deve ser julgado pela forma como se veste, o que, em princípio, é correcto. No entanto, a liberdade que esse pensamento promove, muitas vezes, leva a extremos que ignoram contextos e consequências. A vulgarização de comportamentos outrora considerados impróprios é, muitas vezes, celebrada como progresso, quando, na realidade, pode ser um reflexo de uma sociedade que perdeu o sentido de limites e de autoconsciência.
Outro exemplo é a forma como recompensamos o esforço. Quando um pai oferece dinheiro ao filho para o incentivar a estudar, ele pode estar, sem querer, a associar o valor do conhecimento a uma transação monetária. Isso desvirtua o verdadeiro propósito da educação, transformando-a num meio para obter recompensas imediatas, em vez de um processo de crescimento e realização pessoal.
Este problema alastra-se às escolas. Muitos alunos, hoje em dia, não conseguem frequentar aulas sem dinheiro no bolso, muitas vezes, para pagar professores que cobram para garantir passagens de ano. Mais preocupante ainda, este comportamento é frequentemente incentivado ou, no mínimo, tolerado pelos próprios encarregados de educação. Ao aceitar essas práticas, as famílias contribuem para a perpetuação de um sistema corrupto, que não apenas prejudica o aluno, mas também compromete a integridade do ensino.
O Reflexo da Educação na Vida Adulta
As consequências de uma infância sem orientação adequada manifestam-se, inevitavelmente, na vida adulta. Os profissionais públicos, por exemplo, muitas vezes, demonstram um conjunto de características que refletem a carência de valores e princípios, durante a sua formação. Prepotência, arrogância, desrespeito e cinismo tornam-se traços comuns em muitos deles, mesmo em interações com pessoas desconhecidas. Estas atitudes são um reflexo directo da educação (ou falta dela) que receberam, tanto em casa como na escola.
Esses adultos, por sua vez, influenciam negativamente os ambientes em que actuam. No sector público, por exemplo, é frequente encontrar pessoas cuja postura arrogante e desumana demonstra uma desconexão completa com o papel de serviço à sociedade que deveriam desempenhar. Quando indivíduos assim alcançam posições de poder, a situação agrava-se. Em vez de liderarem com diálogo e empatia, recorrem à imposição e à intimidação, apoiados por subordinados que perpetuam o mesmo comportamento.
O Papel de Cada Um na Transformação Social
É fácil culpar a sociedade por todos os males, mas a verdade é que cada um de nós tem uma parte de responsabilidade. Não basta identificar os problemas; é preciso agir de forma consciente para corrigi-los. Isso começa em casa, no núcleo familiar, com a transmissão de valores sólidos e com o exemplo. Uma criança que cresce num ambiente de respeito, honestidade e empatia terá mais probabilidade de reproduzir essas qualidades na sua vida adulta.
Além disso, é fundamental questionarmos as normas que aceitamos passivamente. Será que estamos a permitir que comportamentos prejudiciais se tornem a norma? Será que estamos a educar as próximas gerações para serem cidadãos conscientes, ou estamos apenas a prepará-las para sobreviver num mundo de interesses e conveniências?
A mudança é um processo lento, mas começa com passos simples. Valorizar a educação, promover a honestidade e incentivar o respeito mútuo são algumas das formas de construir uma sociedade melhor. Cada família, ao fazer a sua parte, contribui para a construção de uma sociedade mais justa, mais humana e mais equilibrada. Afinal, a sociedade não é nada mais do que a soma de todos nós. Se queremos um futuro melhor, é necessário começar a mudança agora, dentro das nossas próprias casas.
Este texto reflete sobre os desafios que enfrentamos enquanto sociedade e a importância de resgatar os valores fundamentais no seio familiar para inverter a tendência de deterioração social. Apenas com esforço colectivo e responsabilidade individual será possível reverter este cenário.
Tete, 21 de Janeiro de 2025