Em Grande Entrevista, o director-geral das Linhas Aéreas de Moçambique, João Carlos Pó Jorge, falou da actual situação da empresa e das perspectivas de recuperação. Pó Jorge reconheceu que a situação ainda é de prejuízos, mas perspectiva lucros já em Maio
Como é que encontrou a empresa enquanto director-geral?
A maior valia que encontrei na empresa são as pessoas, que eram as mesmas de quando a LAM estava em todo o mundo a apoiar grandes companhias como a TAAG, TACV e outras. É verdade que a empresa estava a passar por um momento difícil na sua parte operacional, mas era óbvio que, com a experiência e conhecimento das pessoas que lá estão, assim como a orientação da dedicação dessas pessoas, era possível dar essa volta e trazer a LAM àquilo que era ou, pelo menos, ao caminho certo para o efeito, bem assim servir melhor o público.
Quais as medidas tomadas para tirar a LAM da crise em que se encontra mergulhada?
A medida chave foi conversar com as pessoas e dar-lhes a responsabilidade, sabendo que elas têm capacidade para fazer certas actividades e estavam dispostas a dedicar aquilo que era preciso. Poucos recursos foram trazidos, nenhum conselheiro para a parte técnica operacional, que era a que mais precisava de mudar na sua performance.
Que resultados já logrou nestes sete meses de gestão máxima da empresa?
Nos primeiros momentos, foi o sentido de pertencer que as pessoas ganharam. Entenderam que todos tinham um papel essencial para reformar ou transformar a parte operacional. E, depois, foi muito importante dizer às pessoas que o nosso objectivo é melhorar a qualidade operacional, estabilizar o horário, melhor servir o público, ou seja, melhor serviço e melhor atendimento. E foram feitas algumas medidas estruturais, para que as pessoas se enquadrassem nisso. Isso resultou logo ao fim do mês, onde a pontualidade operacional se estabilizou. Desde 30 de Setembro, introduzimos um horário fixo, o qual não alterávamos e começámos a introduzir o serviço ao cliente, presença nos aeroportos, ouvir as preocupações do passageiro frente-a-frente, sem ser através de papéis ou mensagens, para conseguir alinhar a nossa estratégia com aquilo que o público pretende, que é pontualidade, bom serviço a bordo.
Segundo o relatório de execução orçamental do Estado de 2018, o Governo avalizou uma dívida de mais de 1 bilião de meticais para a reestruturação da LAM. Qual era o valor total da dívida e em que medida este aval minimizou o sufoco da empresa?
O valor de mil milhões de meticais foi uma questão de regularização de uma dívida já contraída no passado, portanto, não colaborou de forma directa para a situação de tesouraria da empresa. O que colaborou foi a outra injecção de valor. Isto porque a nossa pressão ainda é deficitária, sob ponto de vista de custos operacionais e do serviço da dívida que nós temos de cumprir, por causa dos empréstimos já passados e isso ajudou a manter a empresa com os seus serviços operacionais sem interrupção de voos.
Como equaciona pagar ao Estado e por quanto tempo?
O primeiro passo vai ser reestruturar a dívida, para aliviar a carga mensal de débito que nós temos em relação ao serviço da dívida. O segundo vai ser tornar a nossa operação lucrativa, aceitando que teremos meses de baixa e com prejuízos, mas na maioria do tempo uma porção lucrativa.
Que garantias apresentou ao Estado para merecer o aval?
O que nós fizemos foi mostrar ao Estado a real situação da LAM e o que era necessário para manter a empresa a flutuar. Era uma situação de dívida extremamente grande, muito maior do que uma empresa daquela dimensão comporta, e de prejuízo mensal que é preciso inverter.
E se falhar o pagamento, o Estado (os moçambicanos) serão chamados a pagar. Que penalizações o Estado impôs à LAM em caso de incumprimento do pagamento da dívida?
Nós temos um controlo muito restrito nas nossas despesas e queremos eliminar todas as nossas despesas, nomeadamente, certos contratos que não dizem respeito directamente à nossa operação e, através disso, estamos constantemente a mostrar, em Conselho de Administração e ao Estado, que os nossos gastos são estritamente para melhorias, com vista à disponibilização do serviço ao povo que nos disponibiliza esse valor, para nos mantermos em operação.
A relação com os fornecedores de combustíveis, peças e catering esteve profundamente deteriorada, antes mesmo da sua gestão. O que mudou desde que está no comando?
O primeiro passo foi falar com os fornecedores e os bancos abertamente e dizer que o Estado tomou a decisão de reduzir os custos, assim como dizer que não poderíamos pagar a dívida de uma vez. Mas iniciámos um plano de pagamento de certas dívidas, para poder ter acesso, de novo, de uma forma mais estável, a esses serviços e ter a garantia de que teríamos combustível onde era necessário, para possibilitar a operação.
Qual é o ponto de situação de abastecimento de combustíveis agora?
Continuamos com um contrato de combustível pré-pago com todos os fornecedores, neste momento são dois. E no início não tínhamos o fornecimento, de todo, de um dos dois e isso criava-nos um constrangimento operacional, porque tínhamos que transportar combustível para esses aeroportos em que não havia mais do que um fornecedor para poder voar de volta. Agora, nós estamos a um passo para pedir uma relação de crédito e pensamos que já estamos numa boa situação. Durante um mês ou dois, demonstrámos que podemos pagar diariamente e pagar as dívidas que tínhamos. Assim, estamos à espera de passar para a fase de fornecimento a crédito.
Qual é o valor real da dívida da LAM para com os fornecedores?
Juntando fornecedores nacionais e estrangeiros, a dívida é de pouco mais de 120 milhões de dólares, mas há câmbios a serem revistos e os valores podem ultrapassar esta quantia.
Quanto já pagou e qual é plano de pagamento?
Nós não estamos a pagar dívida para trás, a não ser com fornecedores de combustível, em que fomos pagando nestes últimos sete meses e reduzimos. Entretanto, isso não foi mais do que quatro por cento do total da dívida, porque não temos capital para poder pagar. Onde o fizemos foi obrigação, senão não teríamos acesso aos combustíveis.
Que custos operacionais preocupam a gestão da LAM neste momento e qual foi a sua prioridade na redução desses custos?
Os custos operacionais sem controlo, já que não conseguimos evitar. Na parte de leasing de avião (arrendamento de avião), por exemplo, tivemos que ir buscar um avião sul-africano com tripulação e manutenção. Mas, desde ontem, assumimos um compromisso de buscarmos um avião que vamos operar com a nossa própria tripulação. Vamos cortar bastantes custos e teremos maior controlo de custos e reduzir os operacionais.
Em que medida isso vai reduzir os custos da LAM? E qual foi o racional da venda da aeronave no ano passado?
A intenção desde o início da reestruturação é uniformizar a nossa frota. Nós temos imensos custos relativos à diferenciação do tipo de avião que temos, nomeadamente com tripulações, peças. E também temos inconveniência de, por vezes, estarmos com dois ou mais aviões, um ao lado do outro, e se um tem um problema naquele momento, não podermos fazer o processo de mudança ou fazemo-la de forma mais complexa e isso cria atrasos e, eventualmente, cancelamento de voos. Então, a nossa intenção é uniformizar a frota. Nós tínhamos hipótese de uniformizar usando aquele avião mais antigo e com tecnologia mais antiga, mas preferimos vender aquele e ficar com um alugado numa empresa multinacional baseada na Irlanda. Este é um 627 da nova geração e é preferência das empresas de petróleo e gás por causa da capacidade e da carga.
A LAM tem uma dívida muito gorda com a Star Air Cargo e o caso seguiu para os tribunais sul-africanos. Como está o litígio?
Directamente com a Star Air Cargo não temos litígio e não existe um tribunal no meio do processo. Sempre que temos dificuldade de pagar, concorda em estender o prazo. Nós temos uma relação comercial com a Star Air Cargo, que é um parceiro que usamos há muitos anos para ir buscar um avião ad hoc sempre que se mostra necessário.
Qual foi a sua prioridade em termos de acções, com vista a reduzir os custos operacionais?
Nós começámos imediatamente por introduzir um programa que já existia, mas que tinha que ser apertado, que é de controlo de consumo de combustível. Começámos por introduzir o modelo de negociação de contratos com empresas que nos providenciam os serviços, porque achávamos que podíamos ter os mesmos serviços por valor mais baixo, por várias razões. Nós também eliminámos alguns fornecedores que sentimos que nos pesavam imenso na nossa tesouraria, embora nos dessem os serviços e, essencialmente, tornámos os processos de compra muito mais transparentes. Seja ele de simples prato ou bandeja para catering, seja ele de peças de avião, o que reduziu substancialmente a nossa exposição financeira periódica.
E estas acções já tiraram a LAM da crise profunda em que vivia e que em muitas ocasiões deixava muitos aviões no chã?
Nós aliviámos. Por volta da segunda ou terceira semana de Novembro, o nosso lucro operacional começou a ser positivo. Portanto, nós começámos a fazer um certo lucro operacional. Em meados de Dezembro, começámos a ter um novo prejuízo operacional e nestes meses difíceis, Janeiro e Fevereiro. em Março e Abril, nós vamos de novo estabelecer o lucro operacional, sem contar com o valor da dívida, obviamente. Porque grande parte deste custo operacional é canalizado para servir a dívida e é esta dívida de que estamos a falar. Em Abril, nós já estaremos em contacto com uma nova empresa de logística ligada aos mega-projectos e que já nos avaliou e disse que está disponível para usar os nossos serviços, o que significa um grande movimento a uma boa tarifa, a partir de Pemba para Joanesburgo.
Qual é a perspectiva em termos de horizonte temporal concreto para ver a LAM a ter lucros efectivos?
Nós começámos a fazer lucros em Janeiro, fizemos em Novembro, mas eu insisto nos custos operacionais, custos versus receitas e agora estamos de novo no vermelho, como se costuma dizer. Nós estamos a pensar que a partir de Maio já estaremos com o lucro operacional positivo.
No vosso plano, quais são as prioridades de investimentos para os próximos anos?
A primeira prioridade é formar as pessoas em patamares mais altos, mas logo a seguir é renovar a frota. Nós temos de ter uma frota e estamos a pensar em chegar ao fim de 2021 com cerca de quatro ou cinco Boeing 637 Max, de preferência, que são os novos aviões, e uma frota de Q 400, também quatro a cinco, mas novos e não usados, como temos vindo a fazer. Temos que investir algum valor em termos de infra-estruturas, nas províncias de Cabo Delgado e Zambézia, onde os grandes projectos se vão estabelecer. Isso só faremos quando a empresa estiver com alguma estabilidade operacional.
E por falar em renovar a frota, enquanto assumia o cargo de Administrador Técnico Operacional, a LAM encomendou à Boeing três aviões. E esse processo de encomenda requereu da empresa algum pagamento que não teve como reaver porque decidiu cancelar a compra. Qual é o ponto de situação dessa negociação para que esse valor não se perca em definitivo.
Nós estamos desde Março de 2017 em negociações com a Boeing para podermos usar esse valor. Obviamente que o contrato não prevê, nem a devolução desse valor, nem o cancelamento da encomenda, mas existem alternativas e a Boeing está a trabalhar nelas neste momento, para ver se podem financiar alguma compra de material que seja relativo ao produto Boeing ou então ir atrasando até nós termos novos aviões que podemos tomá-los e operar ou então recebermos da Boeing e depois negociar com alguém caso isso não esteja dentro da nossa ambição.
De que valor estamos a falar exactamente?
Os depósitos são um pouco mais de 20 milhões de dólares e geralmente são 1 a 3% do valor total da encomenda mas isso depende, obviamente das condições contratuais e dos produtos que nos vai oferecer.
Vê com bons olhos a liberalização do espaço aéreo?
Neste momento, o mercado é muito pequeno para ter este número de companhias a funcionar, tanto é que nós já nos emparceirámos com a Fastjet para partilha de alguns voos. Com isso, vamos fornecer o melhor serviço ao público. Portanto, a entrada destes operadores já ajudou, de certa maneira, não só para baixar a tarifa, como melhorou a flexibilidade do horário disponível ao passageiro.
Por que os preços dos bilhetes são bastante altos? O que determina o preço para que ele seja muito alto e qual é a sua perspectiva de redução do preço?
O que determina o preço de bilhete é o custo de capital do avião, que é elevado, distribuído pelas horas de voo. O outro componente é o combustível, que custa cerca de 50 por cento das nossas operações. Também temos a manutenção, que é um componente caro do avião. A par disso, temos formação de pilotos, de mecânicos e os seguros.
E os Aeroportos de Moçambique? As taxas pagas pela LAM também são incorporadas no bilhete?
Sim. Essa taxa é passada para o passageiro. Os aeroportos são infra-estruturas de custos extremamente elevados, as exigências de combate ao incêndio, operações de rádio e do porto de controlo são muito elevadas. E quando isso é dividido por um número baixo de passageiros, o custo é alto. Então, a taxa tem de ser alta… Imagina, em Lichinga, há dois voos por dia, sendo que podia ter 20 ou 30 voos por dia, o que faz com que esta taxa seja distribuída por esses poucos voos.