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Recursos minerais pilhados e colocados no circuito ilegal

Rico, mas pobre. É esta dualidade que resume uma província do norte de Moçambique chamada Nampula, a mais populosa do país, uma das mais extensas em termos de território, com grande ocorrência de recursos minerais como areias pesadas, ouro, quartzo, calcário, amazonite, turmalinas, cuja exploração contribui com apenas 13.1% do PIB daquela província, e a incidência da pobreza era de 57.1%, até à data do último IOF/2014-15. Enquanto isso, a exploração e o contrabando de recursos minerais alimenta um grande circuito ilegal que enrique a gente de longe.

São sete distritos em Nampula com ocorrência de pedras preciosas e semi-preciosas, a saber: Moma, Mogovolas, Ribáuè, Nacala, Monapo, Muecate e Lalaua. Este último foi o nosso ponto de partida da nossa investigação sobre a extracção ilegal de recursos minerais.

São 216 km da cidade de Nampula até à vila-sede de Lalaua. O percurso é de difícil acesso devido ao terreno acidentado (atravessando montanhas), mas isso não impede a entrada de “patrões” que vão atrás de quartzo que é extraído numa zona onde para chegar são necessárias, no mínimo, 7 horas partindo da cidade de Nampula.

Na vila-sede do distrito de Lalaua, encontramos as primeiras evidências dessa actividade ilegal. Numa viatura “todo o terreno”, parqueada no recinto aberto do comando distrital, carregada de uma enorme pedra de quartzo, cuja avaliação do seu valor no mercado fica por ser determinada pela equipa de especialistas que deverá seguir para o efeito.

“Este quartzo foi apreendido com umas pessoas que eram portadoras da licença de comercialização e de cartão de operador que vieram pedir a guia de circulação. Só que não conseguiram provar a origem do quartzo, onde obtiveram e consecutivamente acabou, o quartzo, por ficar apreendido até que consigam provar a origem”, esclareceu Obete Matine, inspector-geral do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREM), que liderava uma equipa que durante dois dias percorreu vários distritos a inspeccionar a actividade mineira na província de Nampula.

A zona onde é extraído aquele minério fica numa montanha circundada de uma floresta densa. No local conseguimos ver várias escavações de até dois metros e meio de profundidade, onde com recurso a picaretas e pás, os garimpeiros ilegais arriscam a sua vida para conseguirem o “produto dos patrões”. Esses patrões, como dizem as comunidades locais, são cidadãos chineses que sãem da cidade de Nampula, compram o quartzo e exportam.

“Esses patrões são chineses”, confimou Joaquim Alberto, garimpeiro ouvido pela nossa reportagem. Sobre o preço por quilograma: “são 150 a 200 contos”.

Na natureza existem vários tipos de quartzo: o quartzo lino, quartzo branco, quartzo rosa, quartzo azul, quartzo barba e tantos outros. O seu valor comercial depende de factores como brilho, peso e transparência e é usado na joalharia para a produção de objectos de adorno.

“Fiomos comunicados, há aproximadamente dois meses, que tinha dispoletado aqui uma mineração ilegal de quartzo ialino e quartzo barba. Viemos para verificar o que está a acontecer e podermos encontrar as medidas apropriadas para estancarmos esta situação”, avançou o inspector-geral.

Numa outra frente, o distrito de Memba, na parte costeira, o garimpo é de ouro.

Escalamos um dos pontos que era curso de um rio e encontramos centenas de crianças, jovens e adultos de ambos sexos, envolvidos numa corrida desenfreada pelo ouro, que depois vai brilhar noutras paragens do país e do mundo. Parte do ouro existente no ponto onde estivemos chega arrastado pela corrente do rio, de uma zona próxima que se supõe que tenha muito, mas outro encontra-se no subsolo, o que justifica as inúmeras escações com até 25 metros de profundidade que são feitas diariamente.

“São 280 meticais (o grama de ouro)”, disse Jacinto Paulino, garimpeiro ilegal de ouro em Memba e quando o questionamos sobre os compradores, respondeu: “são patrões que estão aqui em Memba”. Todavia, o ouro é o único minério que tem um valor fixo no mercado internacional, fixado em 57 dólares por grama, o equivalente a mais ou menos 4 mil meticais.

“A solução que sugerimos para esta área é o licenciamento e a entrega a uma entidade que vai operar respeitando as quatro dimenções essenciais”,  concluiu Obete Matine, tendo garantido que esse processo deve incluir o benefício para as comunidade circunvizinhas, o emprego para os jovens que já vêm praticando a mineração e pagando as respectivas taxas ao Estado.
Mesmo sem poder ter a informação precisa, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia caucula que circulem mensalmente, no circuito ilegal, cerca de 250 kg de ouro.

 

Inspectores do MIREM suspeitam que sala VIP do aeroporto de Nampula seja usado para passagem ilegal de recursos minerais

É uma denúncia que vem de profissionais que têm a missão de controlar os recursos minerais que são explorados em Moçambique e transportados para outras partes do país ou mesmo para o exterior. Para além do circuito ilegal rodoviário, os inspectores da direcção provincial de Recursos Minerais e Energia, em Nampula, desconfiam que a partir da sala VIP do Aeroporto Internacional de Nampula estejam a sair muitos minérios conseguidos de forma ilegal.

“Nós não temos acesso à sala VIP para a fiscalizar qualquer tentativa de exportação ou mesmo de tráfico de recursos minerais. Temos a mesma dificuldade com o pessoal do catering. Não temos acesso para fiscalizar o pessoal de catering. Acreditamos que por essas duas portas provavelmente possa acontecer algum contrabando”, denunciou Adelto Cumbana, inspector-chefe dos recursos minerais e energia na província de Nampula.

A vulnerabilidade do Aeroporto Internacional de Nampula é grande, pelo facto de não ter a máquina de inspecção não intrusiva operacional, vulgo scanner, há anos e por outro lado, há fortes indícios de operar naquela fronteira aérea uma rede de facilitação de passagem de produtos ilícitos, que ao que tudo indica encolve agentes da polícia, de migração e outros funcionários públicos afectos naquele posto.

O número 1, do artigo 5 do Regulamento da Actividade Inspectiva dos Recursos Minerais e Energia (aprovado pelo decreto n° 34/2019, de 2 de Maio), determina que “As actividades inspectivas e de fiscalização incidem sobre todos os locais de prospecção, pesquisa, produção, tratamento, processamento, comercialização, trânsito e circulação e outros locais que se suspeite que haja posse, circulação e comercialização ilegais de minerais e produtos petrolíferos e energéticos”. No número 2 do mesmo artigo acrescenta-se: “Sempre que a acção se justificar, a IGRME procederá a fiscalização nos referidos locais em coordenação com outras entidades”.

E sobre os poderes do inspector, o artigo 17 do regulamento em alusão diz o inspector goza de livre-trânsito e de aceder a todas as instalações e áreas de operações, prospecção e pesquisa, produção, tratamento, transporte, armazenagem, distribuição, comercialização e exportação de recursos minerais e dota o inspector de  direito a: “Revistar ou mandar revistar qualquer passageiro e tripulante que pretendam embarcar aos navios, aeronaves ou outros meios de transporte e quaisquer pessoas suspeitas de posse e circulação ilegal de recursos minerais.”

Sobre este assunto, aprofundaremos nas próximas edições deste jornal,  entretanto, a nossa equipa de reportagem soube que existem outras entidades que intervêm na gestão das salas VIP nos aeroportos em Moçambique, e a empresa Aeroportos de Moçambique submete-se aos protocolos definidos.

Enquanto isso, esta semana começa a recepção de propostas fechadas para a venda em hasta pública de minerais apreendidos na província da Zambézia, que perfazem um peso bruto de 3500 kg. Trata-se de tantalite processado e não processado, quartzo e vários outros produtos.

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