Saído do completo anonimato pelas mãos de Júlio Rito, Henrique Pedrosa, Martinho de Almeida e outros homens do desporto com “H” maiúsculo, o benfiquinha de Lourenço Marques em poucas temporadas virou Costa do Sol ganhador, clube de primeira linha que venceu dois campeonatos nacionais no final da década 70.
Um regalo. O Estádio da Machava, cheíssimo, deu várias vezes corpo a tardes e noites de futebol absolutamente irrepetíveis. Os “canarinhos” tinham um Nito que começava as jogadas atrás, subindo e descendo pela sua ala como se existisse um alçapão; Adelino Caldeira, era o GPS por onde passavam todas as ideias centrais do jogo, coadjudvado por Sergito e Ramos; à frente, Gil e Luís, “trituravam” as defesas, mercê de um conjunto de argumentos e alternativas muito raras no desporto-rei.
Foi o ciclo de ouro do Costa do Sol e, consequentemente, do futebol do país, que então abria os olhos para o nosso Continente. Dono e senhor na competitividade interna e a pensar em altos voos, os dirigentes não se sentaram “à sombra da bananeira”, a curtirem os sucessos. Bem pelo contrário “burilaram” uma das mais originais e exitosas experiências viradas para o futuro – programada, pensada e executada com rigor – cujo sucesso não se fez esperar. É o que vamos relatar.
Um laboratório chamado Pembinha
Muito embora o clube tivesse uma equipa de reservas para onde os jogadores saídos dos juniores iriam explanar as suas capacidades, lutando por uma oportunidade diante dos galáticos de então, os dirigentes do clube deitaram mão à potenciação de um seu “satélite” – o Desportivo de Pemba, mais tarde conhecido por Pembinha – e enviaram quase uma equipa, mais o respectivo treinador, para um projecto de quatro anos, que permitisse a curto prazo render, sem sobressaltos a representação principal.
É verdade e ficou neste caso provado, que as grandes vitórias organizam-se e preparam-se. Jogadores como Riquito, Pintaínho e outros, irmanados e orientados por Arnaldo Salvado, fizeram história no Campeonato Nacional de então. E que se não pense que o que aconteceu foi um mero “despejar” de jovens “machanganas” numa cidade do Norte, como hoje acontece. O grupo sabia ao que ia, tinha direitos e obrigações. Desde logo, com perspectivas. Os que eram estudantes tinham que continuar os seus cursos, os outros tiveram um enquadramento laboral. Com um plano estruturado, os jovens “canarinhos” iam às escolas e bairros motivar a criançada para o desporto, demonstrando que os seus feitos eram produto de muita aprendizagem e entrega. Os jogadores locais com grandes capacidades, eram chamados a integrarem a equipa, em situação de perfeita igualdade de oportunidades.
Quatro anos volvidos, o regresso. Que deixou muitas saudades e um nome que nunca se apagará: o Pembinha! A arte, a cumplicidade do grupo e a integração de outros jogadores, sob a “batuta” de Salvado, de imediato projectou-os para a senda do sucesso. Aconteceu então uma renovação natural na equipa principal, a qual conferiu muitas alegrias e títulos aos “canarinhos”.
Tudo isto foi planeado e executado no nosso país, por moçambicanos. Os custos, seguramente que estarão muito aquém do que se gasta em meia dúzia de anos a contratar estrangeiros de qualidade duvidosa que não assumem a mística do clube e a realidade do país facilmente. A pergunta é: porque não se replicam projectos destes?
Alguém me respondia que planos com cabeça tronco e membros, para lá do grande esforço organizativo que implicam, não se compadecem com a pressão do imediatismo actual. Nesta altura, a preocupação é aumentar de 3 para 5 jogadores estrangeiros em cada equipa, colher frutos imediatamente, de forma a justificar verbas alocadas e esconder a “preguicite” que campeia nos clubes.