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Projecto lusófono leva café sustentável a Moçambique e beneficia comunidades

Sem histórico expressivo de produção de café para fins comerciais, Moçambique faz parte do acordo trilateral entre Brasil e Portugal, que tem o país como beneficiário. Intitulado “Produção Sustentável de Café no Parque Nacional da Gorongosa e Sistema Agroflorestal Integrado no Contexto da Desflorestação, Alterações Climáticas e Segurança Alimentar”, o projecto prevê, entre outros objectivos, a formação de agricultores moçambicanos.

“A vida mudou muito, muito mesmo. Agora consigo alimentar a minha família. Antes do projecto, estava sem trabalho e era muito difícil comprar alimentos e vestuário. Foi uma mudança muito positiva”, o testemunho é do produtor moçambicano Eugideo Alberto Braga, morador do Parque Nacional da Gorongosa, sobre o projecto desenvolvido por pesquisadores brasileiros e portugueses, falando para a Conexão Safra.

Mas, todo esse trabalho só é possível graças ao vasto conhecimento e tecnologia empregados ao longo de décadas na cafeicultura brasileira, aponta o pesquisador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus São Mateus, e coordenador da parte brasileira no projecto, Fábio Luiz Partelli,

“Todo o histórico de conhecimento adquirido ao longo de décadas que o Brasil tem em produção, na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico da lavoura cafeeira, nos permite essa ajuda a Moçambique no manejo das lavouras, naquilo que é possível dentro da realidade deles”, pontua o especialista brasileiro.

INICIATIVA ENVOLVE AGRICULTORES E ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Se de um lado os conhecimentos são transferidos na prática, por meio do ensino de técnicas de gestão com eficácia comprovada, por outro, a troca dá-se através de pesquisas de mestrado e doutoramento. Ao todo, 17 bolsas de estudos foram oferecidas aos moçambicanos.

Niquisse José Alberto , de Nampula,  é um dos beneficiados. Formado em ciências agrárias, actualmente vive no Brasil onde já concluiu o mestrado e iniciou o doutoramento em genética e melhoramento na Ufes.

Vinculado ao núcleo de pesquisa de excelência em café conilon da universidade, em paralelo aos estudos no Brasil, Niquisse também contribui com a pesquisa feita no Parque Nacional da Gorongosa, onde é avaliada a diversidade do café arábica.

“Uma grande oportunidade de fazer o mestrado e doutoramento num país de alta tecnologia e ‘expert’ na cultura de café. Com as experiências e conhecimentos adquiridos aqui, vou poder contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável da cafeicultura em Moçambique que, por sinal, como nova fronteira na cafeicultura, vai ser significante no ponto de vista social e económico das famílias envolvidas, bem como para a biodiversidade no contexto de mudanças climáticas”, explicou o doutorando.

Crimildo Cassamo, da Cidade de Maputo, defendeu, em Julho do ano passado, a sua tese de doutoramento, intitulada “Produção sustentável do café em Moçambique e sua qualidade em sistema agroflorestal da Serra de Gorongosa”. O trabalho de campo foi feito na Serra da Gorongosa e a parte de laboratórios, em Portugal, país com uma longa história de intercâmbio científico com o Brasil.

“Considero essa uma oportunidade única. Eu integrei-me a uma equipa de pesquisa em café com longa tradição e de renome internacional. Tive a oportunidade de aprender e vivenciar experiências com assistência do pesquisador de um país que é o maior produtor em nível mundial, o Brasil. A cafeicultura no meu país é bastante embrionária e sem tradição de produção comercial, embora haja condições de cultivo em algumas zonas. Com essa aprendizagem, poderei contribuir para o estímulo do relançamento e do fomento da cultura em Moçambique”, destaca Crimildo Cassamo.

Executado pela Ufes, Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa e Parque da Gorongosa, e financiado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Ministério das Relações Exteriores, Administração Nacional de Áreas de Conservação (Anac), Ministério da Terra e Ambiente de Moçambique, Camões Instituto da Cooperação e da Língua de Portugal, o projecto, assinado em 2017, beneficia cerca de 500 famílias de agricultores do Parque Nacional da Gorongosa em situação de vulnerabilidade social.

Implantado numa área de cerca de 240 hectares, a meta é produzir café de qualidade, orgânico, cultivado sob espécies nativas do parque e, assim, amenizar os efeitos da deflorestação, aumentar os rendimentos por meio da produção e promover a segurança alimentar na região.

Fábio Partelli explica que Moçambique tem solo e clima ideais para o cultivo do café. Porém, até à chegada dos pesquisadores brasileiros e portugueses, a cafeicultura resumia-me em plantar. Com potencial de produção médio, por ser uma área limitada e com muitas árvores, o conhecimento dos pesquisadores e as experiências e pesquisas citadas pelo professor ajudaram os moçambicanos a obter resultados positivos.

“Moçambique tem potencial de solo e clima, mas é um processo lento. Tudo é mais devagar que no Brasil para acontecer. Ajudamos nas orientações para ter uma produção melhor, correcção do solo, adubação; ajustamos os espaços e orientamos um local de secagem, entre outras práticas”, disse Partelli.

Inicialmente, o acordo terminaria em 2022, mas, devido à pandemia da COVID-19, as acções integradas vão durar mais um ano. O projecto será concluído com a produção de um manual sobre cafeicultura.

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