Tenho estado a acompanhar o desenrolar da fita dos eventos que marcam a actualidade sociopolítica do país. Nela, sobressai nitidamente o papel da imprensa nacional, marcada pelo desempenho individual de jornalistas ou analistas políticos, que se perfilam nos painéis de debates televisivos e radiofónicos, quase todos em conformidade com as narrativas político-partidárias pelas quais nutrem simpatia ou militam. E, muito de forma “avulsa” nas redes sociais, como o Facebook e WhatsApp, engajam-se outros fazedores de opinião que, regra geral, também se alheiam à análise isenta dos fenómenos. Historicamente tal disposição vem herdeira do cenário criado logo após a assinatura dos Acordos de Roma, em 1992, ano igualmente do lançamento do primeiro jornal independente, MediaFAX, distribuído via fax. Em 1994 é lançado o semanário Savana e o Demos, surgindo daí muitos outros jornais independentes. Um cenário de proliferação dos media em Moçambique conduziu a um posicionamento dos jornais, de acordo com os interesses de cada bloco partidário. O Domingo, tendo a sua paternidade ligada ao partido no poder, Frelimo, direccionou a sua linha editorial a favor deste, em oposição ao semanário Savana, conotado com a oposição, de acordo com Juarez de Maia, citando um relatório da ONG Article 19, que acrescenta, enquanto o Savana pertencente a uma cooperativa de jornalistas da Mediacoop, representava o extremo oposto, anti-governo, de modo geral.
Hoje, a media electrónica também herda essa polarização, pois com a proliferação das televisões e rádios, o anterior cenário se clonaria, com a Televisão de Moçambique a pontificar num extremo, em oposição às televisões privadas, que recai aqui o interesse de tratar apenas dos seus painéis de debatedores que evoluem ao longo das suas edições semanais. O cenário se exacerba no favoritismo que se pode imputar a essas duas naturezas de órgãos. Em seus painéis, numa espécie de replicação dos meramente discursos partidarizados da Assembleia da República, neles não se discute o país, senão os posicionamentos de cada painelista, segundo a sua orientação partidária. Como consequência, esses debates partidarizados conduziram à castração de um sector da intelectualidade moçambicana, temerosa do simples exercício de pensar o país, longe da umbrela dos posicionamentos político-partidários. Não nos referimos aqui à acção castradora de grupos como G40 e outros milícias das redes sociais, disfarçados em historiadores e outras credenciais de natureza académica. Assim, não afastado o espectro dos problemas de cariz social que grassam o país, sobretudo naquilo que ao comum dos cidadãos constitui preocupação, habitação, educação, saúde, alimentação, transporte, o executivo relaxou, anestesiado, de certa forma, pelos argumentos de painelistas arregimentados, ou pela falta de vigor do principal partido da oposição, apanhado na teia da inépcia ou do conforto de benesses. A explosão de dupla deflagração apanhou, no dia 9 de Outubro em diante, a Renamo e o partido no poder nas urnas e nas manifestações contestatórias sem precedentes. Agora, o actual contexto pós-eleitoral evidencia a complexidade dos problemas que os fazedores de opinião andaram a camuflar ao longo dos tempos, a maquilhar, ou a policiar a sua discussão no seio dos diferentes círculos de pensamento na sociedade moçambicana.
As contestações que ganharam maior expressividade no dia 24 de Outubro, logo após a divulgação dos resultados pela CNE, remetem à ideia de que já não há necessidade de se continuar a dar ouvidos a esses fazedores de opinião de cariz propagandístico. A título de exemplo, choquei-me ontem com a publicação do jornalista e “analista político” Gustavo Mavie, que tende a continuar a infantilizar o cidadão moçambicano, induzindo que esteja simplesmente a ser manipulado pelo ocidente, tendendo a velha estratégia de seguir maquiando os problemas, procurando também vender a ideia de que SAIBA PORQUÊ AS MARCHAS DE VENÂNCIO MONDLANE SÃO MUITO TEMIDAS, MAS JÁ NÃO SÃO AS DA FRELIMO E DOS MADGERMANES, com a qual infunde que “O que provou que as marchas convocadas por Venâncio Mondlane são temidas pelas pessoas, é que as que a FRELIMO convoca, como as que se realizaram no sábado último dia 26, não levaram as pessoas a ficarem em casa. As pessoas circularam à vontade, e as lojas estiveram abertas, como estiveram os mercados formais e informais”, mas todo aquele que pode ver com alguma equidade sabe que a manifestação do passado dia 21 foi pacífica até ao ápice em que a polícia desatou a açoitar os manifestantes com gás lacrimogéneo. A omissão aqui da acção que desencadeou a confusão visa, como sempre, maquilhar um problema, ora a traduzir-se não tão-somente na má actuação da polícia.
É de se entender que se Venâncio incita o povo à violência, antes esses pronunciamentos propagandísticos, ou lambebotícos, podem ter contribuído para que os sucessivos governos fossem cada mais insensíveis às aspirações populares. Este é o tempo preciso para que alguns “analistas”, pelo menos por alguns meses, observem um período sabático, de modo a dar lugar à lucidez, a fim de que esta possa conduzir o país, sem ruídos, ao caminho do entendimento e da paz.
Por outro lado, com a ascensão do PODEMOS à categoria de partido com assento parlamentar, novos ventos sopram e com eles novas vozes de candidatos a novos milícias, e parecem interessadas somente em mudar o sentido da propaganda e nisso iniciam o pré-interrogatório. Há dias publiquei, na minha conta do Facebook, o poema “FÁBULA DE FIM DO JOGO: Um irmão de vermelho por fora/Frenético dança vitória/Seu irmão de vermelho por dentro/Enérgico marcha mesma vitória / (…) / De prata a taça da vitória / E de ouro o sangue que irriga o brinde / Numa cruzada de fogos de artifício! E, para meu espanto, um amigo da plataforma foi logo interpelar-me com a questão: “De que lado da fábula estás encostado?”
Buscar saber de um escritor o seu posicionamento político-partidário é no mínimo inqualificável. Não pertencer a um partido político não significa passividade perante a violência contra terceiros. Por isso o meu poema e, como escritor, respondo agora: encosto-me à minha própria consciência, essa consciência que liberta o homem para interagir com o meio como cidadão, sem olhar as cores partidárias. Finalizo reafirmando que este não é tempo para discursos de anacrónicos comissários, venham eles de que partido for ou quadrante, pois agora, como se não nos bastassem os nossos próprios comissários políticos, interfere um Agualusa a afinar a voz ao canto bolsonarista. O nosso País atravessa uma grave crise, o momento requer serenidade e não distracções de malabaristas discursivos em busca da perenidade ou de lugar ao sol: Tirem já umas férias!