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Ponte de Mahau desaba e isola Catuane em Matutuine, Província de Maputo

Foto: O País

Mais de seis mil pessoas estão isoladas em Catuane, distrito de Matutuine, depois do desabamento da ponte que liga aquele posto administrativo ao resto da Província de Maputo. A infra-estrutura em causa foi reabilitada no ano passado e foram gastos quase 10 milhões de Meticais.

Partimos da Cidade de Maputo, capital do país, com destino ao posto administrativo de Catuane, distrito de Matutuine, Província de Maputo, seguindo as marcas deixadas pelas chuvas para contar histórias a partir daquela local que, ciclicamente, fica isolado, quando chove.

Seguimos viagem e trinta quilómetros depois da vila-sede da Bela Vista, encontrámos o primeiro obstáculo: a força das chuvas cortou a estrada e deitou abaixo a “ponteca” de travessia.

Para podermos atravessar, alguns trabalhos tiveram que ser feitos. Ainda assim, só passaram dois veículos e a administradora do distrito de Matutuine desistiu do percurso. Depois de quase 30 quilómetros da Vila Sede da Bela Vista, um primeiro obstáculo… estrada cortada

Vários braços, uma só força e um só objectivo: chegar a Catuane e outras comunidades vizinhas. A ideia era fazer uma pequena rampa para travessia.

Entre os homens que emprestaram a sua força está Lázaro Zunguza que havia três dias que não conseguia chegar à sua comunidade.

“Depois de passar Boane, ouvi dizer que a via estava fechada e tive que esperar por algumas horas porque tudo estava no mesmo cenário”, contou Lázaro Zunguza, residente de Mahau.

Um cenário que não foi tão complicado quanto à vontade de voltar à casa e abastecer a comunidade com produtos adquiridos na Cidade de Maputo.

“Eu fui pedir uma enxada e pás para podermos consertar a via. Os trabalhos correm muito bem e vamos atravessar. O sítio estava muito mal. Os carros não passavam e era perigoso até para as pessoas”, acrescentou.

Contra todos os riscos, passaram só dois carros e os restantes ficaram por terra.

Impossibilitados de passar com os seus próprios carros, a administradora de Matutuine e alguns directores desistiram e voltaram pelo caminho.

Para atravessar um riacho cuja ponte desabou, a nossa equipa de reportagem socorreu-se de um tractor e foram duas horas de viagem até chegar à comunidade de Mahau.

Em Mahau, a ponte que liga a comunidade a Catuane e outras três está desabada e a viagem por terra ali terminava. Ninguém entra e ninguém sai. A população está desesperada.

A preocupação, para já, não é mais com a chuva, mas com a ligação entre comunidades que foi cortada.

“O nosso destino está nas mãos de Deus. Quando pararem as inundações é que poderão vir reparar a ponte porque há carros que foram para Catuane carregar tomate e ficaram lá retidos. O nosso maior hospital está em Catuane, mas não temos acesso e as crianças não vão à escola”, narrou Álvaro Zunguza, morador de Mahau, comunidade limite com Catuane.

Com a ponte desabada, a vida pára nas quatro comunidades que dependem dela.

“A vida não anda porque os que estão daquele lado estão sitiados e nós também. Os que estão daquele lado não conseguem atravessar para vir comprar pão ou fósforo. Não têm lume, não fazem nada. Estão retidos e a passar fome. Nós também não temos acesso a Boane, onde compramos comida”, lamentou Alice Evaristo, também moradora de Mahau.

A falta de electricidade e de comunicação piora a situação das comunidades.

“Não temos rede de telefonia móvel. Não nos comunicamos telefonicamente. Os que estão em Incassane e Maduvula passam por aqui, mas não há caminho. Os que estão em Chigalagalene não conseguem chegar cá. Compram aqui a comida, mas não há caminho. A água fechou tudo”, detalhou.

Diante deste drama, os moradores de Mahau e outras comunidades pedem a reposição da ponte, que foi reabilitada no ano passado e custou quase 10 milhões de Meticais.

A administradora do distrito de Matutuine diz que a solução para as comunidades isoladas é uma ponte metálica, mas não fala de datas.

“Se nós estamos a falar de Mahau, mais de seis mil pessoas estão isoladas, estamos a dizer que elas (as pessoas) têm de comer. Então, terão até esta segunda-feira. Depois disso, sentirão falta de alimentos. É uma situação que nos preocupa e consta do nosso plano de acção. Nos esforços que estamos a fazer, temos que contemplar esse número de pessoas. Daqui a nada, vamos ter falta de alimentos para aquelas pessoas. A solução é a ponte metálica, mas sem previsão, pois tem de ser ao mais alto nível”, explicou Júlia Mwitu, administradora do distrito de Matutuine.

Em todo o distrito de Matutuine, mais de mil alunos viram as suas aulas condicionadas devido às chuvas.

 

MAIS DUAS MIL PESSOAS ISOLADAS NO CENTRO DE UMBELUZI

As vítimas das cheias que estão na estação de tratamento de água de Umbeluzi, em Boane, receberam, ontem, pela primeira vez, visita de uma autoridade e comida. Os afectados queixam-se, entretanto, da falta de condições no centro de acomodação e de técnicos de saúde.

Pela primeira vez, um helicóptero sobrevoou o distrito e a vila de Boane, Província de Maputo, depois de quase uma semana de cheias.

A imagem vista de cima foi de um rasto de destruição causado pela fúria das águas, uma parte de Boane ainda inundada e melhorias significativas em casas que estavam totalmente submersas.

O destino da viagem era o centro de acomodação que se localiza na Estação de Tratamento de Água de Umbeluzi que acolhe mais de dois mil afectados.

As vítimas das cheias, que estão neste local, nunca tinham recebido visita de uma autoridade governamental, porque as embarcações sequer chegam e há cinco dias que não comem.

“Eu sou idosa, mas cultivando, consigo alguma coisa para comer. Sem isso [agricultura], como é hei-de viver?”, perguntou retoricamente Rosália Macuácua, vítima de cheias que está no centro de acomodação.

A reclamação comum é a falta de alimentação, mas há quem é grato por, pelo menos, ter conseguido salvar a sua vida. Até porque ainda é possível cozinhar o pouco que conseguiram recuperar das águas.

“Eu posso dizer que estou mais ou menos. Há quem está em cima de árvores e não come nada. Nós estamos num sítio seguro. A única reclamação é alimentação”, disse Marta Magaia, vítima de cheias.

E neste domingo, através de dois helicópteros, chegou a comida para famílias isoladas no centro de acomodação.

“Isto está tudo ilhado. Nem os barcos conseguem chegar a este centro. Viemos para dar aconchego, pedir calma e para que as populações se organizem de modo a que este pequeno apoio que estamos a trazer de helicóptero possa servir, pelo menos, para uma refeição ver, in loco, o drama das populações. São pessoas que não conseguem voltar às suas casas”, afirmou o edil de Boane, Jacinto Loureiro.

Não conseguem voltar às suas casas e os dias nunca serão os mesmos. As noites são passadas em condições dramáticas.

“Aqui, nós estendemos capulanas. Eu e os meus netos somos 10 numa capulana. O meu vizinho e os seus netos são seis numa capulana. É assim que dormimos. Outros chegam a 15. No pavilhão dois, a situação é pior. As pessoas dormem apinhadas”, contou Regina Matavele, vítima de inundações.

Dormindo nestas situações e com tantas pessoas no mesmo lugar, as vítimas das cheias receiam a eclosão de doenças como cólera e malária. “Onde há pessoas acantonadas, há muitas doenças, como diarreia, malária e cólera. Então, pedimos tratamento médico e redes mosquiteiras”, pediu António Massingue, vítima de cheias.

Não há, no centro de acomodação, um técnico de saúde para atender aos doentes. “Desde que chegámos ao centro, nunca tivemos médico. Há pessoas com tensão alta, asma e mães com dificuldades para amamentar as crianças. É uma situação crítica”, denunciou Castigo Tovela, também vítima de cheias.

E já se ouvem relatos de doenças no centro de acomodação. Enquanto gravávamos o apontamento de reportagem, duas pessoas, uma delas mãe com bebé ao colo, queixavam de sintomas de cólera.

Em relação aos profissionais de saúde, as autoridades garantem que tudo está a ser feito para que alguns técnicos sejam destacados para os centros de acomodação.

Até este domingo, tinham sido resgatadas, em toda a Província de Maputo, mais de 15 mil pessoas.

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