Foto: Sérgio Manjate
Naguib está preocupado por não compreender como será aplicado o 1% do Orçamento do Estado às artes e à cultura. O artista plástico defendeu, esta segunda-feira, em Maputo, a criação de uma Lei, de uma União e de um fundo do Artista. Enquanto isso não acontece, sugeriu que o Governo explicasse como será utilizada a percentagem no sector em que actua.
No último fim-de-semana, Moçambique comprometeu-se em aplicar pelo menos 1% do Orçamento do Estado (OE) ao sector artístico e cultural até 2030. O compromisso foi assumido no encerramento da Cimeira da União Africana e, alguns dias depois, surgem algumas reacções, afinal, a esse respeito, de acordo com Naguib, nada está claro em termos de aplicação e de gestão. Por isso mesmo, do seu jeito vertical, acutilante às vezes, o artista plástico aconselhou, primeiro, para que os seus colegas não entrassem em euforia. Segundo, reconheceu o bom trabalho que Eldevina Materula está a realizar no Ministério da Cultura e Turismo e, terceiro, confessou o seu desconforto quanto ao prazo da iniciativa aprovada na União Africana.
Fundamentalmente, Naguib considera que a aplicação do 1% do Orçamento do Estado às artes e cultura é urgente e não se pode adiar para daqui a nove anos. Paralelamente, faz-lhe confusão a falta de definição para que é que servirá esse 1%. “Não sabemos quem vai gerir esse 1%. Será o Ministério da Cultura ou os artistas? Para que fim será destinado esse 1%? Estamos a falar de 1% num universo, se calhar, de 20 mil artistas, em todas as áreas. Acho que os artistas, nós os artistas, devemos ficar calmos até haver uma explicação detalhada pela Ministra da Cultura”. Enquanto isso não acontece, uma incompreensão: “espanta-me que um valor que irá sair do OE de Moçambique tenha sido decidido na União Africana (UA) se já havia esse interesse”.
Com ou sem clareza do 1% do OE para as artes e cultura, Naguib advoga que o Estado tem de criar a Lei do Artista, capaz de definir quem é o artista e por que é artista. Não obstante, o pintor disse que Moçambique deve deixar de colocar à margem as artes. “Por exemplo, a CTA está virada para o lucro e tem sido apoiada pelo Estado e os seus integrantes viajam com o Presidente da República pelo mundo inteiro. E a cultura? Nós temos direito de ir lá para fora e promover o mapiko, o nyau e a timbila. Precisamos desse direito de ter financiamento e não patrocínio, para que também possamos fazer eventos fora do país”, até porque os bancos não são parceiros nessa questão. “Por mais que eu vá aos bancos para buscar financiamento, não terei. Temos que ver a identidade dos nossos bancos. Neles, quem se identifica com nyau? O que é nyau para os investidores estrangeiros?”.
Outra ideia defendida por Naguib tem que ver com outra criação. Para o artista, um selo de incentivo à cultura é necessário. O pintor explicou que se em cada requerimento no país se pagasse mais 5 meticais aplicado às artes e cultura, por dia o sector teria mais ou menos 300, 400 milhões de meticais. “Multiplicas isso por 30 dias e o artista não tem que pedir favor a ninguém. Temos o Estado. Precisamos de vontade política para fazer as coisas. E este é o momento certo para fazer as coisas, porque temos duas pessoas importantes: a Ministra da Cultura e o Presidente da República, porque estão ligados à cultura. O Presidente tem irmãos bailarinos e sabe o que é cultura. Tem essa sensibilidade. A nossa ministra, quando fala comigo, tira o casaco de ministra. Despois volta a colocar quando vai à reunião. Implementar a ideia de 1% para daqui a 10 anos, é muito tempo”.
Criando-se a Lei do Artista, Naguib entende que se seguirá a da União dos Artistas e do fundo específico, com envolvimento das grandes empresas nacionais que dizem apoiarem a cultura. “Chamem a isso socialismo ou não, mas o Estado tem criar um fundo de apoio à cultura porque nenhum artista deve deixar de produxir. Este povo vai-se levantar da COVID quando tiver o apoio dos artistas. A cultura não é lixo, é nossa emoção. E a União dos Artistas não deve estar sob tutela do Ministério da Cultura. Deve ser independente como a CTA. E a Lei do Artista deve discriminar o artista do jovem talento. Ser artista é mais do que cantar, pintar ou escrever”.
No mesmo programa Noite Informativa da Stv Notícias, interveio Quito Tembe. O Director do Festival KINANI não pensa muito na criação de novos fundos ou coisas assim, até porque já existe o FUNDAC e os artistas estão representados na CTA. Como país, afirmou, deve-se revitalizar as instituições que existem, como casas da cultura que podiam servir de incubadoras que dessem voz aos artistas que não têm estúdios e internet para divulgar os seus trabalhos. “Não inventaria novas instituições ou formas de gerir o fundo, mas, com esse 1%, iria repensar nessas instituições de outra reforma”.
A LEI DO MECENATO
É para deitar fora, porque, para Naguib, não serve aos artistas. Como solução, o pintor sugere que se deve obrigar as empresas a fazer com que o apoio que dizem dar a cultura se converte em dinheiro que vai a um fundo por criar. Nesse sentido, claro, é preciso haver vontade política. “Os artistas por si só não conseguem criar uma União deles. Precisam de um envolvimento do Ministério da Cultura. Conheço muitos artistas moçambicanos que são convidados a expor internacionalmente. Não vão porque não têm dinheiro para transportar as suas obras”.
Nesta época de COVID-19, complica a situação dos artistas uma lei que, frisou Naguib, nasceu morta: a Lei do Mecenato. “No passado houve um apoio aos clubes de futebol, que tinham financiamento das grandes empresas. A Lei do Mecenato assenta nas empresas, só que nós somos uma equipa de futebol de 10 mil pessoas. Essas 10 mil pessoas não têm acesso às empresas. Vimos artistas a quererem ter acesso aos fundos e aos financiamentos complemente gorados. Quando uma empresa subsidia um artista, devia ser descontada nos impostos, conforme prevê a Lei do Mecenato. Agora, eu faço a seguinte pergunta: quanto dinheiro as grandes empresas em Moçambique disponibilizam aos artistas por ano? Ninguém sabe. Existe um fundo de apoio mineiro, à agricultura, à CTA, onde está o fundo de apoio à cultura que, por exemplo, apoie Mankeu, que está a ficar cego?”.