Sem surpresas, o Parlamento aprovou nesta quarta-feira, na generalidade, a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2019. A proposta passou com o tradicional voto a favor da Frelimo. A Renamo e o MDM também cumpriram com a tradição, votando contra a proposta. Ao todo foram 132 votos a favor e 74 contra.
O dia começou com a leitura dos pareceres das comissões de especialidade e só mais tarde houve espaço para as intervenções dos deputados. Em muitos casos, mas muitos mesmo, a análise da proposta era substituída por troca de acusações sobre fraude nas últimas eleições autárquicas, sobre corrupção e sobre falta de sentido patriótico. Mas todas as intervenções terminavam com a mesma lógica: a Frelimo apelava à apreciação positiva do orçamento, enquanto a Renamo e o MDM defendiam a sua reprovação.
Mas antes da votação – que aconteceu perto das 15H00, duas horas mais tarde em relação ao horário do término das sessões plenárias – Adriano Maleiane foi ao pódio para dar uma curta aula de Introdução à Economia. E não o fez por mera vaidade. A baixa qualidade das intervenções dos deputados – consubstanciada em opiniões populistas (quer em forma de elogio, quer em forma de crítica) – justificava alguma intervenção.
E como uma boa aula começa com motivação, o ministro da Economia e Finanças escolheu falar da necessidade de os deputados valorizarem o trabalho que está a ser feito pelo governo. “No geral, nós temos a tendência de não valorizar o que estamos a fazer. São outros que valorizam o que os moçambicanos estão a fazer”, criticou, para depois apresentar exemplos de realizações que, aos seus olhos, seriam motivo de orgulho. “A nível da região, Moçambique é o país que está no grupo dos cinco que mais cresceram. Apesar de todos os problemas que temos tido desde 2016, a nossa média de crescimento nos quatro anos será 4.4%. Significa que estamos acima da média africana, que é de 4.1%, e muito acima da média da região, que é 2.8%”. A explicação foi interrompida por uma forte ovação da Frelimo.
Depois da motivação, a lição número um: custo de vida. Maleiane começou por dizer que o custo de vida só será resolvido com trabalho e rendimento. “Não há custo de vida que se vai resolver com discursos”, atirou. E porque um dos indicadores mais relevantes do custo de vida é a inflação, o ministro da Economia e Finanças falou dos números: “Se nós estamos a produzir em média 4.4% e a inflação saiu de 26% em 2016 para quase 5%, quer dizer que o poder de compra das pessoas está a melhorar. Mesmo se não tivesse havido um aumento salarial, o poder de compra teria melhorado. É isso que estamos a fazer, criar condições para que a inflação baixe”.
Neste momento, todos os 206 deputados estão atentos à aula. O ministro/professor aproveita para fazer auto elogios: fala da retoma da economia, fala do regresso dos investidores. E faz questão de lembrar que a economia moçambicana viveu os momentos de glória quando havia maior fluxo de investimento directo estrangeiro e os doadores contribuíam directamente para o Orçamento de Estado. Em 2016, foi o fim da picada. Os doadores retiraram o apoio e o governo ficou sem 10 mil milhões no orçamento. A solução foi rever o orçamento. “Nós viemos aqui e dissemos que a partir de agora para frente vamos viver com base naquilo que temos. Se aqueles que unilateralmente deixaram de nos dar apoio decidirem voltar, vai ser um adicional. Mas não contemos com isso”.
Antes de passar para a segunda lição, Maleiane recuperou o tema da motivação. “Quando somos nós os primeiros a criticar o nosso trabalho, as agências de rating não precisam de fazer esforço para nos avaliar. Isso porque nós é que estamos a dizer que estamos muito mal. E eles só põem CCC (indica a probabilidade real do risco do crédito). Mas nós podemos dar trabalho a eles, bastando para tal reconhecer o que estamos a trabalhar”, disse, ganhando mais uma forte ovação da Frelimo.
A segunda lição foi sobre trabalho. Aqui, o ministro/professor falou das três condições necessárias para haja trabalho: esforço físico ou intelectual, expectativa de obter rendimento e a acção deve ser socialmente aceite.
Com esta explicação, o ministro queria passar a ideia de que mais do que o emprego, o mais importante é o trabalho. “Vamos exigir ao Estado que crie as condições para que aquilo que queremos fazer não seja impedido por questões de burocracia. É isso que o Estado deve fazer. O Estado não faz tudo, mas cria condições”.
Entre lições e esclarecimentos de mal-entendidos, a aula finalmente terminou ao fim de uma hora. Uma hora feita de um silêncio inusitado e apenas interrompido pelas ovações da Frelimo.
A presidente da Assembleia da República abriu espaço para as insistências, mas nenhum deputado pediu a palavra. Deve ter sido uma aula magna.