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Os “Jardins de sonhos” no carnaval de cores com Languana

Por: Domingos Mucambe

 

No cair do pano escuro, as trevas inundavam a Cidade de Maputo. Ao longo da Kim Il Sung, ouvia-se ainda orquestras de pássaros nas árvores. Os chilreios pressagiavam e (pré)prefaciavam a exposição inaugurada precisamente às 18 horas deste dia 3 de Julho, na Fundação Fernando Leite Couto.

“Jardins de sonhos”, afinal as árvores e aves ainda prenunciavam muito mais, foi um constante desafio e atracção para os apreciadores das artes: as cores vibrantes, as figuras de aves, de árvores, de seres humanos e outros delírios, que bailam entre si, entre os espectadores, confundiam-nos e abraçavam-nos forte. Entre caras e caretas, figuravam as certezas nos rostos, que iam desaparecendo a cada pintura apreciada ou confronto na aguarela de Languana.

Como adiantou a curadora, Yolanda Couto, “entro neles [os quadros] devagar, como se acordasse às primeiras horas, entre o consciente e o inconsciente […]”.
Aldino Languana (n. 1972) expõe-nos, entre aspas, muito mais do que os papéis pintados com aguarela. Acaba descortinando um pouco a sua pele e acabamos por espreitar a sua alma, “os seus espíritos nocturnos invisíveis”.

Com vasta experiência, o artista passou por vários ateliers de grandes mestres, como João Tinga. Efectuou também exposições colectivas, já são cinco só este ano entre núcleo das artes e Galeria do Porto de Maputo, e exposições individuais, que, com “Jardins de sonhos”, contamos sete.

A sessão de abertura da nova individual de Languana contou com a presença de várias figuras proeminentes das artes, entre poetas, pintores, críticos e filosófos. A introdução com o poema laudatório esteve na responsabilidade do poeta Alvin Cossa, que nos levou, em ronga, talvez, a uma volta à infância de Languana, afinal, “uma vez criança, para sempre criança”.

O poema declamado por Alvin Cossa, em ronga, foi de encontro com a camada mais velha, da terceira idade, e daqueles que só entendem a língua. Para os mais afro, que acederam, ao evento, foi uma ode… Para outros, foi uma contextualização do artista e da exposição. Situou-se tanto o artista como a obra em algum espaço, e, talvez, num certo tempo. Para outros outros ainda, Cossa revitalizou a língua bantu e difundiu a cultura. Contudo, em geral, a temática da poesia perdeu-se entre palavras complexas, metáforas e analogias que fugiam do entendimento dos jovens que lá se encontravam. Carregou-se o ronga e, com o que dava para captar e ouvir, criou-se um ambiente anímico que, posteriormente, descobrimos que não era genericamente propício para a exposição muito mais introspectiva. A elevação da voz, a entonação, o stress de algumas palavras, e os gestos bruscos incitavam-nos para euforias e marrabentas.

A seguir ao poema laudatório, interveio o docente e filósofo Severino Ngoenha. Com o que lhe caracteriza, levou-nos a viagens filopoéticas e aterramos em Berlim, e, depois, questionamos as imteligências artificiais (sistemas computacionais capazes de realizar tarefas que, normalmente, exigem inteligência humana) no mundo contemporâneo.

Severino Ngoenha conduziu-nos para longe: geograficamente e temporalmente. Viajamos pela Europa e Ásia e pelos tempos antigos e medievais para chegar até Languana, até à FFLC, até o dia 3, até às 18 horas.

Ngoenha deu-nos um cheirinho do seu faro aguçado e implantou em nós, o público, a curiosidade em ver de perto os quadros “Cão de guia” e “Apocalipse”, questionando-se: “Será que o cão guia nos leva ao Apocalipse ou a saltar o Apocalipse?” [paráfrase]. Sem respostas categóricas, o filósofo finalizou a sua intervenção de forma magistral, quando aguçou ainda mais a nossa curiosidade e levou-nos a apreciar além cores das aguarelas: “O estético é o formal (nas artes), as cores, as formas […]. Mas o estético traz o que é ainda mais relevante […], a mensagem que se esconde atrás dela, e atrás da mensagem [escondida], esconde-se também a verdadeira face do artista”.
A paleta de cores de Languana é um arco-íris, um hino à vibração da vida dinâmica, movimentada e cheia de cores: rosa, vermelho, branco, preto, muito azul e verde. Trata-se de uma longa odisseia entre cores, uma aventura entre achados e perdidos. Nós fomos achados e perdidos por nós mesmos quando mergulhamos nas águas profundas de Languana. Há borboletas dentro do pintor, há vidas, há aves.

Falando de aves, o lado escuro e as penumbras são habitados por pássaros. Talvez, os ‘espíritos invisíveis’ do artista, em conversas, não falam, piam.
Por se tratar da aguarela sobre papel, as obras estão em quadros e com vidros. O que não impede uma boa apreciação. Pelo contrário, as molduras ajudam na conservação das obras, num bater de palmas, minúncias e cuidado acrescido.

Na curadoria da mostra, vê-se que a iluminação não é unânime. Na sala principal, onde estão expostas mais obras, a iluminação é abrangente. As luzes dessa sala iluminam as peças e a imaginação. Todos, até os que já andam com problemas de vistas, conseguiram apreciar muito bem as aguarelas. Contudo, na sala mista, onde outras vezes usa-se para outros fins, apresenta-se ora focos de maior luz ora de menor incidência da luz. A obra “Dhuna”, por exemplo, encontra-se bem iluminada, o que valeu elogios de vários visitantes. Mas as obras “Xipamanine” e “Marrabenta” estão expostas em paredes que a luz não alcança, o que resultou em abandono total das mesmas. Ficaram invisíveis.

O ambiente mergulhado nas vozes das conversas paralelas das pessoas deram uma outra vida à exposição. O silêncio que, provavelmente, era para introspecção, acabou sendo invadido e interrompido pelas vozes dos visitantes. Talvez, uma música no fundo, condizente com a exposição, daria um outro ar e aprofundaria ainda mais a atenção dos espectadores.

Em suma, o ambiente nocturno deu mais serenidade à exposição. A mistura de cores faz da exposição envolvente. “Jardins de sonhos” é uma caminhada entre distintos mundos: o consciente e o inconsciente, o material e o transcendente, entre o humano e animal (talvez, as figuras de animais sejam um lembrete do quão somos animais) ou entre o real e o abstrato.

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