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Os dramas e traumas de dar a luz a um bebé com gastrosquise

Um nome pouco conhecido! A Gastrosquise é uma má formação congénita, caracterizada pela saída dos intestinos da criança durante a gestação. Um diagnóstico precoce da doença através da ecografia pode salvar a vida da criança, caso não a morte é quase certa!

Ter filhos é o sonho de muitos casais, mas nem sempre esse sonho é fácil de se concretizar. Problemas como esterilidade, complicações durante a gestação e no parto são apenas alguns dos constrangimentos para colocar uma nova vida ao mundo. E quando estas situações estão associadas à falta de informação geram mais dor e traumas nas famílias.

António João, nome fictício, procurou o “O País” desesperado porque recebeu informação de que a sua filha foi vítima de um alegado erro médico durante o parto da sua esposa no Hospital Provincial de Xai-Xai.

“Disseram-me que a criança foi cortada na zona da barriga e isso fez com que saíssem as tripas e o fígado”, descreveu o pai para depois explicar que após o parto, vendo a gravidade da situação, a criança foi evacuada para o Hospital Central de Maputo. “Ao invés da criança ser submetida à cirurgia, ela foi largada à sua sorte” facto que segundo explicou causou a “infecção dos órgãos”.

Mais do que isso, o pai da criança queixou-se de sonegação de informação sobre o estado clínico da criança no Hospital Central de Maputo e porque o tempo passava, segundo contou “a situação agravou-se” e veio depois a “bomba”. “A enfermeira disse-me que a situação estava grave e que havia acontecido, de facto um erro médico, e que não se poderia fazer mais nada senão esperar até que a criança perca a vida”, entristeceu o jovem pai.

Porque a esposa estava anestesiada e não viu a criança – depois do parto à cesariana -, António disse temer pelo estado emocional da esposa. “Eu como pai sinto-me muito mal com esta situação e nem quero imaginar como a minha esposa irá reagir a esta situação. Ela sofreu bastante para ter o bebé”, lamentou o pai que voltava de uma visita à sua filha no hospital.

DOS PROBLEMAS NA COMUNICAÇÃO AO REAL DIAGNÓSTICO DA DOENÇA

Para procurar perceber o que aconteceu com a criança, a nossa reportagem dirigiu-se aos Serviços de Pediatria do Hospital Central de Maputo. Fomos recebidos pelo director daqueles serviços. Atanásio Taela explicou que houve deturpação na informação cedida pelo pai ao “O País”.

“Não houve nenhum erro médico durante a cesariana. A doença que a criança tem chama-se gastrosquise, portanto, trata-se de uma má-formação congénita da parede abdominal em que os intestinos desenvolvem fora da barriga da criança”, esclareceu.

O responsável rebateu ainda a alegada falta de informação aos pais sobre o estado clínico da criança, avançando que o denunciante foi sempre informado sobre a gravidade da situação.

O “O País” contactou mãe da criança, via telemóvel, para perceber o que teria acontecido durante a gestação, ao que esclareceu que “ fiz quatro consultas de pré-natal por causa da Covid-19. Tinha que ir ao hospital de três em três meses. No hospital, as enfermeiras pegaram a barriga com um equipamento para ouvir os batimentos do coração do bebé e mediam a barriga e diziam que estava tudo bem”.

A mulher disse também não ter sentido incómodo, para além das típicas do período de gestação, facto que coincide com o que diz a literatura que detalha que a doença que não apresenta sintomas.

ECOGRAFIA: O EXAME QUE PODE FREAR MORTES

Existem gestantes que assobiam ao lado quando lhes são faladas sobre as ecografias, alegadamente porque não querem saber o sexo da criança, deixando a informação para o dia do parto “mas o que elas não sabem é que este exame é um meio de diagnóstico, sendo importante para saber se o feto está a desenvolver bem ou mal. A partir dele pode-se descobrir se a criança tem ou não má formação”, explicou Levecha Sacadura, enfermeira de saúde materno-infantil no Centro de Saúde de Xipamanine para depois defender que “toda a gestante deveria fazer pelo menos uma ecografia durante a gravidez, mas infelizmente nem todas as unidades sanitárias têm equipamento para fazer esse exame.

Noutro desenvolvimento, a enfermeira aconselhou. “Mesmo que as profissionais de saúde não exijam este exame, as mães devem pedir, pois há um mecanismo de através do qual, o centro de saúde pode solicitar a realização deste exame numa unidade sanitária de referência mais próxima a título gratuito”.

DAS DISCÓRDIAS À MORTE!

Antes da fatalidade, Atanásio Taela disse à nossa reportagem que se a gestante tivesse feito a ecografia, teria tido informação antecipada sobre a doença da criança, – numa clara alusão de que a mãe não fez o exame – sendo que o parto poderia ter sido feito em Maputo, onde há condições de fazer a cirurgia de introdução dos intestinos. Entretanto, a gestante garantiu ao “O País” ter obedecido todas as recomendações e por vontade própria exigiu ecografias num Centro de Saúde na cidade Xai-Xai, mas nada foi detectado. O que é certo, é que três dias depois do nascimento, a bebé perdeu a vida, em Maputo enquanto a mãe se recuperava da cesariana em Xai-Xai.

Por temer o pior, a família do casal não informou a mulher, que ficou perto de uma semana a pensar que o bebé ainda estava a espera da cirurgia. Entretanto, o “O País” sabe que depois da sua morte, a criança foi à vala comum, sendo que a mãe só pode ver a filha através das fotografias tiradas pelo marido.

Segundo as autoridades de saúde a Gastrosquise é uma doença que incide igualmente em meninos e meninas, de 3 a 4 casos a cada 10.000 gestações. Os estudos apontam que a incidência deste fenómeno vem aumentando com o passar dos anos, sendo mais comum em filhos de mães jovens menores de 20 anos.

Não há fatores de risco comprovados cientificamente. No entanto, alguns estudos mostram que a doença pode estar associada a comportamentos e características da mãe, como: alcoolismo, uso de drogas ilícitas, consumo de aspirina durante a gestação, reduzida massa corporal e tabagismo.

PSICÓLOGA PREOCUPADA COM SAÚDE DOS PAIS
Traumático é como a psicóloga Miriam Munhame descreveu a história. A profissional chamou, por isso, atenção sobre o possível desenvolvimento, no casal, de doenças de fórum psicológico, como o que chamou de luto patológico. “Trata-se do luto que interfere nas actividades diárias da pessoa, depois deste tipo de traumas algumas não conseguem ir ao serviço, isolam-se não vão aos encontros familiares. É importante que sejam assistidos por psicólogos para que possam ter um luto que podemos considerar saudável. Isso não significa ausência da dor, mas a pessoa consegue ter uma vida social normal”.

Porque trata-se de dois jovens de 24 anos, a psicóloga disse que a morte da criança não pode significar que o casal não pode continuar a sonhar com filhos. “Possivelmente eles possam carregar um sentimento de culpa pelo sucedido. É necessário tranquilizar esses pais para que não se sintam culpados pelo que aconteceu. Não podem perder a esperança, eles podem sonhar em ter mais filhos. Se sentirem algumas incertezas podem procurar ajuda de um psicólogo”, terminou.

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