O País – A verdade como notícia

Artigo de Opinião Conjunto – Grupo de Diálogo Político de Alto Nível sobre as Uniões Prematuras e Forçadas (CEFM)  

Aos Líderes Políticos e à Sociedade Moçambicana,

Celebramos hoje, 10 de Dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos e encerramos a campanha dos 16 Dias de Activismo contra a Violência Baseada no Género (VBG). Comemoramos também um marco importante para Moçambique: o 5º aniversário da Lei de Prevenção e Combate as Uniões Prematuras e Forçadas, aprovada em Outubro de 2019. Esta lei representa um progresso histórico, simbolizando o compromisso de Moçambique em proteger o futuro das raparigas. No entanto, passados cinco anos, apesar de existir um quadro jurídico exemplar, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que esse compromisso se traduza em realidade. As uniões prematuras e forçadas continuam a limitar e destruir a vida de muitas raparigas, e a comprometer a sua saúde, segurança e o seu potencial.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), quatro em cada dez raparigas já estiveram envolvidas numa união prematura antes de completarem 18 anos. O que faz com que Moçambique seja um dos países que têm uma das taxas mais altas de uniões prematuras do mundo. A evidência demonstra que a situação é mais dramática em áreas afectadas por conflitos. Em Cabo Delgado, as raparigas têm sete vezes mais probabilidade de serem forçadas a uma união antes dos 18 anos, em comparação com a Cidade de Maputo.

As raparigas com quem temos conversado em todo o país, dão rosto a esta estatística. Dos relatos que ouvimos, percebemos como elas são privadas da sua infância, do direito a educação e da oportunidade de construir o seu futuro. Nas raparigas que conseguiram escapar destas uniões, sentimos a vontade de superarem as suas limitações e continuar a investir na sua educação e fontes mais sustentáveis de renda. A união prematura não só viola os direitos humanos como, perpetua o ciclo de pobreza, compromete o progresso social e impede o desenvolvimento económico. O país já tem a base legal, contudo, persistem áreas para melhoria, é necessário um cumprimento rigoroso da lei e uma forte vontade política para garantir que esta e outras leis sejam efectivamente implementadas em todo país.

Ao mesmo tempo que passam-se cinco anos da aprovação da Lei de Prevenção e Combate as Uniões Prematuras e Forçadas, passam-se também mais de 20 anos da adopção da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre Direitos das Mulheres em África (Protolocolo de Maputo), que define normas que os Estados devem seguir na promoção e proteção dos direitos das mulheres. Nos últimos cinco anos, o país enfrentou grandes obstáculos que tiveram impacto agravado na vida das raparigas, como os ciclones Idai e Kenneth, a pandemia da COVID-19 e os conflitos em Cabo Delgado. Estas crises aumentaram a pobreza e a instabilidade, levando mais famílias a recorrerem as uniões prematuras como uma forma de sobrevivência. Isto enfatiza o facto de que, em tempos de crise, os mais vulneráveis são mais atingidos.

O Grupo de Diálogo Político de Alto Nível sobre as Uniões Prematuras e Forçadas é um grupo informal de Embaixadoras e Altas Comissárias, com o compromisso de apoiar o Governo de Moçambique nos seus esforços para combater as uniões prematuras e forçadas, através de advocacia e diálogo político. Gostaríamos de apelar aos Líderes Políticos e a Sociedade Moçambicana para que assumam o compromisso da implementação integral da Lei como uma prioridade. Chegou o momento de fortalecer o impacto da Lei e apelamos a priorização dos pontos abaixo:

Aumentar a Conscientização Pública e a Educação: em muitas comunidades, as uniões prematuras e forçadas persistem devido a normas culturais profundamente enraizadas e à falta de conhecimento sobre as implicações legais. As campanhas nacionais precisam de ir mais longe, incluir também os rapazes, alcançando áreas remotas e de alto risco, com mensagens adequadas ao contexto culturalmente sensíveis para educar as comunidades sobre as consequências nocivas das uniões prematuras. A lei só pode ser eficaz quando as comunidades a compreendem e a apoiam.

Fortalecer o Papel dos Líderes Locais, Líderes Religiosos e Autoridades Tradicionais: os líderes tradicionais, comunitários e religiosos têm grande influência nas suas comunidades. Existem já esforços feitos pelos lideres religiosos para usarem a sua influência contra as uniões prematuras, isto é extremamente importante e deve ser encorajado. Continuar a envolvê-los como aliados na luta contra as uniões prematuras e forçadas pode ser transformador, oferecendo-lhes recursos e formação para que se tornem guardiões dos direitos das mulheres e raparigas. As suas vozes podem ser poderosas na mudança de atitude face a esta forma de violência.

Ampliar o Acesso a Educação para as Raparigas: a educação é fundamental para acabar com as uniões prematuras e forçadas. No entanto, milhões de raparigas moçambicanas não tem acesso a escola devido a questões estruturais, socioculturais e económicas. Há que continuar a investir-se em opções de educação seguras e acessíveis, especialmente para raparigas em áreas rurais e afectadas por conflitos. Adicionalmente, considerar-se incentivos como apoio financeiro e bolsas para a participação e conclusão escolar. Cada ano que uma rapariga permanece na escola é mais um ano em que evita a união prematura.

Reforçar os Serviços de Proteção e Apoio para Vítimas: as raparigas forçadas as uniões devem ter acesso a justiça, serviços de saúde e aconselhamento. Abrigos seguros, assistência jurídica e serviços de apoio psicossocial devem estar amplamente e gratuitamente disponíveis, especialmente nas áreas de alta incidência. A criação de espaços seguros e o aumento do número de profissionais treinados para lidar com casos de uniões prematuras e forçadas são essenciais para a implementação eficaz da lei.

Aumentar os Recursos para a Aplicação da Lei e Processos Judiciais: apesar da existência da lei, a sua aplicação permanece fraca em muitas regiões do país. Para inverter essa tendência, é preciso garantir que os agentes da lei e membros do judiciário estejam devidamente treinados e equipados para lidar com estes casos. A polícia, os procuradores e juízes devem ter as ferramentas e o conhecimento necessário para priorizar e tratar os casos com urgência e sensibilidade.

Acabar com as uniões prematuras e forçadas significa dar a cada rapariga a oportunidade de viver em segurança, realizar os seus sonhos, alcançar os seus objectivos e contribuir para o desenvolvimento da sociedade. As raparigas de Moçambique contam com todas e todos para que os seus direitos sejam protegidos de forma a garantir o seu futuro. Uma nação que coloca a rapariga no pulsar das suas políticas e investe nas raparigas, é uma nação próxima dum futuro próspero e equitativo.

Para finalizar, dada a actual situação política que se vive no país, gostaríamos também de apelar a todas as partes envolvidas a considerarem a igualdade de género como fundamental para alcançar a resolução de forma pacífica por via do diálogo, com o objectivo da unidade nacional, do desenvolvimento do país e do bem-estar do povo moçambicano.

Elsbeth Akkerman, Embaixadora do Reino dos Países Baixos em Moçambique

Helen Lewis, Alta Comissária Britânica para a República de Moçambique

Mette Sunnergren, Embaixadora da Suécia em Moçambique

Noora Rikalainen, Encarregada de Negócios da Embaixada da Finlândia em Moçambique

Sara Nicholls, Alta Comissária do Canadá para Moçambique

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos