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O sonho, a emigração e o estrelato: Jimmy Dludlu na primeira pessoa do singular

Aos 16 anos de idade, Jimmy Dludlu emigrou clandestinamente de Moçambique. Destino? Swazilândia. Objectivo? Ser guitarrista, tendo como fonte de inspiração o bairro Chamanculo e o guitarrista norte-americano Jimi Hendrix. Ainda imberbe, passou por muitas privações: na Swazilândia, no Botswana, na África do Sul e na Namíbia. Mas nunca largou a música. Pelo contrário, formou-se em música quase a vida toda. Neste 2022, comemora 37 anos de percurso como profissional. Tem 56 de idade. Olhando para trás, lembra-se de tudo um pouco: do trabalho nos bares, nas machambas ou a cuidar de animais, o que lhe permitiu comprar a sua primeira viola; lembra-se da relevância e dos sucessos na banda Loading Zone, na qual esteve com Frank Paco ou John Assan. O pretexto da conversa, na verdade, é o prémio carreira que irá receber no South African Music Awards, no dia 28. Por isso mesmo, aproveita a oportunidade para lamentar por esse reconhecimento do seu próprio país, que tarda chegar. Mas Jimmy também fala da nomeação ao cargo de Embaixador Africano a Representar a América na Diáspora, do espectáculo no Centro Cultural Franco-Moçambicano, no dia 19 deste mês, e, claro, do infinito amor pelo Bairro do Chamanculo.

 

O South African Music Awards (SAMAs) irá distinguir-lhe com o Lifetime Achievement Award, Prémio Carreira. O que esse reconhecimento significa para si?

Em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus pelo talento que possuo. Sem Deus, eu não chegaria onde hoje me encontro. Em segundo lugar, agradeço à minha família e a todos os que me apoiaram, de modo a conseguir inspiração: a minha falecida mãe, aos meus irmãos Imaculado e Tina, aos meus sobrinhos e à minha esposa Sandra, machope da minha vida, porque ela é que me inspirou a fazer o In the Groove e o History in a frame. Por fim, agradeço a estes meus irmãos que se encontram aqui comigo [Nelton Miranda, Stélio Mondlane, Taphelo e Pimenta]. Estes discos eu fiz com eles. Na verdade, a lista de agradecimentos é enorme. Inclui ainda George Lee, da Swazilândia, que me ajudou a saber ler música, Nanando, Chica, primo Benjamim e primo Eurico, todos do Chamanculo que me apoiaram ainda menino, Hugh Masekela, Miriam Makeba, os meus irmãos Frank Paco e John Assan, que estivemos juntos nesta batalha. Para a África do Sul, hoje, reconhecer Jimmy Dludlu, eles fizeram parte desta caminhada. Quanto ao prémio, dos 10 discos que já gravei, sempre acompanhei o Prémio Carreira dos SAMAs como que para pessoas que já não estão connosco. Foi uma surpresa. Até agora não acredito que eu irei recebê-lo. Só posso agradecer a Deus.

Como é que reagiu, quando soube na notícia?

Ajoelhei, agradeci à minha mãe e a Deus e brindei com a minha esposa. Também liguei à minha filha mais velha, em Botswana, para que ela apurasse a veracidade da informação. Mas a minha boss disse que o prémio era realmente para mim, que não havia enganos. Eu disse que não acreditava porque o prémio não é atribuído a pessoas vivas. Aí ela disse-me que as coisas mudaram. Então eu disse khanimambo! Xikwembu xini nhlamulile [do rhonga, obrigado! Deus abençoou-me].

Como é que se constrói um percurso, de modo a merecer um prémio carreira na África do Sul?

Com muito trabalho. Eu estou na música profissionalmente desde 1982. Comecei acompanhando músicos, até que um dia quis ser e meti-me numa escola [Cape Town]. Ser bom aluno e viver em família sempre ajuda. O que acho mau, é um músico que não sabe se posicionar. Eu sempre trabalhei para levantar a bandeira das culturas africanas. A África do Sul reconhece isso. É pena que aqui no meu próprio país isso ainda não aconteceu. Mas mais tarde ou cedo irão perceber que, de facto, o Jimmy está a fazer alguma coisa. Países como Estados Unidos, Gana e, agora, África do Sul, já reconheceram a minha contribuição para cultura e para indústria musical.

Faz falta um reconhecimento em casa?

Em casa seria mais especial. É um pouco triste não ser reconhecido na sua própria casa, mas eu deixo tudo nas mãos de Deus.

São 37 anos de percurso musical, 56 de idade. Quais são os momentos mais altos e os mais baixos?

O momento mais complicado, para mim, foi sair de Moçambique no tempo da guerra. Saí com um amigo-vizinho, o Manito. Ele queria ser futebolista e eu músico. Eu gostava muito do Jimi Hendrix… E… imagina, miúdos de 16 anos largarem a escola, caminharem a pé uma semana, até chegarem a Manzine [eSwatini, a aproximadamente 200km de Maputo], naquelas montanhas, um deles a sonhar ser músico, um guitarrista e, com isso representar uma nação… Chegamos lá e fomos tratados como machanganas, com aquela toda xenofobia. Emigramos para Botswana e lá fomos tratados como membros da juventude do ANC. Ou seja, apanhamos racistas em todo lado. Foi muito difícil. Lembro-me muito bem da minha saída do Botswana, sem documentos para ir a África do Sul. Eu e os meus amigos viajamos num comboio de cimento. Quando o comboio passou a fronteira e conseguimos saltar, a pessoa que estava à nossa espera ficou extremamente assustada. Pensou que fôssemos svipokus [fantasmas]. E fugiu. Tivemos de ir à cabine para lhe dizer que eramos nós. Depois, ir à universidade, em Cape Town, onde não se admitia pessoas negras… Eu e o meu irmão Frank [Paco] lutamos e fizemos de tudo para conquistar o que hoje são frutos do nosso trabalho. Foi um desafio muito grande. Tive de deixar de tocar nos bares e ir à universidade para aprender a criar e a tocar o meu estilo de música. Foi uma loucura, mas foi a visão que Deus me deu.

A propósito de Frank Paco, o seu primeiro grande momento foi com os Loading Zone?

Foi com Loading Zone. À primeira vez que subi ao palco, eu tive medo. Eu falava muito baixo. Lembro-me que até uma senhora disse-me para falar como homem. Foi um desafio tocar a música pela primeira vez para o público. Tinha muita vergonha, mas aqueles que estavam a trabalhar comigo deram-me força, dizendo que eu era capaz. Ganhei confiança e estamos aqui, hoje.

Falou de Swazilândia, África do Sul e Botswana. E aquele momento em Namíbia, com Loading Zone?

É verdade. Um dia desses nós saímos da África do Sul, muito cedo, e partimos para uma digressão a Namíbia. Oito pessoas na mini-bus: eu, Paco, John Assan, entre outros. A única coisa que tínhamos ali era Coca-Cola e Fanta. Aquilo já nem era refresco de tão quente que estava. Nem sei o que era. Mas tivemos de tomar aquilo até chegar a Namíbia para tocar num bar. Ficamos por lá dois anos. Certo dia chegou Papa Wemba. Ele viu-nos e gostou de nós. Acompanhamos Papa Wemba. Depois, decidimos ir à Cape Town. Para sair de Cape Town foi muito difícil. Aquelas banda de Cape Town tocam muito bem. Para mim, Cape Town foi a universidade da minha vida, musicalmente. Foi ensaio a sério. Lembro-me que, quando estava na Swazilândia, eu começava a ensaiar às 17h. Às 5h, quando as pessoas se levantavam para ir trabalhar, eu ia dormir. E ainda trabalhei como servente, soldador, já cuidei de machambas e de animais. Tudo isso para comprar a minha primeira viola. Hoje, Deus diz-me que todo aquele esforço não foi em vão.

Dos Estados Unidos também chegou uma boa notícia. Foi nomeado para desempenhar a função de embaixador africano na promoção da música do continente fora de África…

Quando recebi a carta da América, a dizer que eu seria o primeiro Embaixador Africano a Representar América na Diáspora, para fazer promoção da música africana, eu julguei que fosse mentira. Agora tenho um desafio enorme, porque os meus alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane terão de seguir essa viagem. Para o ano, irei ao Senegal e a Gana para identificar outros artistas, de modo a irem a América também.

É uma responsabilidade acrescida?

Muito. Sabe, cada passo que damos, é uma fase nova da nossa vida e aquilo que pensamos que estávamos a fazer, ontem, torna-se diferente, hoje.

Que resultados espera alcançar com essa função de embaixador?

Espero conseguir identificar pessoas que algum dia irão dar uma boa imagem do continente. Os americanos estão à procura de grandes talentos africanos.

Jimmy nasceu em Inharime, Inhambane. Viveu na Swazilândia, Bostwana, África do Sul e Namídia. Mas Chamanculo, esse bairro suburbano de Maputo, é o seu local de eleição. Porquê?

Chamanculo sou eu. Eu sou molwene de Chamanculo. Toda gente sabe disso. Mas do Chamanculo saem figuras proeminentes. Não sei o que se passou com esse bairro, que consegue produzir todo o tipo de pessoas importantes. Não estou a dizer que não há coisas negativas, como em todos os bairros. Mas Chamanculo é a minha fonte. Sem esse bairro não sou nada. Chamanculo é tudo para mim. Inspira-me.

E é por isso que, com Carlos Gove, irá tocar Chamanculo no Franco-Moçambicano?

Quando eu era miúdo, o Carlitos já acompanhava muitos artistas. Para eu e ele chegarmos a este nível, tivemos o incentivo de Fanuel Paúnde e outros da zona, como do grupo dinamizador. Então decidimos que tinha chegado o momento de fazer alguma coisa pelo bairro. Então trouxemos este concerto “Celebrando, Chamanculo”. Será uma grande festa. Iremos tocar muita coisa, começando do Echoes from the past, para homenagear Nanando e outros músicos. O nosso espectáculo deverá durar três horas, 90 minutos para mim, e outros 90 minutos para o Carlitos.

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