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Crise, público e novas abordagens: o que os artistas pensam sobre o teatro em “confinamento”

Actores e encenadores enfrentam dias muito complicados por causa da COVID-19. Ainda assim, acreditam que estes tempos trazem-lhes novas possibilidades no que diz respeito ao processo criativo. Os artistas que falaram a propósito do dia 27 de Março vêem nas plataformas digitais o meio-termo para suprirem o confinamento e, assim, gerarem novos públicos.

 

A cada 27 de Março é assim… Actores, encenadores, produtores e toda gente que se interessa pela arte da representação celebra o Dia Mundial do Teatro. Apesar da crise sanitária e de tudo o que isso implica, os artistas do palco partilharam com este jornal o que pensam da efeméride numa situação tão estranha quanto esta que o mundo enfrenta.

Em geral, todos os entrevistados reconheceram que o último ano foi realmente adverso. Ainda assim, a esperança por dias melhores é algo que nenhuma nuvem ofusca. “Uma das coisas que o teatro me ensinou é de que nada é para sempre. O teatro é vida, e na vida nada é para sempre. A vida é impermanente. Estamos num momento atípico, mas este momento também vai-se embora”. Assim pensa Yuck Miranda, actor que tem sensação de que os artistas do teatro não se permitiram parar no mundo inteiro. Por isso, lembrou, começam a surgir novas possibilidades de fazer o teatro. Por exemplo? “O teatro cibernético, feito através das plataformas digitais. Os artistas, hoje, discutem como é que os seus vídeos são gravados ou como podem ser filmados em melhores planos. Há hoje um bom grupo de artistas do teatro preocupado em levar para as suas audiências um teatro com muita qualidade ao nível visual”.

Longe de casa há algum tempo, Venâncio Calisto mudou-se para Portugal, onde frequenta um mestrado em Teatro. Na óptica do encenador, celebrar o Dia Mundial do Teatro é uma oportunidade de se continuar a reafirmar a importância da arte nas nossas vidas. “Desde sempre, o teatro exerce o papel de consciência poética, política e de intervenção social. E é uma forma de resistência contra todas as manifestações do mal”.

Neste contexto, a grande força do mal é a COVID-19, pois agrava o que no passado sempre foi um problema. “Antes já tínhamos todas aquelas dificuldades que toda a gente sabe. Agora,  com a COVID-19, piorou. Mas não desistimos. Nós somos soldados e estamos a apostar em projecções de peças online. O teatro não vai morrer. De qualquer forma, sempre iremos no reinventar”. A pensar na tal reinvenção, acrescentou a actriz Sheila Nhachengo, a Associação Girassol, de que faz parte, está a preparar-se para, quando o confinamento passar, possam levar muitas e boas peças ao palco. “Não é a COVID-19 que nos vai parrar. Já antes, com todas as dificuldades de financiamento, relacionadas a salas para ensaiar e apresentar peças, sempre remamos. Vamos sempre procurar forma de tocar os corações das pessoas dos que nos seguem. Afinal o teatro existe e precisa ser valorizado”.

Se, por um lado, os actores concordam que devem aproveitar as plataformas online para que pelo menos não falte um movimento teatral, por outro, Sheila Nhachengo lembra que essa opção ainda não é sustentável no país. “Se calhar, em Moçambique, ainda não temos muita prática de vender com recurso às tecnologias, ao YouTube e a outras plataformas digitais”. Entretanto, admite, com o recurso ao online pode-se ter mais êxitos “do que quando ansiávamos por público em palco. Se os grupos se unirem e desenhar estratégias, podemos conseguir. O segredo é termos o mesmo foco e rentabilizarmos o teatro”.

Enquanto isso não acontece, a encenadora Maria Atália garante que seremos outras pessoas depois da COVID-19. “As pessoas que seremos depois da COVID-19, serão resilientes e que sabem por que estão a fazer o teatro de facto. Neste momento, precisamos de teatro como terapia. É insano todos os dias termos números a subir. Precisamos muito de nos agarrar ao que bem sabemos fazer, para nos curar e colocarmo-nos firmes e determinados. E esta situação está a deixar-nos determinados. Esta é a parte boa deste contexto”.

A visão de Maria Atália é optimista. No entanto, Horácio Mazuze prevê dias de muito trabalho, relacionados com a consciencialização das pessoas de modo a voltarem aos teatros. “Não será fácil o público voltar ao teatro de forma imediata, teremos de fazer um trabalho conjunto, árduo, porque até já andávamos com problemas de público nas salas. Uma paragem desta é grave e teremos de voltar a convencer os mecenas que merecemos apoios”.

 

O TEATRO NÃO VOLTA A SER COMO ANTES

Yuck Miranda foi categórico. O teatro não volta a ser o que era antes, porque já há um investimento nas plataformas online. A opção, adianta, agrega valor, até porque muitos teatros foram destruídos, fechados, viraram igrejas ou foram demolidos para construção de prédios. Logo, a infra-estrutura do teatro deixou de existir.

Para Yuck Miranda, a formação de novos públicos começa a acontecer dentro das possibilidades que existem no momento. No caso, a internet. “Reconheço que a internet não chega a toda gente, mas também começamos a estudar como os nossos vídeos vão chegar aos novos públicos”.

A propósito da afirmação que dá subtítulo a este artigo, Miranda esclarece: “Não prevejo a morte do teatro, mas acho que não voltamos a ser a mesma coisa. Vejo uma possibilidade de se manter o teatro, o espaço físico, mas também uma forma de massificarmos o teatro no sentido de que podemos ter pessoas a irem às salas e pessoas a ver as peças de forma online. Verdade seja dita, nós já tínhamos esse distanciamento porque as salas de teatro andavam vazias. Eu olho para esta situação como uma oportunidade. Há um momento que nos temos de recolher, estudar, para trazer novas abordagens”.

A propósito de novas abordagens, Yuck Miranda recebeu uma nomeação para fazer parte dos 100 directores do mundo que vão dirigir um espectáculo cibernético na Roménia. O actor clássifica o espectáculo como gigantesco. O mesmo vai durar 25 horas, e conta com directores de diferentes pontos do mundo. O mais importante para Miranda é a possibilidade de dirigir um espectáculo teatral e uma actriz da e na Roménia que não fala português e nem inglês, a partir Moçambique. “Há fronteiras que o teatro está a vencer neste momento”, e isso também marca este 27 de Março de 2021.

 

 

 

 

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