Toda a excitação se refugia na esperança de ver o sexo
Roland Barthes
Imane Kamal Idrissi, se quisermos, Imane KI, é uma artista plástica que vive em Moçambique lá vão alguns anos. Em Maputo, onde fixou residência, a marroquina tem exposto fragmentos da sua alma, com recurso à essa magia do pincel que apenas cede a poucos seres abençoados. Um desses fragmentos, feito de ilusões, mistérios e narrativas contadas em silêncio – que raio de narrador encontra-se naquelas telas? – é a colectiva A sombra dos sonhos, a qual, além de obras de Imane KI, apresenta, na Fundação Fernando Leite Couto, as de Mi Sook Park, uma artista sul-coreana. Por uma questão de método, hoje, é dos sonhos da artista marroquina que nos ocupamos.
Em O prazer do texto, a certa altura, Roland Barthes diz-nos: “toda a excitação se refugia na esperança de ver o sexo”. Como que a condizer com estas palavras poéticas do intelectual francês, Imane KI dá às suas obras uma série de elementos visuais que as tornam algo envolvente. O principal elemento, na verdade, é a evocação da figura feminina, feita com sedução, numa combinação entre o estético e a razão. Neste exercício, a artista plástica aposta em cores, digamos, taciturnas, (cinzento, preto), buscando, de vez em quando, um vermelho ou amarelo para adicionar um contraste ao essencial das imagens, quase sempre a mulher pintada. É nela que Imane KI aglutina o talento, as convicções e a maneira como se entrevê a partir do que move a sua criatividade.
A sombra dos sonhos, na pintura de KI, é uma exposição em que o desejo, a excitação e a contestação juntam-se para criar um debate sobre a condição da mulher enquanto mãe da beleza e, simultaneamente, vítima primária do que dessa beleza advém. Um exemplo disso é a obra “Pain”, pintada a óleo nas dimensões 102 x 76 cm. Nesta pintura, temos a figura de uma mulher cabisbaixa, escondendo o rosto com recurso às mãos, severamente amarrada. Aparentemente nua, no entanto, sem expor gratuitamente nada. A tela prende, quer pela beleza que possui quer pelo conteúdo ali apresentado. As cordas a sufocarem os pulsos, os tornozelos e as pernas simbolizam essa casmurrice de fazermos do “melhor” da natureza um ser refém da força do homem e das instituições sociais. Imane questiona o fenómeno, lembrando-nos da delicadeza que magoamos, quando partimos essa costela tão parte de nós.
Bem visto, Imane KI faz das imagens femininas uma energia visando derrotar o preconceito, a cumplicidade opressiva, ao mesmo tempo que engrandece predicados, os quais, a nós, os timbilosos, fazem-nos esgotar na esperança aludida por Barthes, afinal, nesta colectiva, está exposta “On the moon light”. Esta pintura (51 x 76cm) há-de ser a mais poética. Não fosse o facto de sabermos que este artigo terá como leitora Angélica Pereira, diríamos que aquela imagem de mulher deitada, expondo tudo à lua, apenas à lua, daí a inveja, é suficiente para trairmos a fidelidade e esbanjarmos em tudo o que a mesma provoca. Enfim, como podemos ferir o sonho de um ser que sabe ser “nossa sombra”? E como podemos não ver a luz que a “sombra” projecta em nós? Parecem ser estas as perguntas centrais da pintura de Imane KI. “Veiled eyes” (64 x 37cm), “Wedding day” (102 x 76) ou “Triangle woman” (43×60) – que também deveria estar nesta colectiva – em conjunto formam um sonho que clama por acontecer. Urgentemente.
Esta é a pintura de Imane Kamal Idrissi, uma obra que mergulha no âmago feminino para cantar a sua causa.
Autora: Imane Idrissi
Título: A sombra dos sonhos
Exposição colectiva
Classificação: 14