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“O papel da imprensa na investigação criminal”

O que vos posso dizer com certeza é que muitas matérias publicadas pela imprensa servem de base ou suporte para a investigação judicial. E isto é muito prático: sabe-se muito bem que, por várias razões (…), as pessoas preferem denunciar os casos à imprensa a meterem queixa numa esquadra ou tribunal
A apresentação que se segue é uma reflexão que apresentei no dia 29 de Agosto, na Escola Superior de Jornalismo, a convite da IREX, para falar do papel da imprensa na investigação criminal. Apesar de não ser especialista na área de Direito, procurei pesquisar junto de manuais e conversei com profissionais de reconhecido mérito, como o criminalista Elísio de Sousa, e o jornalista Jeremias Langa, aos quais agradeço pelo suporte. 

Esta apresentação vai obedecer à seguinte estrutura.
1. Parte conceptual – onde vou apresentar as definições do conceitos-chave e o contexto legal;
2. Ligação entre jornalismo e investigação criminal;
3. Exemplos de casos emblemáticos a nível internacional e nacional relativos aos processos denunciados pela imprensa que tiveram repercussão judicial.   

1.0 Parte conceptual
1.1 O que é imprensa? 
A Lei 18/91, de 10 de Agosto, define imprensa como sendo “os órgãos de informação cuja actividade principal é a recolha, tratamento e divulgação pública de informação, sob a forma de publicações gráficas, rádio, televisão, cinema ou qualquer reprodução de escritos, som ou imagem destinada à comunicação social”.

1.2 O que é investigação criminal?
O Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva dá uma longa definição para “investigação”, da qual se pode ler o seguinte: “entende-se a pesquisa, seguindo-se os vestígios e indícios relativos a certos factos, para que se esclareça ou se descubra alguma coisa”. Indo mais ao encontro do nosso tema, o mesmo livro esclarece que “investigação criminal entende-se o processo ou sumário em que se procure elucidar sobre o crime e o criminoso”.
Portanto, a imprensa ocupa-se pela investigação e tratamento de factos de interesse público e termina na publicação nos órgãos de comunicação social. Ou seja, não julga (em rigor da linguagem, não devia julgar) pessoas, deixando esse papel para os tribunais.
Por seu turno, a investigação criminal, que usa técnicas e tácticas policiais, quando digo policiais não limito o ângulo apenas ao polícia, também pode ser feita pelo Ministério Público, pelos tribunais, pelo Serviço Nacional de Investigação Criminal, etc., visa seguir vestígios criminais, encontrar os presumíveis autores, identificar os meios usados, e a grande diferença com a imprensa é que esta termina com o pronunciamento (acusação formal que é remetida ao tribunal) ou a despronúncia, quando não se encontra elementos bastantes que suportem a acusação.
Outra grande diferença é que o jornalismo não tem poder coercivo: pode, durante a investigação, a parte investigada não querer pronunciar-se. Não é obrigado a colaborar com a investigação jornalística, esclarecendo ou não o facto em causa. Entretanto, a investigação criminal de índole policial é revestida de poder coercivo, onde o indiciado, quando é notificado, tem o dever de cumprir a ordem de notificação para prestar depoimentos. Daí que, no meu entender, a investigação jornalística é a mais difícil de fazer, justamente por não existir esta obrigatoriedade de cedência de informação por parte das partes envolvidas no processo.  

2. Ligação entre jornalismo e investigação criminal
Que paralelismo se pode estabelecer entre a imprensa e a investigação criminal?
Primeiro, é preciso estar claro que, no decurso do seu trabalho, a imprensa deve investigar. Para investigar, é preciso conhecer os assuntos. E como é que se chega a esse conhecimento ou a essa informação? Aqui entra o papel preponderante das fontes de informação. 
Dizia Salomão Moyana, quando eu ainda era estudante da Escola de Jornalismo, que “um jornalista sem fontes de informação não é jornalista”. E, de facto, é correcta essa colocação.
No caso de um processo que esteja a ser investigado na perspectiva policial, o jornalista deve ter fontes privilegiadas de informação que possam fornecer dados relevantes, mas que, ao mesmo tempo, não prejudiquem o curso normal do processo, porque, por exemplo, a Lei estabelece o princípio de segredo de justiça, sobretudo na fase de instrução preparatória do processo. Mas atenção: nem tudo num processo constitui segredo de justiça.
Dizer que “O Presidente X foi detido”, isso é um facto. Ainda que não haja elementos detalhados, pode noticiar-se. Claro, respeitando o princípio de presunção de inocência. Ou seja, no nosso ordenamento jurídico, alguém só é considerado criminoso depois de uma sentença transitada em julgado. Antes disso, ele é suspeito.
Aliás, o artigo 28º da Lei 18/91 (que versa sobre os deveres dos jornalistas e da imprensa), alínea c, é mais objectivo ao “repudiar o plágio, a calúnia, a difamação, a mentira, a acusação sem provas, a injúria e a viciação de documentos”.
Mas, se calhar, o que querem ouvir mais de mim é sobre a investigação jornalística que acaba tendo uma ligação com o esclarecimento de casos criminais.

Ora bem, proponho um recuo ao artigo 16º da Lei de Imprensa, onde encontramos algo muito importante chamado Depósito Legal. O que é isso? É nada mais nada menos que o dever que a lei estabelece para que todos os órgãos de imprensa escrita depositem gratuitamente, no dia da publicação, um mínimo de dois exemplares nas seguintes instituições: 
– Gabinete de Informação
– Conselho Superior de Comunicação Social
– Procuradoria-Geral da República
– Biblioteca Nacional
– Arquivo Histórico de Moçambique, etc.

Seguramente, devem estar a questionar-se o porquê de se depositar o jornal na Procuradoria-Geral da República?! 
Não tenho uma resposta objectiva, porque não sei o que pretendia com isso o legislador. O que vos posso dizer com certeza é que muitas matérias publicadas pela imprensa servem de base ou suporte para a investigação judicial. E isto é muito prático: sabe-se muito bem que, por várias razões, caso da desconfiança que o cidadão tem em relação à seriedade das instituições, morosidade processual, etc., as pessoas preferem denunciar os casos à imprensa a meterem queixa numa esquadra ou tribunal.

Chegado aqui, é importante salientar o papel do jornalismo na investigação criminal, sendo que esta deve reunir o máximo de informação possível; cruzar os dados, para evitar publicar informações imprecisas, falsas (o que constitui crime punível por lei); nunca ter a informação fornecida seja em forma de off the record, documentos, áudio ou imagens como verdade absoluta. Portanto, a imprensa deve sempre que possível observar o princípio de contraditório e respeitar a presunção de inocência.
      
3. Casos emblemáticos a nível internacional
A 9 de Agosto de 1974, o presidente norte-americano Richard Nixon, do Partido Republicano, deixou a Casa Branca em consequência do famoso “caso Watergate”. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, investigaram o já conhecido “caso”, que tinha a ver com a montagem de aparelhos de escuta no interior do edifício da sede do Partido Democrata – o complexo Watergate. Durante meses, os repórteres recebiam informação de uma fonte anónima, conhecida apenas por “Garganta Profunda”, que mais tarde se soube que era um elemento do FBI. Portanto, com base em informações precisas e fornecidas aos jornalistas, foi estabelecida a ligação entre o presidente Nixon e as operações ilegais no edifício da oposição. E, perante os factos, acabou por se demitir do cargo.

“Caso Aeroportos” – Foi denunciado pela imprensa, por via de fontes ligadas à empresa que vazaram documentos e informações relevantes, o que culminou, em 2010, com a condenação do então PCA, o engenheiro Diodino Cambaza; do ex-ministro dos Transportes e Comunicações, António Munguambe; e de outros quadros daquela empresa pública.

“Caso execuções Sumárias na Costa do Sol” – Em 2008, três polícias foram condenados a 20 anos de prisão por se ter provado o seu envolvimento nas execuções sumárias que aconteciam sistematicamente na Costa do Sol, em Maputo. Foi a imprensa que denunciou a existência de esquadrões da morte na nossa polícia.
Enfim, podia dar mil exemplos, a verdade é que o jornalismo tem uma grande contribuição na investigação criminal.

Posto isto, termino citando o nosso ícone do jornalismo investigativo, Carlos Cardoso, que dizia que “É proibido pôr algemas às palavras”. E eu acrescentaria que “para que não seja algemado por causa das palavras, é preciso investigar e aprofundar os factos”.
Muito Obrigado. 

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