Sendo o crítico sobre aspectos sociais que sou, me pesa a consciência deixar de partilhar a minha percepção sobre o que pode estar por detrás deste problema moral grave, que é a pornografia (infantil).
O caso mais recente que se espalhou pelas redes, de um episódio lastimável e perturbador, de um grupo de adolescentes em cena de sexo grupal, trouxe à tona uma particularidade que me deixou perturbado. Enquanto percorria os comentários das maiores páginas que partilharam a notícia, que, para mim, fazem a opinião pública, verifiquei que se apontavam vários detalhes, desde a cumplicidade ou não da vítima, até a espontaneidade de um menor
em filmar um momento tão horrível… claramente com intenção de viralizar. Mas ninguém pareceu olhar sob o ponto de vista do ambiente (de globalização) a que os jovens estão expostos, que pode ser, logicamente, o maior combustível para este fogo arder.
Não pretendo, de modo algum, olhar sob a mesma perspectiva colectiva, apedrejando nem os internautas, nem os adolescentes agressores ou a vítima. Pretendo, sim, repensar as bases morais, que estão severamente fragilizadas, sugerindo que tal fragilização pode estar a condicionar o desenvolvimento normal das crianças, sugerindo, também, que os pais (no geral) podem estar inconscientemente colaborando para o desvio dos seus filhos.
O que os pais fazem na presença dos filhos é vergonhoso
E, porque, naturalmente, o ser humano aprende os padrões que se repetem em sua volta, em sua vida quotidiana, e os replica em seu favor (regras da linguagem), não se pode desferir golpes sejam eles físicos ou verbais contra aqueles, quando nossa moral como educadores não nos permite.
Cada pai tem a função de ensinar ao seu filho coisas como privacidade, respeito, consciência, consequências, escolhas, limites… basicamente, a “respeitar os seus limites, a
privacidade dos outros, com consciência de que cada transgressão tem consequências”. Há outras coisas não menos importantes, como: responsabilidade, integridade, autoimagem, cultura. Alguns chamam-lhes “dicas de ética”, mas eu prefiro “regras básicas de convivência”. E tudo isto, na prática.
Uma das regras básicas é que um pai deve ensinar as regras básicas mínimas aos seus filhos. Faço esta repetição propositadamente, para que fique claro: se os pais estivessem ensinando as regras básicas, que se resumem no amor ao próximo, então seria possível impulsionar boas acções e comportamentos em mais jovens. Ao passo que comportamentos tão desviantes, como o que está em debate, remetem à infalível ideia de que o ciclo social dos transgressores é basicamente aquele. Que vêm de famílias desestruturadas. Embora, ao meu ver, os comentários dos internautas, genericamente, revelem mais sobre o tipo de sociedade que somos, que, efectivamente, sobre o comportamento dos menores em questão.
Regra 1: Regras básicas de convivência
Um pai deve ensinar aos seus filhos as regras básicas de convivência. Mas o que se vê é que eles trocaram o termo por “sobrevivência”, talvez, pela própria natureza do ambiente, e ensinam “regras básicas de sobrevivência”. E estas não cumprem ordens nem normas, pois, não importam os meios, mas o fim único a que se destinam — sobreviver.
Daí que um adulto pega no seu telemóvel, na presença de crianças e, durante a chamada, grita as piores e mais sujas palavras ao interlocutor, sem respeito algum. Coisas como: — “Quero meu dinheiro, seu cão de merda!”. Ele pode, em seguida, virar-se para o seu filho e falar sobre respeito ao próximo, mas ele já ensinou, na prática, como tratar as pessoas para conseguir o que se precisa.
Por falar nas coisas hediondas que parecem pequenas, mas são uma aberração, neste momento já normalizadas pela nossa sociedade, quantos pais fazem dos seus filhos fumantes passivos ou mesmo activos? Quantos pais beijam os seus filhos na boca? Quantos se mostram completamente ou parcialmente despidos aos seus filhos? A privacidade já era.
Quantos assistem a telenovelas com os seus filhos e permitem que eles vejam cenas explícitas?
Hoje, diz-se que isso é completamente normal, pois estamos na era da “globalização”. Eu não sei. Mas tenho certeza de que, com o tempo e frequência, isso se torna um padrão que a criança assume para si. Por isso, actualmente, crescem achando que podem beijar qualquer pessoa, à imagem dos pais, que são livres de fazer o que assistem nas telenovelas e na internet, que podem fazer o que os pais fazem. No final, mais casos de homossexualidade e pornografia infantil cometidos pelos próprios menores, mais adolescentes perdidos no álcool e drogas, mais casos de depressão e suicídio de jovens.
Na verdade, vivemos numa geração de pais que não conhecem as regras básicas de convivência e não têm como as passar para os seus filhos. Muitos de nós aprendemos que não podemos insultar, não porque os nossos pais disseram, mas porque eles muito raramente, senão nunca insultavam (na nossa presença). Por isso, podiam bater em nós com autoridade. Hoje, pais proferem as palavras mais obscenas para ou perante seus filhos.
Filhos proferem tais palavras diante dos pais, e ambos se riem até morrer.
Enfim, crianças crescendo e aprendendo que insultar é engraçado, que bater no outro é divertido… O culpado nem são os telefones. Até porque uma criança que assimilou dos pais a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado, geralmente saberá usar o seu telemóvel.
Imaginem se o vídeo não tivesse sido publicado… Ninguém saberia o que tem acontecido nos bastidores das vidas dos nossos adolescentes. Tenho certeza de que este não é um caso exclusivo e isolado. Acredito que coisas do gênero aconteçam constantemente pelo país, longe dos olhares dos pais, encarregados de educação, professores…
Não digo que os pais daqueles menores são os culpados de eles terem espontaneamente criado a ideia, ganhado a motivação e efectivamente se rebaixado em frente de uma câmera, envergonhando, ou não, as suas famílias. Digo que os adolescentes estão crescendo numa sociedade que os assiste cometendo as menores e piores atrocidades sob um olhar impávido, sem nenhuma correção exemplar, e pior ainda, sem formas de retificá-los, justamente pelo facto de os mais velhos também estarem nesse ciclo de baixeza e imoralidades, que só não vêm aos olhos do público, mas também são a realidade, nos seus bastidores.
Em jeito de conclusão, quero reiterar a minha observação: os adolescentes são o espelho dos seus pais ou encarregados de educação e as suas experiências de infância (primeira ou um pouco depois da primeira infância). E a sociedade é o espelho de cada um de seus membros. Por isso, diante deste caso, até mesmo o sistema de justiça se vê dividido entre servir à lei ou à moralidade. Resultado, “agressores” saem livres, a vítima, em maior perigo… leis sendo repensadas sob pontos de vista equivocados.
É nítida a falta de mecanismos do nosso sistema, para casos tão graves e sensíveis como este. Assim sendo, é momento de repensarmos a sociedade que somos. Se quisermos realmente alguma mudança, é necessária uma análise de raiz e minuciosa dos nossos comportamentos, como pais ou encarregados, responsáveis pela educação de menores, bem como análise de nós próprios, como seres humanos e membros de uma toda sociedade.