No meio a milhares de deslocados das zonas de conflito em Cabo Delgado há pessoas que carregam o trauma por terem visto os seus entes queridos mortos de forma brutal e que não estão a ter o devido acompanhamento. Ansiedade, problemas de sono, perda de confiança no futuro e problemas de apetite, são algumas manifestações para as quais os psicólogos alertam como consequências.
Inho Francisco tem 50 anos de idade, natural da Mocímboa da Praia. O seu rosto denuncia desconfiança e não é para menos: há pouco tempo viveu a experiência mais difícil da sua vida, quando três irmãos, de 18, 24 e 50 anos de idade, foram mortos, supostamente pelos terroristas, nas matas do distrito da Mocímboa da Praia, e os corpos só foram descobertos pela família três dias depois, despedaçados, onde um deles não tinha parte dos membros.
A forma em que os seus próximos encontraram a morte causou-lhe choque. “Tratamos o enterro ali mesmo, sem sabermos distinguir a quem pertenciam as partes do corpo que enterramos e voltamos à casa”.
Voltaram à casa apenas para arrumar as trouxas e fugir. Está em Nampula à busca de sossego – algo que não encontra com facilidade porque tornou-se difícil gerir a dor da perda e o trauma causado pelas imagens que ainda pairam na sua mente. “Aquilo não passa. Antigamente, na nossa terra havia pessoas que faziam tratamento tradicional, mas agora como não temos ficamos assim”.
Ele pode desenvolver um transtorno traumático decorrente da péssima experiência que viveu e pelo facto de não ter tratamento psicológico, segundo diz o psicólogo Háchimo Chagane.
“Aqueles que não só tiveram que sair das suas casas, mas também perderam os seus entes queridos, alguns dos quais nem sequer conseguiram fazer um enterro digno aos seus familiares isso vai ter situações como depressão, que tem a ver com o nosso estado de ânimo, as pessoas vão começar a ter situações como falta de motivação e falta de esperança em relação ao futuro”. E o tratamento para que não desenvolvam um stress-pós traumático ou doenças de fórum psicológico e psiquiátrico pode ser encontrado ao nível das comunidades.
“As tais depressões e stress pós-traumático podem ser geridas por tratamentos das nossas medicinas tradicionais e também aqueles rituais típicos de purificação porque essas pessoas vieram exactamente dessas zonas e passaram por essas situações traumáticas, precisam de ter algumas sessões, à nossa maneira moçambicana, de purificação”.
Cândido Moca, 64 anos de idade, natural de Muidumbe. Um homem com uma personalidade forte. Afinal de contas, foi combatente da luta de libertação nacional.
O terrorismo o fez deixar a terra natal e procurar acolhimento em Nampula. Sua esposa foi assassinada alegadamente pelos terroristas, juntamente com a sobrinha de 30 anos. “Ninguém enterrou o corpo da minha esposa, por causa da guerra. Acabou devorada pelos cães”, lamenta.
Mesmo com a idade acima da esperança de vida, o idoso passa por cima da dor e pede armas para combater os insurgentes. “Nesta guerra, quando pedimos armas não somos dados. Eles [os militares] é que têm armas e nós não temos e só fugimos”.
Os terroristas capturaram o seu tio quando estava a caminho da machamba e o assassinaram. A morte foi violenta. Ela e outros familiares realizaram o enterro possível, no local onde o corpo estava estatelado e depois fugiram por causa da insegurança.
“Foi pegue e depois o degolaram o pescoço. Depois disso, despedaçaram o corpo. E esses que cometeram esse acto usavam farda de militares”, disse Sabina Sebastião, de 50 anos de idade.
A fonte conta que até hoje não consegue dormir em paz. Lembra-se da forma como terminou a vida do seu próximo. Depois da entrevista, ela não conseguiu conter-se chorou.
Os dias perderam sentido para si e para muitas pessoas em Cabo Delgado. A morte é natural, mas ninguém consegue a encarar com naturalidade. Pior quando a vida humana é banalizada, as pessoas são mortas de uma forma que não se vê nem nas guerras mais sangrentas.
Na semana finda iniciou em Nampula o reassentamento definitivo dos deslocados de Cabo Delgado. Há muitas organizações que estão no terreno a dar assistência em roupa, utensílios de uso doméstico, comida, mas nenhuma presta assistência psicológica às vítimas.