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O inalcançável preço da felicidade feminina

Numa manhã que fazia sol, chuva, vento forte e brando, céu azul, cinzento e nublado, numa manhã comum de atmosfera corriqueira como aquela que cobre os dias mais ordinários das nossas vidas, não sabendo eu o que presentear as minhas sete filhas, todas aniversariantes do dia, decidi então proporcioná-las o que de mais valioso e prazeroso havia na vida: a felicidade.

Quem buscasse pela felicidade, precisava apenas de ir à pequena mercearia que se situa no centro da na nossa aldeia. A mercearia chamava-se sociedade. Então disse eu à minha filha, vá até à sociedade e traz-me felicidade conforme o teu desejo. Não precisa ser muita e nem pouca, basta apenas que seja suficiente para uma vida. Eu poderia ir lá buscar a felicidade dá-las de presente, seria até uma óptima surpresa, mas não seria a felicidade delas, seria a minha felicidade. Ela percebeu. Arrumou-se e lá se foi, a minha filha, para a sociedade, à busca da felicidade, da sua felicidade.

– O que buscas? – questionaram-lhe, os agentes da felicidade.

– A felicidade – respondeu ela, inocente.

Olharam-na. De soslaio, de frente, de trás, de cima, de baixo. Fizeram uma radiografia da sua imagem.

– Para ti não temos – sentenciaram os agentes, aquele que, lá na sociedade, cambiavam a felicidade.

– Como assim? – questionou, atónita, a minha filha.

– Olha para ti. Baixinha, pele escura, lábios e calcanhares rachados, dentes desalinhados, mãos ásperas, mal cuidadas e cheias de calos e esse corpo cheio de cicatrizes. Nem pareces uma mulher. Fazes o quê da vida? És uma adestradora de animais selvagens?

Não acreditei quando a minha filha narrou-me este infortúnio episódio. Pedi a segunda para que ela fosse até a sociedade buscar a felicidade e, curiosamente, a esta também lhe foi recusada.

– Não te podemos dar. Tão fina, comprida e com esse pé de colossal tamanho que mais parece de um soldado que de uma princesa. E essa tua cara? toda cheia de botões vermelhos e escuros? Deves ser uma doente.

Revoltado, pedi à minha terceira filha que fosse também a busca da felicidade, que igualmente lhe foi recusada. Disseram-lhe que não sabiam diferenciar se, entre ela e um elefante, quem era mais pesada. Sugeriram que ela aprendesse a fechar a boca antes de buscar pela felicidade. Disseram-lhe isso, lá na sociedade, na mercearia onde trafica-se a felicidade.

Foi a minha outra filha, a quarta. Riram-se dela e nem se deram o trabalho de ocultar o riso. Ordenaram-lhe que fosse primeiro buscar a pigmentação da sua pele e só depois disso poderia retornar e buscar pela felicidade.

À minha quinta filha, a sorte não lhe foi diferente.

– Toda vaidosa, com esses produtos coloridos nos teus lábios, essa face toda rebocada de químicos artificiais. Serás tu uma funcionária de uma fábrica de cimento? Ou terás deixado a tua face cair numa forma gigante de preparação de cimento e absorveste cimento suficiente para rebocar um edifício? E essa tua saia curta? Não te ensinaram a vestir em casa? ou pensas que és a única com ancas? Deves ser uma mulher de todos e de ninguém. És tu quem destrói os nossos casamentos e retiras a paz dos nossos lares. Não há nada para ti aqui – disseram isso, à minha filha, lá na sociedade, na mercearia onde ela foi a busca da felicidade.

Foi a minha sexta-filha, revoltada, aquela que tinha mais estudos, a busca da felicidade. À esta, foram contundentes com as palavras: – vá primeiro buscar um marido, sua bocuda. Os teus diplomas, aqui de nada valem. Se não tens um homem que dê sentido a tua vida, não és mulher suficiente para adquirir a felicidade aqui na nossa mercearia. São as solteironas como tu que atentam contra os bons valores das nossas famílias.

Foi a minha sétima filha, a minha última esperança. Pele clarinha, corpo esguio, cabelos longos, pele macia e movimentava-se suavemente. Chegou à sociedade, na mercearia onde vende-se a felicidade. Olharam-na, falaram-lhe cordialmente e disseram-na que o seu pedido seria atendido com a maior das honras que lhe são devidas. Mas antes, sarcasticamente, perguntaram-lhe:

– E a fatura? Enviamos para qual dos pais dos teus filhos? Sim… porque cada um dos teus filhos tem um pai diferente e não sabemos qual deles paga as tuas contas.

Era demais. Nenhuma das minhas filhas tinha direito à felicidade. A sociedade, aquela mercearia responsável pela felicidade, recusava-a, a todas elas. Decidi ir lá ter com esse agente da mercearia, esse homem que era o atalaia da felicidade, que decidia a quem dar e a quem não dar a felicidade. Esse homem teria de me explicar olhando nos meus olhos por que é que as minhas filhas, todas diferentes e perfeitas, não tinham direito a felicidade?

E as minhas filhas, em uníssono, disseram:

– Não foi um homem quem nos falou, foi uma mulher.

 

 

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