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O dia em que Rita Couto soube ser galinha com os incríveis Saltimbancos

Foto: CCFM

A actriz tem o C + O como duas letras inicias do seu apelido. Mas o CO, CO, CO mais interessante, no Franco, foi dela a imitar uma galinha. Absolutamente contagiante! No espectáculo designado Os Saltimbancos, este sábado, Rita Couto não só interpretou a personagem de um animal que ousou ser muito além de uma poedeira. Rita, RiTa ou RITA, pouco importa a grafia, soube ser a voz desses bichos que se superam no universo das fábulas.

Ao pormenor, completamente atenta às particularidades das pequenas coisas, dos pequenos gestos, dos sonhos subtis, às vezes ininteligíveis, a actriz ajudou a construir uma história montada pelos 54 membros dos TP50 que se apresentaram em duas sessões na Sala Grande do Franco-Moçambicano. Rita Couto superou o sentido dos verbos interpretar, encarnar, representar e etc. Na pele e nas penas dessa galinha rebelde, ousada, que foge de casa para (re)imaginar a liberdade de ser, de existir e de conviver, a artista fez do seu corpo uma autêntica totalidade convincente da sugestão. Temos actriz em Moçambique: dedicada ao que sente e ao que faz.

Ora subvertendo a posição anatómica humana, ora propondo a forma como as galinhas falariam, com aqueles CO, CO, CO de cacarejar, Rita Couto deu graça ao musical/teatro bem ao estilo do que TP50 tem habituado ao seu público. Os gestos com a cabeça, com os membros superiores e inferiores, o olhar espantando, neutro ou preocupado, inefáveis…

Há vezes em que a palavra parece pouca para tanta performance ou então há vezes em que os artistas vão muito além do que se pode escrever sobre eles. Esse é o caso de Rita Couto, actriz à vontade para se apresentar numa tragédia exigente como Incêndios ou num infanto-juvenil como Os Saltimbancos.

À parte Rita Couto, um dos “maestros” da peça/musical dos TP50 foi Fernando Macamo, um actor que não pára de evoluir. Trabalha com e para crianças há algum tempo, domina a linguagem infantil e torna simples o que para um ser humano comum poder ser caricato. A ciência da representação mora naquele actor bem à imagem do que se depreende em Samuel Nhamatate, actor com toques de bailarino sempre à vontade em matérias de dança.

Fernando Macamo foi o burro da história. Entretanto, bem ao contrário do que se diz, esse burro de Os Saltimbancos, o líder da equipa, afinal, de burro apenas tem o nome. O resto resume-se às seguintes palavras: inteligência, confiança e determinação.

Quanto a Samuel Nhamatate, foi cão. Para os que apreciam os caninos, mais próximo a um vira-lata e quase sem nada de um pastor alemão, por exemplo.

Além de galinha, burro e cão, o espectáculo teve uma gata preguiçosa na pele de Thandi Prista, uma artista em potência com cordas vocais bem sugestivas para o ritmo afro-jazz. “Está a vir!” e, talvez, dentro de anos, teremos o orgulho de dizer que a vimos ainda tímida na Maputo International School, mas já afinada no canto.

Na parte musical, o espectáculo contou Texito Langa (bateria), António Prista (guitarra), coro de adultos e de crianças da Escola Portuguesa de Moçambique. O arranjo musical foi feito por Décio Vembane. Já a coreografia, esteve na responsabilidade de Judite Novela, tudo na encenação de Maria Clotilde Guirrugo.

Quanto ao enredo d’Os Saltimbancos, apresentado na sequência das celebrações do Dia Internacional da Criança, em geral, sugere um debate sobre a relação homem-animal, tendo na matriz da história a luta pela liberdade corporizada pelo burro, pelo cão, pela galinha e pela gata. É uma história sobre sonhos, sobre a igualdade, sobre o direito dos animais e dos homens; é uma história de sonhos, com acertos e enganos à volta disso. No enredo, claro está, aparece bem representado esse movimento campo-cidade, às vezes, com motivações precipitadas. Desse ponto de vista, Os Saltimbancos dialogam com a literatura moçambicana, eventualmente, retirando dos contos a maneira como em regiões agrestes é pensada a vida urbana e vice-versa.

Num contexto em que nos preocupamos cada vez menos com os conteúdos para as crianças, contribuindo até para uma presumível devassidão, Os Saltimbancos, de TP50, é, seguramente, uma proposta graciosa indispensável aos mais novos e, igualmente, aos adultos. Parecem ser os adultos os que “nestes tempos estranhos” precisam mais de juízo. Só com discernimento o termo Educar poderá continuar a fazer sentido!

Pelas nossas crianças (e pela meninice despertada em nós, os adultos), Saravah, TP50!

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