Entregou-me uma moeda. Estendi-lhe os balões. Escolheu um. Era amarelo.
Ali mesmo, segurou-o com o trejeito do indicador e polegar. A língua desenhou uma vírgula sobre os lábios, lubrificando-os. Esticou os beiços. Fez um tubo com a boca como se a fosse meter no difícil sistema de canalização de um beijo. Apontou a boca ameaçadora para o balão. Enfiou-a como se o balão fosse um gorro. E assoprou.
O balão respondeu ao sopro. Mas voltou a cair. O puto não gostou. A flacidez desafiava-o. Voltou a assoprar com mais força. Assoprou, assoprou, assoprou. O balão, rendido, inchou, inchou, inchou.
Era um mufana gordo, como aquele do Craveirinha, que “… comprou um balão amarelo e assoprou, assoprou com força…”.
Outro mufana, magro, largou a correria, interrompeu o difícil expediente de brincadeiras, para admirar o balão. O sol, no ângulo poente, acendeu-lhe o olhar. A luz amarelava ainda mais o balão amarelo. O balão já cobria o rosto do gordinho. A barriga inchava e vazava, com a força de empurrar o ar todo para o balão. O balão crescia, crescia, crescia. O magrinho movia a cabeça para cima, cadenciando, à medida que o balão enchesse. A pele do balão esticava e ganhava transparência. O sol atravessava, dispersava a luz e doía nos olhos. O magrinho juntou as pestanas.
Às vezes o ar escapava. O gordinho irritava-se. Dobrava o sobrolho e assoprava o balão teimoso com mais força. O balão não queria mas cedia e crescia, como a barriga do menino. Entusiasmado a dominar o balão, enchia-o a todo o peito. O balão, oprimido, cansado, rebelou-se: puff! Rebentou, como aquele do Craveirinha, em que “… o menino gordo assoprou assoprou assoprou, o balão inchou e rebentou”.
O balão estilhaçou-se. Os putos fecharam os olhos. Sobressaltaram. Saltaram. Levaram as mão à cabeça. Fizeram a cara de susto que fazem os daquela parte do noticiário em que as bombas explodem muito. Caíram.
– Edjê, edjê, a bomba rabentou! – gritaram outros, sem interromperem o que brincavam.
O magrinho riu-se quando viu a cara de susto do gordinho. Riu-se ainda mais quando o gordo, ainda assustado, fez cara de zangado. Ria-se com a boca muito aberta. Rebolando no chão. Agarrando a barriga com uma mão e apontando para o gordo com a outra. O gordinho não gostou e foi-se embora. O magriço pôs-se a recolher os estilhaços da bomba e fez o que fizeram aqueles do Craveirinha quando “… o balão inchou e rebentou. Meninos magros apanharam os restos e fizeram balõezinhos.
Levou o pedaço elástico à boca. Soprou-lhe a areia. Encostou-o aos lábios. Num beijo, chupo-o até fazer um balão pequenino, dentro da boca (os balões dos gordos são grandes e assoprados. Os dos magros são pequenos e chupados). Fez muitos balõezinhos, arrumou-os disciplinadamente sobre um cartão. Olhou para mim. Estendeu o braço como se me servisse, aquele gesto que na língua da rua significa “estou a vender”. Desafiava com os balõezinhos amarelos, os balões inteiros que eu vendia. Dei-lhe um sorriso e ofereci-lhe um balão. Não era amarelo. Sorriu. Foi-se embora aos saltos, como se o sol poente o arrastasse. A silhueta desapareceu na luz. Desejei-lhe, sem falar nada, um feliz dia da criança.