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“Nos próximos dias, vão sair normas que definem que tipo de materiais de construção passaremos a ter”

Em grande entrevista, João Macarringue, coordenador-adjunto do Gabinete de Implementação de Reformas Económicas no Ministério da Economia e Finanças (MEF), disse que, através da implementação do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), o Governo vai anunciar as normas que vão definir a qualidade e especificação dos materiais de construção e que vão garantir a construção de infra-estruturas e habitações resilientes, evitando situações em que as casas devem ser reconstruídas devido à má qualidade das mesmas. Acompanhe a seguir a entrevista.

 

Estamos há quase um ano de existência do Programa de Aceleração Económica (PAE), que tem a duração de dois anos para a sua implementação. Que balanço é que o gabinete de coordenação do PAE faz da implementação do conjunto de medidas aprovadas para aceleração económica?

É com o redobrado prazer que aceitamos falar das medidas de aceleração económica. Queria só dizer que o balanço, como tal, será feito em momento oportuno a níveis apropriados. O que nós vamos fazer hoje é um apanhado do ponto da situação de implementação destas medidas, mas, para o efeito, precisamos de recuar para situar os telespectadores sobre a matéria a que estamos a fazer referência. Todos nós acompanhamos que até o ano de 2016 a economia moçambicana dava sinais de retoma, indicadores de alguma robustez. A partir de um certo período, começaram a surgir sinais preocupantes na nossa economia, ditados por factores externos e internos. Ao nível dos factores externos, contamos com a erosão dos preços das comodities das principais mercadorias no mercado internacional. Falamos também da eclosão da COVID-19, com todas as consequências que decorrem daí. Falamos, a nível interno, do surgimento de fenómenos calamitosos, tais como o Idai e Kenneth. Falamos da insurgência em Cabo Delgado, e como se tudo não bastasse, surgiram as dívidas ocultas e com elas a redução do apoio programático dos doadores na economia nacional. O Governo leu sinais preocupantes que requeriam a tomada de acções com vista a recolocar a economia nos carris. É daí que, através de consultas feitas ao sector empresarial, aos parceiros de cooperação e a todos os actores da sociedade civil, parece encontrar mecanismos que permitissem fazer uma contraposição aos fenómenos atrás descritos. Foi daí que se inscreveram as 20 medidas que foram decretadas pelo Presidente da República, no dia 09 de Agosto de 2022.

 

Nessas 20 medidas, temos uma delas, que tem a ver com a redução da taxa do Imposto Sobre Valor Acrescentado (IVA) de 17% para 16%. Entretanto, o sector privado reclamou que o Governo poderia ter reduzido mais. Entende que havia espaço para o efeito?

Talvez para caracterizar melhor e situar a sua pergunta, diria que as medidas que estamos a fazer referência assentam em dois pilares fundamentais. Um pilar que nós chamamos de pacote fiscal e de estímulo à economia, onde está justamente a questão programática do IVA. Falamos da isenção do IVA em alguns factores de produção para a agricultura, para a electrificação… e falamos da redução do IRPC de 32 para 10% nos domínios de agricultura, aquacultura e transportes urbanos. Indo à sua pergunta, a questão que se coloca é se, de facto, o Governo teria condições de reduzir ainda mais estes impostos? A resposta é não. O que nós temos, neste momento, é um problema sério no domínio de uma produção sustentável. Sem uma produção que ajude a economia a florescer, dificilmente se pode falar de redução de impostos. O que nós estamos a dizer é que esta redução representa já um esforço do Governo na obrigação ao abdicar de receber esta percentagem para permitir que parte deste valor fique nas mãos do sector privado e com estes recursos se possa apoiar a dinamização da economia. Estamos satisfeitos? Não estamos. Queríamos mais? Sim, mas é preciso que criemos condições, trabalhando para que possamos olhar isso de uma outra perspectiva.

 

E este esforço de que fala que o Governo fez de reduzir o IVA de 17% para 16%, que mudanças visíveis trouxe para o ambiente de negócios?

O ambiente de negócios circunscreve-se num espectro mais vasto, e esta questão do IVA nós situamos naquilo que chamamos de pacote fiscal, que tem em vista estimular a economia. Mas no domínio daquilo que chamamos de melhoramento do ambiente de negócios, boa governação e transparência, há um outro conjunto de medidas que corporizam essa componente. São as medidas que dizem respeito, por exemplo, ao repatriamento de capitais, que é a medida 5, que visa, fundamentalmente, assegurar que os investidores são atraídos a desenvolver actividade económica no país e, ao terem lucros possam, facilmente, fazer o seu repatriamento. Isto tem uma grande vantagem. Primeiro, alicia mais e capta mais interesse pelo país e, por outro lado, facilita o ambiente de negócios. A outra medida que está intimamente ligada a este aspecto tem a ver com a medida 6, que fala daquilo que nós chamamos de Controlo da Exportação dos Recursos Naturais. É uma medida extremamente estruturante, porquanto vem tentar colmatar um grande problema com que o país se debate. Quem diz o que explorou, o que exportou, a que preço e aonde é o próprio interessado. E o Governo, para aferir o valor a pagar em termos de imposto, baseia-se nessa informação que é prestada por essa mesma pessoa. Então, a conclusão imediata disto é que, de facto, tem havido um grande sacrifício do ponto de vista de perda de receitas.

 

E o que é que se está a fazer ao nível do Gabinete para garantir que haja fortalecimento da supervisão desta questão que é a fiscalização daquilo que é produzido face ao que é divulgado?

Esse processo através da medida 6 foi atacado em duas vertentes. A primeira vertente foi um diploma conjunto do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) e do Ministério da Economia e da Finança (MEF), que passa a estatuir a obrigatoriedade de preços de referência. Esta é uma medida paliativa, porque a mais profunda é aquela que tem a ver com o lançamento de um concurso internacional, que está na fase final da sua avaliação, que vai permitir a contratação de uma empresa avalizada, de calibre internacional, que vai permitir aferir se a informação que nos é prestada é verdadeira, quais são as quantidades, quais são os preços e referência do mercado internacional, e, acima de tudo, qual é a qualidade dos materiais.

 

Em quanto tempo poderemos ter esta instituição?

O que está a acontecer, neste momento, é que se está a fechar o concurso. Já se vai negociar a parte para a adjudicação e tenho a certeza absoluta de que, nos próximos 10 dias, este concurso será encerrado.

 

Ainda relativamente ao IVA, depois desta aprovação de redução de 17% para 16%, o mesmo Governo consentiu a introdução de IVA em sectores privados de saúde e também de educação que não eram antes tributados. Não acham que esta medida, que tem sido bastante contestada pelo sector privado, está a trazer um efeito reverso ao Pacote de Medidas de Aceleração Económica?

Não tenho essa percepção. Por uma razão, sabemos que ninguém quer pagar imposto. Tudo o que diz respeito ao sacrifício do bolso para a beneficiação daquele que é o bem comum, através do imposto, tem resistência. O que se passa é que, como deve estar a saber, as áreas de educação e de saúde já vêm sendo contempladas em termos de isenção por muitos anos. E a isenção que é dada pelo Governo tem em vista permitir que, durante a vigência das isenções, se criem as bases necessárias para o fortalecimento dessas empresas e, uma vez fortalecidas, possam contribuir, de alguma forma, na arrecadação de receitas. Naturalmente que o sector privado reclama e os utentes reclamam, mas efectivamente ao concedermos a isenção, por um lado, por outro lado, precisamos de encontrar outras fontes que possam mitigar o impacto resultante da redução dos impostos noutro domínio.

 

Ainda no âmbito destas medidas de aceleração económica, em Dezembro passado, foi lançado o EVISA, uma plataforma digital através da qual turistas e potenciais investidores têm acesso ao visto de forma facilitada, o chamado visto electrónico para entrar no país. Que balanço fazem dessa plataforma?

Esta plataforma é um dos principais troféus daquilo que é o sucesso constituído por essas medidas. É uma das primeiras amostras que nós colocamos no terreno, de facto, e que essas medidas têm impacto no que diz respeito à dinâmica da economia nacional. O que se passava no passado é que se fazia a promoção de captação de investidores, mas para se ter acesso ao país através do visto era uma autêntica dor de cabeça. Pensando nisso, e pensando nas medidas de estímulo à economia, o Governo concebeu essa plataforma de EVISA, que visa, fundamentalmente, assegurar o acesso fácil e rápido para os homens de negócios e para os turistas. Se me perguntarem qual é o impacto, eu vou dizer que o impacto é altamente encorajador. As taxas que se estão a apresentar em termos de pessoas que acedem à nossa plataforma de forma regular, as respostas que são dadas no terreno são bastante satisfatórias. Há aspectos por melhorar? Naturalmente que sim. Mas adicionalmente a esta e ao EBAU (Balcão de Atendimento Único electrónico), o Governo foi mais avante, identificando 29 países que representavam risco zero para o país e foi concedida a possibilidade de terem isenção de vistos para entrarem no território nacional. Todo esse conjunto de medidas assegura aquilo que nós chamamos de melhoria substancial do ambiente de negócio, facilitando grandemente o acesso dos investidores e turistas ao país.

 

O Gabinete é optimista em relação à implementação desta plataforma. Entretanto, em Abril deste ano, a ministra da Cultura e Turismo, ou seja, a ministra de tutela do turismo, lamentou a existência de poucos utilizadores desta plataforma. Entende que, mesmo assim, se está num bom caminho?

Naturalmente, quando se trata de uma plataforma nova, há sempre aquela hesitação inicial, por um lado. Por outro, o processo de divulgação não foi tão célere quanto foi a adopção da plataforma. Daí que, se estiver a acompanhar, nos últimos dois meses, estamos a progredir pelo país de lés-a-lés com vista a tornar este instrumento o mais amplamente conhecido. Por outro lado, trabalhamos com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, e reconhecemos que a divulgação ainda não atingiu os níveis que nós pretendemos, mas, à medida que o tempo vai passando, a informação vai fluindo. Temos a certeza absoluta de que os números que até agora se apresentam atestam, de forma inegável, à adesão das pessoas à plataforma.

 

A medida número 2 prevê também a isenção do IVA na importação de factores de produção para a agricultura e electrificação. Já aqui tinha abordado de forma geral este ponto, mas é possível já medir ou quantificar o número de beneficiários de entidades que trabalham neste sector?

Estamos a trabalhar, neste momento, no desenvolvimento de uma plataforma de monitoria e avaliação. Na primeira fase, nós dedicamos maior atenção à desmistificação das medidas, isto é, torná-las mais falantes, mais comunicativas. Criarmos um mecanismo que permita entender para onde se deve ir, o que temos que fazer e quem são as pessoas envolvidas. Deixamos para a fase subsequente a parte relativa à monitoria e avaliação. Apesar disso, nós temos uma plataforma, que está assente no Gabinete de Reformas, que é preenchido regularmente pelos sectores que interpretam as medidas e permite que nós, através do nosso Gabinete, tenhamos uma monitoria do que se está a passar nas diferentes áreas.

 

Neste caso, ainda não é possível medirmos ou quantificarmos os beneficiários desta redução do IVA nesses sectores da agricultura e da electrificação?

Como estava a dizer: a quantificação não é fácil de fazer, além de que essas medidas não têm um impacto imediato. Por exemplo, quando falamos de redução do IVA, nós vamos aos supermercados, compramos e está lá o IVA reduzido. Naturalmente, naquele momento, nós não nos apercebemos disso, mas, de facto, há impacto dessas medidas. O que nós estamos a tentar fazer é criar condições para aferir o real impacto disto. E, para o efeito, estamos a criar estas ferramentas todas, incluindo a adopção de uma área específica que vai cuidar única e exclusivamente da variação dos impactos. São 20 medidas, é preciso olharmos um bocado para todas elas. Falamos agora da medida 7, que fala sobre o fomento de habitação. Este ponto interessa muito à juventude. É preciso referir isto.

Sei que o Gabinete já teve encontros com o Fundo de Fomento para Habitação. Propostas já existem para melhorar o acesso à habitação?

Esta componente é das mais complexas, tendo em conta a envolvência que ela tem. Nós olhamos para esta medida numa perspectiva de reorientar a actividade de fomento de habitação sem abandonar a sua função de promover a habitação, mas para uma outra componente que chamamos a criação de áreas infra-estruturadas que vão permitir que o sector privado possa ter a atractividade para desenvolver de forma mais ampla a construção. Estamos a trabalhar nisto, temos várias comissões de trabalho que estão aí, já há propostas muito concretas das intervenções que se impõem, sobretudo no domínio de isenção para algumas coisas. Mas a par desta componente temos a parte relativa à promoção dos materiais de construção. O que acontece, neste momento, é que não temos especificações técnicas, referências técnicas para a produção de materiais de construção. Encontramos chapas de zinco que as pessoas dobram e carregam numa bicicleta. Que resistência tem essa chapa? Encontramos pregos que, ao dar a primeira martelada, se dobram. Encontramos arames, entre outras questões. Então, nesta componente de materiais de construção está-se também a trabalhar com o Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos (MOPHRH), com o Ministério da Indústria de Comércio (MIC), na definição de normas técnicas que vão passar a vigorar no funcionamento deste capítulo, de modo a criar materiais mais resilientes e que apoiam a construção de casas mais sustentáveis. Portanto, não se está a parar, está-se a trabalhar arduamente nisto e, nos próximos dias, vai sair tanta norma que vai definir que tipo de materiais de construção vamos passar a ter. Quando nós fizemos a divulgação, uma das questões que foi colocada pelos empresários, é que era boa essa chapa por ser barata e mais acessível às populações. E nós perguntamos: qual é o impacto real que tem isso? Esse barato por vezes se torna caro, porque uma chapa que com a primeira ventania se rasga e deita-se fora… significa que temos de comprar duas ou três chapas ao longo do ano. Se nós tivermos já as normas técnicas que definam a qualidade de chapa e o material que deve ser utilizado não só se vai economizar como vai permitir também casas mais resilientes.

 

Na qualidade do Gabinete que coordena a implementação deste pacote, que soluções é que estão a encontrar para estimular o sector de produção de material local?

Naturalmente, está associado a isto a um programa do MIC que tem a ver com o desenvolvimento da indústria. Na promoção de materiais locais, estamos a trabalhar com o MIC. Já foi feito o levantamento exaustivo das indústrias que existem neste domínio e está feito o diagnóstico também dos principais constrangimentos com os quais se debate para fazer a retoma disto. Se olhar para aquilo que é a medida 12, no que respeita à facilitação através da visão do decreto sobre as compras públicas, vai verificar que se dá primazia à produção nacional. É por usar através deste instrumento, combinado com a medida 7, que vai garantir que as empresas se sintam estimuladas porque há à partida garantia de colocação no mercado nacional, permitindo somente a importação daquilo que for impossível de se produzir localmente.

 

Esta é uma medida que interessa a muitos moçambicanos por estar ligada à questão do acesso à habitação. Há previsão de quando é que efectivamente este pacote relativo a esta medida vai estar todo ele fechado para a sua implementação?

Devo dizer que o facto de estarmos a reorientar o papel do Fundo de Fomento para Habitação (FFH) para fabricantes de materiais de construção não significa que ele abdica do seu papel tradicional, de fazer 200 ou 300 casas por ano. A verdade é que a leitura que é feita é que a esta velocidade, comparando com a demanda, nunca teríamos uma solução. Então, a solução passa por criar condições para que haja mais operadores nesse processo, incluindo a produção de materiais de construção. É a nossa percepção que, uma vez concluído este processo e aprovado pelas estruturas competentes, vai haver uma maior envolvência não só no domínio de produção de materiais como na dinamização da própria produção. Se me perguntar quando, eu diria que deve ser ontem. Mas, como sabemos, todo este processo leva o tempo de sua maturação para que, uma vez criadas as condições, possa ser implantado no mercado e avançar.

 

A quantas anda a medida 9, que prevê a criação de um fundo de garantia mutuária avaliado em cerca de 300 milhões de dólares? É preciso referir que este mecanismo visa garantir, através da banca, o financiamento a sectores prioritários com juros acessíveis. Por isso, questiono a quantas é que anda?

A medida 9 foi concebida para responder a uma das maiores preocupações que tem sido colocada pelo empresariado nacional, que é o acesso ao financiamento junto à banca. O que se pretende com esta medida são duas vertentes. A primeira vertente é do Fundo de Garantia propriamente dito, que vai assegurar que pessoas que não tenham colaterais possam, portanto, ter acesso aos recursos, na certeza de que o fundo colocado como garantia vai servir de fiança, efectivamente, para que em caso de default possa ser usado.

 

Como é que vai funcionar? As pessoas vão à banca e pedem o valor. Como é que isso vai funcionar efectivamente?

A estruturação do modelo de funcionamento está na fase conclusiva. Ainda não temos elementos de como é que isto vai funcionar do ponto de vista de operacionalização. O que foi feito, neste momento, é o desenho de todo o modelo. Foi feita a identificação da agregação às áreas, se for necessário fazer a intervenção. Mas eu dizia antes que a primeira componente é esta de Fundo de Garantia. A segunda é esta a que estava a fazer referência, que o estudo desenvolvido tem em vista encontrar mecanismos que estabeleçam que o acesso aos fundos seja preferencialmente a uma taxa de juros que pode estar abaixo da taxa de mercado nacional. Naturalmente, este modelo não está concluído. Está a ser discutido, porque há várias correntes sobre isto. Há experiências que vamos buscar nos outros quadrantes, mas assim que terminar isto, temos a certeza absoluta de que vamos conseguir minimizar o problema de acesso aos fundos. Mas queria dizer que esta medida tem uma outra componente que é o EBAU. Essa componente tem duas vertentes também. A primeira é que a foi feita no âmbito de simplificação de procedimentos e o alargamento a empresas que não tendo ainda alvará possam ter acesso à actividade empresarial. E isto tem como principal objectivo atrair as pessoas do informal para o formal. Simplificado procedimentos, haverá muito mais gente com apetência para entrar para o mercado formal. E este mercado formal é que vai permitir que as pessoas sejam qualificadas para ter acesso ao Fundo de Garantia Mutuária.

 

Já aqui apresenta os requisitos mínimos ou critérios para se ter acesso a um fundo?

Este é um critério geral. Há outros detalhados de acordo com o tipo e a área de intervenção.

 

A medida 7 prevê reformas no sistema de previdência social, avançando que todos os fundos de pensão, incluindo o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), passariam a ser supervisionados pelo Instituto de Supervisão de Seguros. Esse processo já está em implementação?

Essa medida é das mais estruturantes, tendo em consideração o que está a acontecer, neste momento. Existe um Instituto de Supervisão de Seguros que não tem a sua área de intervenção cobrindo os fundos do INSS. Rege somente com os fundos de previdência social e exclui, por falta de competência para efeito, os fundos do INSS. O que o Governo decidiu com essa medida? É transformar o Instituto numa autoridade. Essa autoridade terá a competência mais alargada que vai também abranger os fundos do INSS e vai contribuir também para uma melhor transparência na gestão.

 

Pretendem com isso reduzir os escândalos que têm estado a ocorrer?

Naturalmente que quando há fragilidade há ocorrência de comportamentos desviantes. A nossa apreciação é que, havendo um melhor controlo, havendo uma instituição que faça a supervisão, verifique a pertinência das propostas de investimento e acima de tudo assegure que a gestão seja feita por pessoas de competência reconhecida, através do concurso público, isso vai moralizar de certa maneira a nossa instituição.

 

A medida 18 prevê maior simplificação na arquitectura da Administração Pública através, por exemplo, da fusão de órgãos redundantes deste sector. Já se identificaram esses órgãos que são redundantes?

Esta é uma das medidas de alguma complexidade e, para o efeito, para não ficar dormente, nós fomos olhar para a medida e extrair aquela parte que podia ser mais célere na sua implementação.

Qual é a parte?

É a parte da interoperatividade. Fomos associar a medida 15 de EBAU. Enquanto, a parte relativa ao estudo mais profundo da arquitectura poderá levar um pouco mais de tempo. Mas dentro dela, extraímos a componente da interoperatividade. O que está a acontecer, por exemplo, com o BAU nos moldes em que vinha funcionando é que na concepção originária o BAU deveria ser o One Stop Shop. Significa que se você vai ao BAU teria tudo o que lhe permitisse no dia seguinte iniciar a actividade empresarial. Mas a prática ditou que as coisas não funcionam disso. É daí que foi feito um redesenho da plataforma, acoplando o que chamamos de portal, que vai permitir também que através de acesso informático possas submeter a sua petição e, ao sair o despacho, já sais habilitado para fazer a sua actividade com todas as conexões feitas nesse domínio. É esta grande inovação que foi feita no EBAU e estamos esperançados que, tão breve quanto possível, iremos brindar o nosso sector empresarial com mais esse presente.

 

Insisto com esta questão: já foram identificados os órgãos redundantes?

Estava a dizer que a parte de complementar é que fomos atacar, que é interoperatividade, a parte que julgamos que é muito mais complexa, que exige muito mais estudo e muito mais trabalho, levará mais algum tempo.

 

E tudo já começou?

Naturalmente que sim. Não há nenhuma medida que esteja inerte. Todas elas são activas. O grau de celeridade em que se encontra depende um pouco mais daquilo que é a complexidade que nós encontramos no percurso. Neste momento, já podemos dizer que a medida 18 tem uma componente que tem a ver com a arquitectura, que julgamos que é muito mais complexa e vai levar muito mais tempo o seu trabalho, até a sua conclusão, e fomos-lhe retirar, para não ficar parada a medida, aquela componente que deixa de vez a interoperatividade, que é muito mais célere.

 

Como é que esperam avançar com reformas tendentes a garantir a informatização de serviços garantindo a sua protecção contra actos corruptos?

Se formos a olhar para todas as medidas, elas centram naquilo que nós chamamos de sector privado. A intenção do Governo é criar um nivelamento que permita que o sector privado possa operar dentro da maior facilidade possível. E essa facilitação passa por aquilo que nós chamamos de transparência. Quanto mais transparentes forem os procedimentos, menor será o campo para comportamentos desviantes. Naturalmente, é difícil extinguir ou exterminar por completo esses fenómenos que têm a ver com o homem. O homem é um animal tendencialmente inovador para questões de algumas atitudes. Enquanto nós formos aperfeiçoando o mecanismo, há também um estudo para ler o que é feito para contrapor aquilo que são as medidas. Mas é a nossa convicção que se toda essa arrumação for feita no sentido de simplificação de procedimento, de digitalização de serviços, tornar a interactividade entre esses sectores, vai haver uma maior previsibilidade. E havendo maior previsibilidade, dificilmente será fácil o campo para aqueles que se instalam para criar distúrbios no sistema. Mas não vai acabar de um dia para o outro, vai levar tempo. É uma cultura que tem de ser trabalhada ao longo do processo.

 

Abrimos agora o campo para falar sobre receitas fiscais derivadas da exploração de recursos naturais. Isto está previsto no ponto 8 da medida 8, que prevê a alocação de 10% destas receitas às províncias onde está a ser desenvolvida esta exploração. A lei e o regulamento que viabilizam esta iniciativa já existem. Entende que estão criadas as condições para que haja transparência neste processo?

Naturalmente que sim. Todo o esforço, quer de digitalização, quer de simplificação, quer de publicização dos actos públicos, têm em vista tornar a informação mais acessível e apoiar as pessoas naquilo que é a supervisão e salvaguarda dos seus direitos. Essa medida em concreto é aplaudida. Nós fizemos agora um trabalho pelas províncias de divulgação e a medida foi amplamente aplaudida. Não só isso, o MEF, recentemente, também tinha uma equipa que andou em todas as províncias que têm recursos minerais a serem explorados, para tornar essa informação mais massificada possível. O que havia no passado? Havia uma regulamentação que permitia que 2,75% fosse recair na zona onde o recurso mineral é extraído. E isso criava um desconforto na província, porque nem todas as províncias têm todos os distritos com potencial de recursos. Então, somente aqueles que tinham recursos naturais é que se beneficiaram disto. No âmbito desta medida, o que foi feito foi elevar de 2,75 para 10%, permitindo que o 7,25% adicionais sejam alocados à província na sua globalidade, que através de projectos estruturantes, definidos de acordo com as próprias comunidades e prioridades definidas na província, possam beneficiar toda a província comum, no conjunto. É uma medida que é bastante salutar, tendo em conta que a província, no seu todo, passa a beneficiar-se, portanto, dos seus recursos naturais.

 

Diz que se olharmos apenas para as leis, poderemos ter tudo muito bem encaixado no seu lugar, mas a questão é o que acontece efectivamente nestas regiões. O que acontece é que há ambiente de tensão nas comunidades, tudo porque elas não se sentem beneficiadas pelos megaprojectos. O que é que se está a fazer para que esta medida tenha os efeitos desejados, para que saia do papel mesmo para a prática?

A primeira coisa que foi feita, eu disse há pouco tempo, foi feita uma divulgação. Segundo, através dos mecanismos de controlo do próprio ministro da Economia e Finanças, assegura-se que a partir do orçamento seja o valor canalizado à província, expressamente orientado para este destino e vai haver mecanismos de controlo que permitam a supervisão na implementação dessas medidas. Muitas vezes, nós criamos normas. É fácil criar normas, é fácil revogar uma lei, mas a parte mais complexa tem a ver com a implementação e a capacidade de um enforcement de zelar com que as medidas tomadas sejam efectivamente cumpridas. Com base nas lições que acabou de referenciar, e tendo em conta aquilo que é a realidade do país, o esforço que está a ser feito é de assegurar que os recursos sejam alocados à província, destinados ao benefício das populações beneficiárias, sejam efectivamente canalizados para o efeito.

 

Fala aqui de medidas de controlo, em que vão consistir?

Se for olhar para a medida 20 do PAE, ela fala daquilo que nós chamamos de necessidade de fortalecer a supervisão dos fundos que são colocados pelo Governo através do Orçamento Estado. O que existe é que, neste momento, a capacidade que o nosso Governo tem de assegurar a monitoria, a supervisão, a inspecção de funções alocadas ao número de todo o país é cerca de 20%. E é através deste mecanismo e desta medida que foi criado agora aquilo que chamamos fortalecimento da unidade que tem a função de supervisar a realização das despesas e o funcionamento dos orçamentos ao longo das províncias. E a ideia é que, até ao final desse processo, possamos ter pelo menos uma capacidade de cobrir até 70% do Orçamento do Estado. Achamos que é um esforço gigantesco. Se conseguirmos cobrir isso, já vai ser muito bom, porque, como sabem, há um princípio que diz que a oportunidade cria o ladrão. As pessoas, ao terem os recursos à sua guarda, sem que haja um mecanismo de monitoria, de supervisão e de reporte, faz com que, por vezes, a apetência por se apropriar ganhe campo e criem comportamentos de gente. Pensamos nós que, com o efeito de persuasão, podem reduzir-se os níveis de erosão dos fundos de Estado.

 

E por falar em esforço, há uma medida do Pacote de Aceleração Económica que fala da melhoria da competitividade dos aeroportos e também dos corredores logísticos do país. Qual é o plano que o Gabinete tem para tornar os aeroportos, por exemplo, mais atractivos? Falo até de casos como o Aeroporto de Nacala e o aeroporto de Xai-xai.

Está a falar na medida 11. Esta medida fala da maioria dos corredores logísticos do país e dos aeroportos. Todos nós falamos, quando andamos a promover investimento, promover exportações, que o nosso país está numa localização geográfica, é corredor, tem o interland, mas na prática a burocracia que reinava nessas unidades produtivas era tal que desencorajava, estava desalinhada com o discurso. Através dessa medida, há grandes acções que foram tomadas neste domínio, a começar, por exemplo, com a entrada de Ressano Garcia. Foram aprovados os instrumentos de simplificação, foram eliminados procedimentos de pagamentos manuais, foram, portanto, criados sistemas que dão celeridade no trânsito de mercadorias, criou-se aquilo que se chama transshipment. Há todo um conjunto de factores que foram tomados com vista a tornar os nossos portos e aeroportos muito mais atractivos. No que respeita aos Aeroportos está, neste momento, a ser desenhado, na fase terminal, a revisão de pacotes, que vai permitir a redução das taxas que nós pagamos, nós cobramos nos aeroportos. Todo esse conjunto tem em vista simplificar os procedimentos, tornar as nossas zonas verdadeiramente corredores logísticos, que tornem o país efectivamente apetecível, não só para fazer o negócio, para fazer o transshipment, para fazer a colagem e a descolagem dentro do nosso país. É uma medida que está a ser dirigida directamente pelo ministro Magala e há muito trabalho que está a ser feito neste domínio. Também, só para acrescentar, ligado a isso, foi feito um grande esforço no sentido de promover uma equipa técnica que abarca vários ministérios, que foi visitar as facilidades que existem nos outros pontos de entradas, nomeadamente na fronteira entre Zimbabwe e África do Sul, onde temos um modelo quase que acabado de uma infra-estrutura célere, bem gerida e capaz de tornar o ambiente muito mais atractivo e tornar cómodo o movimento entre os países. Neste momento, está na fase do estudo de viabilidade económica para se implantar um sistema similar em Ressano Garcia.

 

Fala aqui da simplificação de questões processuais, mas na prática, bem recentemente, acompanhamos e temos estado a acompanhar que a Estrada Nacional Número 4 tem sido um martírio para camionistas e até para automobilistas normais, podemos assim considerar. Não entendem que a questão do tráfego é uma barreira?

Naturalmente, tem de se olhar para esta problemática não só do ponto de vista do nosso lado. Temos de olhar um pouco mais depois da fronteira para encontrar as reais causas que ditam este processo. Nós, porque estamos abaixo da linha, sofremos um impacto que parece muito mais visível aqui no nosso país. Mas este é um problema externo no nosso país. E pode afectar o PAE. Está afectado naturalmente porque todo o conjunto de esforços que nós fizemos de, simplificação, de tornar pagamentos eletrónicos, tudo isso, encontra obstáculo porque, do outro lado, não encontramos ainda a correspondência. Há todo um conjunto de problemas que existem neste momento na África do Sul que nos afectam grandemente. É nossa convicção que seja um problema transitório para o qual não temos como intervir. Cada Estado tem a sua autonomia, tem a sua forma de resolver o problema, mas nós temos consciência de que o que se passa na fronteira acaba por afectar grandemente o esforço do nosso país.

 

E em relação aos corredores logísticos, temos três no país, salvo o erro, e a estrada não tem sido um bom dado a ter em conta, devemos assim considerar, pelo menos quando o Rio Save marcha para o Norte há reclamações de que as condições da cidade também não permitem que o corredor seja atractivo…

O PAE não substitui as instituições. As atribuições e competências dos ministérios e dos diferentes sectores económicos permanecem intactos. É a tarefa do PAI apoiar, dentro da agriculturação, as medidas, aspectos que têm a ver com bloqueios, aspectos que têm a ver com a comunicabilidade entre as instituições. E, acima de tudo, aquilo são barreiras. Essa é a nossa tarefa. Agora, no contexto geral do desenvolvimento económico, os planos económicos, o plano de desenvolvimento nacional permanece tal como está e, como sabem, os problemas económicos que nós enfrentamos não só se fazem sentir naquilo que é a capacidade de intervir nas infra-estruturas como em outros domínios, mas deve chamar a atenção que Moçambique não é uma ilha. Se é uma resistência económica a nível mundial, naturalmente nós ficaremos ressentidos. Deve ter acompanhado há pouco tempo o ministro das Obras Públicas e Habitação anunciou, recentemente, os troços que vão ser objecto de intervenção. Isso para mostrar que não há desconhecimento dessa realidade.

 

Estava aqui a trazer uma ideia de que o PAE não anda sozinho, aliás não substitui instituições já existentes. Como é que está a articulação com estes vários sectores?

Quando foram anunciadas as medidas, no mesmo pacote, o Presidente da República decidiu que devia ser criada uma unidade de coordenação na implementação destas medidas. É daí que surge o Gabinete, vulgarmente conhecido por PAE, mas é o Gabinete de Implementação de Reformas Económicas que está adstrito ao Gabinete do Ministro de Economia e Finanças. A principal função deste gabinete é, de facto, coordenar, e olhar para as diferentes medidas, identificar os diferentes intervenientes, sentar com ele e desenhar o plano de acção. E é com base no plano de acção dos sectores que nós fazemos a monitoria. Temos uma base regular, a informação que é prestada pelos sectores, e numa base mensal, sentamos com os sectores para afinar quantos é que andamos. Uma operação que é feita na medida 11 é lançada na plataforma e nós visualizamos o que está a acontecer. E temos aquilo que chamamos de marcas determinadas. Por exemplo, esta medida, é suposto ser cumprida nos próximos dois, três, quatro, cinco dias. Se se passarem os cinco dias, essa medida não é cumprida, há um sinal vermelho que nos alerta na nossa plataforma que há um assunto que nos está a ser encaminhado. Nessa altura, chamamos o ponto focal desse ministério para nos explicar o que está a acontecer. O mecanismo que permite que, de facto, as pessoas possam despertar.

 

Há dificuldades?

Sim, porque estamos em processo de transformação. Estamos a falar de mudanças. E quando se fala de mudanças, há sempre, primeiro, o medo do desconhecido. Segundo, o abandono de práticas anteriores para novas práticas. Todo esse conjunto faz com que as pessoas, por instinto, criem alguma resistência. Mas à medida que o tempo vai passando as pessoas estão cada vez mais acometidas a desempenhar a sua actividade de forma eficiente. Este é o mérito deste gabinete, é o mérito dos conceitos deste projecto e nós fazemos numa base semanal o reporte dos avanços ao nosso ministro e havendo algum interesse no Ministério específico é o nosso ministro que ajuda também no desbloqueamento.

 

Para já, até onde vai o vosso raio de actuação? Pergunto isto porque o PAE, como já dizia, abarca sectores distintos e cada um deles tem a sua especificação e a sua dinâmica também.

Muito bem, eu dizia que nós temos de olhar para as medidas, cada uma delas encerra uma instituição ou duas instituições. Por exemplo, a medida 15 que fala de IBAU não só diz respeito ao MIC, mas também diz respeito, por exemplo, à informática, a CEDSIF, diz respeito ao INAS, diz respeito ao Ministério da Justiça. Portanto, esses ministérios todos têm interesse na causa. E tendo interesse na causa, o instrumento que nós utilizamos é através da harmonização da actuação deles, fazendo com que todas as pessoas entendam que estão numa cadeia, em que a falta de cumprimento de um acaba por afectar o sistema no seu todo. Nós consideramos que estamos no bom caminho, já não temos situações de resistência, ao ponto de as pessoas com medo desconhecido não acolher. Quando há dúvidas, as pessoas aproximam-se, clarificamos as dúvidas e continuamos à frente. É a nossa convicção que se tudo correr ao ritmo em que está neste momento, teremos surpresas bastante agradáveis a anunciar através dos meios apropriados no canal adequado aquilo que será o primeiro balanço da actividade do Gabinete de Reformas Económicas do MEF, que será o primeiro balanço do primeiro ano do PAE.

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