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“Não existe liderança política na oposição” desde que morreu Dhlakama

O académico Lourenço do Rosário diz que há cinco anos que Moçambique não tem uma liderança de peso na oposição, depois da morte de Afonso Dhlakama. Já Dom Dinis Sengulane destaca o carisma e a influência que o líder da perdiz tinha na oposição.

Passaram, ontem, cinco anos depois que o antigo líder da Renamo, Afonso Dhlakama, morreu vítima de doença. Para Lourenço do Rosário, que, vezes sem conta, teve de interagir com o malogrado para aproximar as partes com o Governo, o país está há cinco anos com uma fraqueza na liderança da oposição.

Do Rosário tem uma “sensação de que não há oposição”, que, para si, se justifica pelo facto de que “não existe uma figura, que não seja do poder, e que seja um líder político, que pensa diferente”. É uma percepção sobre a qual “ninguém, na oposição, tem carisma suficiente para dizer as coisas com peso”. Está tão certo que afirma que “ninguém” o pode “convencer disso, neste momento”.

Carisma é também destacada por Dom Dinis Sengulane, que busca, do passado, o poder que Dhlakama mostrou ter aquando da assinatura do Acordo Geral de Paz. É que “estávamos em guerra e, 24 horas depois do cessar fogo, os dois líderes tinham conseguido silenciar as armas, o que mostra o poder de influenciar”, disse Dom Dinis Sengulane.

DHLAKAMA ALERTOU SOBRE A NECESSIDADE DE SE TER UM SUCESSOR

Na última vez que Afonso Dhlakama orientou uma reunião da Comissão Política Nacional da Renamo lançou um alerta. Foi em Setembro de 2017 e a reunião alargou-se a outros quadros do partido.

O alerta foi: “não vejam Dhlakama como pedra e dizerem que têm um bom presidente e que puxa o partido. E se eu morrer hoje?”

Não morreu em Setembro de 2017, mas isso veio a acontecer cerca de oito meses depois, a 03 de Maio de 2018, ou seja, há exactos cinco anos. Foi-se o interlocutor de Joaquim Chissano, nas negociações de Roma, o interlocutor de Armando Guebuza no acordo de cessação das hostilidades em 2014 e de Filipe Nyusi nas matas da Gorongosa, nas negociações que culminaram com o Acordo de Paz Definitiva de Maputo.

Um homem que, embora usasse armas para mostrar insatisfação, sabia que, por exemplo, a solução para os conflitos pós-eleitorais no país estava num e único procedimento: o diálogo, que, segundo ele mesmo, não devia ter “prazo, devia-se sentar sempre que houvesse algo de errado; mas, para eliminar de uma vez por todas, é preciso entendermos as razões de fundo”.

Nas vezes que a fórmula funcionou, Afonso Dhlakama arriscava até alguns passos nos seus comícios quase sempre cheios e, até, contava, com algum humor, as peripécias dos embates entre a Renamo e as Forças governamentais. “Nós disparávamos um tiro em Morrumbala e as FPLM saíam a fugir e nós ficávamos cinco meses a carregar armas”.

Até carregavam as armas, mas ele era claro em dizer que não era isso o que queria. “O que eu quero é andar com a minha mulher com segurança, por saber que alguns dos nossos estão no topo das Forças”.

Esse não era um posicionamento que ele deixava apenas consigo, fazia questão de partilhar com quem se aproximasse, tal como fez com o Professor Doutor Lourenço do Rosário, que revelou ao “O País” que “a partilha do poder era uma das formas de garantir a pacificação deste país”.

Lourenço do Rosário foi, por várias vezes, mediador entre o Governo e a Renamo. Nessa qualidade, conheceu como poucos a figura de Afonso Dhlakama. “Afonso Dhlakama falava comigo em Sena, isso revelava a nossa cumplicidade”.

Uma cumplicidade que fez com que fosse a Lourenço do Rosário que a Renamo entregou as armas depois que, em 2015, a casa do líder da Perdiz foi cercada por forças governamentais, alegadamente para buscar equipamento bélico perdido num ataque anterior feito contra Dhlakama. Nessa altura, Dhlakama preferiu entregar as armas aos mediadores.

Foi Lourenço do Rosário quem fez chegar o armamento ao Governo, num episódio que o marcou de forma negativa. Do Rosário diz-se ter sentido “traído e que, diante das pessoas”, acabaram por ser eles os traidores, já que tinham sido os mediadores que foram buscar Afonso Dhlakama das matas no dia anterior.

Essa é a memória que, também, não sai da cabeça de Dom Dinis Sengulane, outro mediador dos diálogos entre o Governo e a Renamo. “Foi um episódio muito perigoso para todos. Precisámos de negociar com ele para que ele não fizesse o que queria mandar fazer”.

Na altura, Dhlakama tinha revelado o que queria mandar fazer: “Queria mandar destruir tudo, mas o meu espírito cristão desceu e eu fiquei calmo”.

Por falar em espírito cristão, do fundo das memórias do Bispo Dom Dinis surge um episódio em que foi usado o livro bíblico de São Mateus 5- versículo 7 para apelar à paz. Uma mensagem que ele aceitou “e pediu que a levássemos ao Presidente da República”.

E levou-se a mensagem a Joaquim Chissano. Daí foram tratados os passos subsequentes para que o Acordo Geral de Paz tivesse lugar em 1992. Desde então, dedicou-se à política activa.

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