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Nachfolgen Craveirinha

Por Valério Maúnde

 

O ano de 2022 marca o centenário de José João Craveirinha, o pai dos poetas moçambicanos.  Para celebrar a vida e obra deste mafalalense de grande vulto, muitos são os eventos realizados, a saber: conferências, simpósios, saraus, recitais e noites de poesia.  É assim que se vê preenchida a agenda cultural do mês de Maio.

Trata-se de iniciativas louváveis e aclamáveis, pertinentes e necessárias, mas que pecam pelo seu carácter efémero. Ou melhor dito, na linguagem que nos é própria e comum, são sol de pouca dura.

“Devemos então celebrar o Zé o ano inteiro?”, perguntarão. Sim e não é a resposta.

Sim, para não deixar morrer o homem que, no breve lapso temporal de uma vida, conheceu inúmeros nascimentos.

Não, se for nos moldes em que se vê, reduzindo todo o seu legado a uma mera agenda cultural com a breve duração dos ponteiros de um relógio.

“Como, então?”, soaria insistente a inquieta e inquisitiva voz.

O como da questão (ou da resposta) pode ser encontrado numa palavra emprestada da língua alemã, a qual não ouso pronunciar, mas que suponho grafar-se assim: nachfolgen. Traduzido para o Português, este verbo germânico entende-se como suceder ou seguir (por trás, imitando). É preciso “nachfolgen” as pegadas de Craveirinha para celebrá-lo e calçar os seus sapatos para lembrá-lo.

Reza a história, e os seus escritos o confirmam, que o Zé era um homem de inabalável opinião e sólida convicção, que não vergava ante a opressão, ainda que isso acarretasse quase meia década distante da sua Maria, vendo o sol ganhar formas geométricas quadrangulares da aurora ao ocaso. Tal amargo cálice bebeu Zé, imbuído de aspirações independentistas, agarrado ao firme anelo de ver o seu povo, não de joelhos, mas de pé, não de mãos estendidas, mas de mangas arregaçadas. Por que então o celebramos sentados em conferências que reproduzem os seus escritos, mas não produzem a mudança de que o povo precisa e que Craveirinha sonhou e lutou para alcançar?

Celebrar Craveirinha é nutrir um espírito combativo, que não se sujeita às injustiças político-sociais. É não compactuar com a ilegalidade, é não ruminar o silêncio que consente, é levantar a voz da Luz como o Ed(i)son, para alumiar as mentes entenebrecidas pelo conformismo. É acreditar que as coisas podem mudar, e mudá-las, ou pelo menos tentar. É não deixar renascer as guias de marcha hoje monetizadas, baptizadas de portagens, as quais restringem e fazem perigar o direito de ir e vir. É não viver a fingir. É questionar a razão de Moçambique ser uma ilha de mendicância, sendo banhado por índicos mares de abundância.

Memorar Craveirinha é atentar para a sua voz, que dirigida a mim e a ti, indaga com dó e agonia, esta incómoda mas imperiosa questão:

 

“[…] perguntando

Se viver é mais ainda

Isto de rastejar vivo”

[como hoje vivemos] *

(José Craveirinha, in Moçambique e outros poemas dispersos)

(*o grifo é meu)

 

 

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