Por: Valério Maúnde
É sexta-feira. O bairro de Bagamoyo, popular por possuir um apreciável acervo de mulheres esbeltas, mas calculistas (marandzas), é agraciado com o anúncio da actuação de um afamado cantor no bar mais badalado da zona. A gosto ou a contragosto dos moradores, cartazes promocionais foram afixados nos muros e postes da zona.
Para a maioria dos residentes, a notícia provocou um grande entusiasmo. Todavia, um deles, Janito, filho da dona Cláudia, vendedeira de fiosses (biscoitos fritos),viu-se dividido entre o entusiasmo e o desânimo,porque a sua ida ao espectáculo (show) dependia da autorização de sua mãe, que se declarava incapaz dedesembolsar os 1000MT cobrados pelo ingresso.
Perante a incontestabilidade dos argumentos da mãe, Janito dá-se por vencido e conforma-se com a triste sorte de ter nascido numa família economicamente carente, incapaz de custear despesas que transpusessem a fronteira da necessidade.
Deitado no sofá da sala com o celular na mão, Janitotem a atenção repartida entre as redes sociais e amúsica vinda do ‘Dakwas Bar’, local em que se aguardaa chegada do astro da tarde. Subitamente, o público vaiao rubro, gritando o nome de umas das faces da moeda, mais precisamente, do lado com o emblema do Banco de Moçambique – “Bander, Bander…”. Atento aos sons que chegam, Janito interrompe a navegação e põe-se a fantasiar na sua mente o ambiente no interior do bar.
Mais um pouco e o público desata a indagar, aos gritos, a raça de uma enigmática figura feminina, gritava: – “É mulata ou não é? É mulata ou não é?”
Da cozinha da casa, dona Cláudia também acompanha a euforia vinda do bar. Até ali, tudo lhe parecia normal, até que lhe violentam os ouvidos certos impropérios ditos pelo público com grande vivacidade. O que, no início, se propunha um espectáculo musical, tornava-se, para a pacata dona de casa, um campo de batalha em que o público, insatisfeito, talvez, com o atraso do cantor, expressava a sua indignação, vociferando insultos: “kongonwako, kongonwako…” (filho da mãe,em ronga).
Escandalizada, a dona Cláudia chama por Janito, para expressar o seu alívio por este não ter ido ao concerto, ou viria a ser vítima da fúria popular, caso os protestos do público não sejam contidos.
– É melhor esse Bander pedir desculpas! – sugere a dona Cláudia.
– Pedir desculpas por quê, mamã? – questiona o Janito, confuso.
– Não estás a ouvir que as pessoas estão a insultar o cantor?
– Não estão a insultar, mamã, é música dele.
– Música?! – pergunta a mãe, incrédula.
– Sim. As pessoas estão felizes porque ele já chegou, por isso estão a gritar ‘kon…’– explica o adolescente, sem coragem de completar a palavra insultuosa.
A senhora faz uma pausa para fitar as feições do filho, tentando avaliar se é a sério que fala ou se faz pouco de si, mas a firmeza e a calma do rapaz mostram tratar-se da mais crua e desnuda realidade. Mais decepcionada que pasmada, indaga:
– E é isso que querias ir ver, meu filho?
⁃ Sim, mamã, essa música está a bater… – esclarececom entusiamo o filho.
A dona Cláudia tenta verbalizar qualquer coisa, mas a tristeza rouba os sons às palavras, abortando assim o intento. No restante da tarde, a mãe do Janito põe-se a pensar em como os tempos mudaram. Se antes as músicas pautavam pelo pudor e decoro, hoje, as mais ovacionadas são as que “batem” (na moral, na ética e nos bons costumes). Mudam-se os tempos, pervertem-se as vontades!