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Produção orgânica: Moçambique deve investir em políticas e em certificadores nacionais

Os participantes da Plataforma MOZGROW, da FUNDASO, defenderam, esta quinta-feira, que Moçambique deve investir em tecnologias, na definição de políticas públicas e em certificadores nacionais, de modo a fomentar a produção orgânica e a desenvolver a agricultura familiar.

Quase numa só voz, os participantes da Plataforma MOZGROW, iniciativa da FUNDASO em parceria com várias entidades, referiram-se às potencialidades e aos desafios da produção orgânica no país. Durante o debate de hora e meia, transmitido em directo pela Stv Notícias, os especialistas agrários identificaram problemas e ainda explicaram o que deve acontecer para que o desenvolvimento do sector seja uma realidade. O primeiro a intervir foi Hipólito Malia, Engenheiro do Instituto de investigação Agrário de Moçambique (IIAM). No seu discurso, Malia sublinhou que o investimento nas tecnologias testadas e disponíveis é um passo decisivo. Paralelamente, “o passo seguinte é trabalharmos com a extensão, de modo que essas mesmas tecnologias possam chegar aos produtores nacionais na melhor condição possível”. Para o efeito, o que o IIAM tem estado a fazer é usar o conhecimento que o produtor possui, sem uso de insumos e pesticidas, para promover boas práticas agrícolas e ao meio ambiente. “Só a partir daí poderemos chegar à verdadeira agricultura orgânica”.

Sob o lema “Transformar para competir”, no debate inaugural deste segundo dia da MOZGROW, Hipólito Malia lembrou que a produção orgânica é um desafio mundial. Nesse sentido, frisou, Moçambique tem algumas vantagens. Por exemplo, a terra. O que deve acontecer para que essa vantagem seja realmente visível é um maior investimento na pesquisa em produção orgânica. Depois, “Moçambique deve garantir a segurança alimentar e a segurança de alimentos. Tanto a produção orgânica, bem como a produção convencional devem caminhar juntos e, como país, temos o desafio de aumentar a produtividade”. Não queremos só atacar o mercado nacional, queremos e temos potencialidade de atacar o mercado internacional”. Tal empreendimento, disse, depende da criação de uma norma de boas práticas agrícolas locais.

No debate da manhã desta quinta-feira ficou claro que a agricultura orgânica, com investimento, dá dinheiro. Mas isso depende de muito rigor, segundo advertiu Jorge Matos, Engenheiro Técnico Agrário da Biochem: “A agricultura orgânica exige mais especialização à sua produção, porque os trâmites para a certificação não são tão fáceis quanto as pessoas pensam. É possível fazer uma produção orgânica, e cerca de 90% dos nossos produtores produzem de forma orgânica. Mas essa produção não tem qualidade suficiente para ser certificada. A certificação exige um certo número de requisitos”.

Neste momento, o sector da agricultura encontra-se a fazer um regulamento da produção orgânica, o que, segundo Matos, deve acontecer dentro dos padrões internacionais, com obediência de 100 passos de controlo de qualidade. “Não é impossível, mas leva o seu tempo”.

O Engenheiro Técnico Agrário da Biochem afirmou que os instrumentos normativos são importantíssimos para o incentivo à produção orgânica, o que deve estar associado aos ensaios de demonstração de tecnologias e à criação de centros de produção que favoreceram os agricultores. As normas devem funcionar para regular, conjugar esforços do Estado com o sector privado. E “organizar o sector produtivo colectivamente é fundamental”.

O debate da Plataforma da MOZGROW contou com a participação de Jaime Ferreira, Presidente da AGROBIO. No evento, o orador interveio a partir de Portugal, via online. Ferreira destacou dois grandes desafios para o fortalecimento da produção orgânica. “Primeiro, tem a ver com as políticas públicas. É preciso construir, ter-se um regulamento, um sistema de certificação e de homologação nacional. Depois, há todo um trabalho que pode ser do Estado e de empresas privadas, que tem a ver com toda uma promoção da actividade biológica: informação, divulgação e promoção”. O outro passo, na percepcao do Presidente da AGROBIO, é mais do nível organizacional, que deve envolver associações.

Os panelitas concordam que a agricultura em Moçambique deve ser gerida pelas pessoas locais e que o Estado e os privados têm de trabalhar em coordenação. “Não se consegue implementar a agricultura orgânica indo contra as pessoas. Elas devem se sentir sensibilizadas e compreender o que se pretende fazer. Os produtos orgânicos devem chegar à população local para autoconsumo”.

E porque tem-se dito que a agricultura orgânica tem maior rendimento do que a convencional, Jaime Ferreira preveniu dizendo que quando aumenta o produto no mercado, o preço começa a baixar. Daí a sugestão: “Temos de preparar o produtor sempre para o futuro”.

A partir de Cabo Delgado, interveio Monika Branks, Directora do Projecto Ouro Verde. A oradora começou por destacar que há naquela província boa chuva, água limpa e que a produção cabe em toda cadeia de valor. Branks acredita nas potencialidades da agricultura orgânica em Moçambique. Entretanto, há passos que devem ser consolidados para se garantir a competitividade: “Eu diria que temos sete desafios que ainda estamos a lutar para ultrapassar. Primeiro, a não existência de auditores para a certificação orgânica no país. Nós temos de trazer certificadores de fora, no caso, de Cape Town. Se tivéssemos auditores aqui em Moçambique, a nossa competitividade seria mais forte. Segundo, temos de importar insumos, quando sabemos que existe no país enormes possibilidades de prepararmos, produzirmos e vendermos localmente. Terceiro, o Governo começou a ver a produção orgânica com grande benefício, mas ainda estamos por ver organizações apoiadas pelo Governo. Sei que está a acontecer, mas precisamos de subsídios para quem entra para agricultura orgânica e o extensionista deve saber mais sobre a produção orgânica e terem áreas de demonstração, para se sentirem motivados, ao notarem as diferenças”.

A Directora do Projecto Ouro Verde ainda destacou a importância de políticas que visem o reconhecimento da importância da produção orgânica. E deu exemplos: “Não temos um selo de produto onde esta dito que é naturalmente fortificado. Existe selo para o açúcar convencional, onde se mete a vitamina A. Nós temos açúcar orgânico integral, com o nível máximo de vitamina A naturalmente. Então gostaríamos de ver um selo que apresenta fortificação natural nos produtos. Além disso, temos de conquistar mais compradores, porque não temos 50% amais em termos de lucro. No início, achamos que teríamos mais adesão dos jovens, mas a realidade mostrou-nos que os idosos é que procuram mais o produto orgânico, por questões de saúde. Nós garantimos um triplo retorno aos consumidores porque garantimos saúde a longo prazo e as novas gerações podem usar os mesmos solos, porque nós enriquecemos os solos. Na base disso, gostaríamos que o Governo garantisse possibilidades de crédito e de subsídios para ultrapassarmos os problemas. Uma produção orgânica custa 25% mais do que uma produção convencional”.

O debate subordinado ao tema “Produção orgânica e agricultura familiar” também contou com a participação de Faizal Augusto. O produtor orgânico de legumes participou a partir de Nampula e destacou que o transporte de produtos com qualidade do local ao mercado não é fácil, porque não é qualquer transporte que deve transportar as culturas”.

 

 

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