Os clientes de instituições de crédito já podem ter acesso a empréstimos, sem necessariamente apresentarem a sua casa como garantia de pagamento. Com a central de riscos de garantias mobiliárias, que entrou em vigor em Junho último, os clientes podem usar, por exemplo, a mobília de casa para aceder ao dinheiro.
A informação foi dada pelo governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, que falava na segunda-feira, durante a abertura do 47º Conselho Consultivo do banco, evento realizado na cidade da Beira. Com o instrumento, pretende-se aumentar os níveis de inclusão financeira, actualmente baixos no país.
“Vocês sabem. (Alguém) vai ao banco hoje, qualquer banco, pede uma linha de crédito, mesmo que seja um pouquinho, (é exigido) colateral. Para a maioria de nós, colateral o que é? É casa. Mas há muitos que não têm casa. Então, (isso) limitava o acesso ao crédito. A população tem terra, mas o DUAT ainda não é usado pela banca porque não tem a titularidade com a clareza para o banco usar como garantia. A maioria da população, sobretudo nas zonas rurais, não tinha antes disso nada para oferecer à banca para usar como garantia na linha de crédito. Quer dizer que não podiam beneficiar-se. Então, é essa central de risco de garantias mobiliárias que permite que tragas garantias como mobília de casa ou de escritório, participações, propriedade intelectual e outras coisas que ficam registadas”, explicou Rogério Zandamela.
Segundo o governador do Banco de Moçambique, tal permitiria a quem tem mobílias de escritório, por exemplo, ou participações, títulos de crédito a usar para aceder ao crédito quando precisar. “Não tem que ser necessariamente ter casa. Isso vai ampliar o crédito disponível à população”.
O instrumento é parte da estratégia de inclusão financeira do banco central.
Na ocasião, Zandamela explicou ainda o recém-criado número de identificação bancária que cada um dos clientes dos bancos passa a ter, em linha com as melhores práticas a nível internacional, como forma de combater o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo, que, segundo disse, vem resolver um problema crónico que existia no sistema financeiro nacional.
“As pessoas têm várias identidades, múltiplos bilhetes de identidade. Vai a um banco, usa um documento e abre conta; vai a outra instituição, a mesma pessoa, usa outro documento e pede empréstimo, e assim sucessivamente. Quando quiséssemos fazer o nosso trabalho de supervisão, era complicado. Não podíamos cruzar informação. Imaginem na área do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. A mesma pessoa passeava pelo sistema, brincando pelo sistema e pensava-se que eram várias pessoas. Este número é único, controlado pelo Banco de Moçambique. É ele quem emite sob condições específicas. Permite que cada indivíduo só tenha uma conta. Isso é um ganho enorme que veio fazer limpeza desse tipo de actuação que complicava a nossa vida e dos bancos e das instituições de crédito, que pensavam que o cliente está bem, só pediu crédito ali, sem saber que tinha dívidas com outras identidades e, por fim, não pagava a A, a B e a C”, disse Rogério Zandamela.
Fazendo uma breve resenha do desempenho da economia nos primeiros 10 meses do ano em curso, bem como as perspectivas macro-económicas para o próximo ano, o governador do banco central referiu que o sistema financeiro nacional continua sólido, apesar de existir “crédito malparado extremamente elevado” no país.
“Estamos atentos. Isso tem explicações. E uma boa explicação disso tem a ver com os elementos ligados às consequências da COVID-19: empresas fecharam; trabalhadores ficaram desempregados; famílias ficaram sem rendimentos e, como resultado disso, os clientes tiveram dificuldades em pagar os empréstimos. Empresas e famílias não puderam honrar os seus compromissos. Isso fez com que o crédito malparado estivesse nos níveis em que está hoje”, avançou Zandamela.
Segundo o gestor máximo da instituição reguladora do sistema financeiro nacional, foi nesse contexto de dívidas não pagas à banca que, em Setembro deste ano, com as perspectivas de elevação da inflação, o Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique decidiu elevar a taxa de juro de política monetária (MIMO) pela segunda vez este ano em 200 pontos base, para os actuais 17,25 por cento.
“As nossas perspectivas para o médio prazo apontam para uma melhoria significativa do cenário macroeconómico doméstico. Em relação à actividade económica, prevemos, para o curto e médio prazos, uma contínua recuperação da economia, impulsionada pela execução dos projectos energéticos em Inhambane e na Bacia do Rovuma e pela retoma do apoio directo ao Orçamento do Estado pelos parceiros de cooperação. Por seu turno, antevemos o retorno da inflação anual para um dígito, no médio prazo, reflectindo os ajustamentos em alta das taxas de juro que temos vindo a praticar aliado à estabilidade da taxa de câmbio que prevemos que se mantenha a curo e médio prazos”, defendeu Rogério Zandamela.
Segundo o regulador do sistema financeiro, o custo de vida poderá continuar alto nos próximos meses, devido à repassagem do recente ajustamento dos preços dos combustíveis para os preços dos outros bens e serviços.
Rogério Zandamela lembrou ainda que, até à primeira metade do ano, o país registou melhorias na actividade económica, com uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto real na ordem de 4,6 por cento, após um modesto crescimento de 2,1 por cento em igual período de 2021.
“Entretanto, o cenário macro-económico doméstico alterou-se drasticamente na segunda metade do ano, como resultado da materialização dos riscos internos e externos, com destaque para os efeitos dos choques climáticos e para o aumento dos preços internacionais de produtos alimentares e energéticos na sequência do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Com efeito, a inflação anual acelerou, tendo-se fixado em 12,0 por cento no mês de Setembro, após 6,0 por cento em igual período do ano passado, num contexto em que a taxa de câmbio continua estável”, referiu.