Liga “ligou-se” aos escribas
Mesmo sofrendo críticas mais ou menos contundentes, afinal os que dirigem o futebol sentem que todos somos parte de uma mesma causa: a de edificar o desporto nacional. Foi essa a mensagem que a Liga e a Federação de Futebol transmitiram ao país, quando orientaram que antes dos jogos da ronda 10 do Moçambola, se fizesse um minuto de silêncio em homenagem a Boavida Valente Funjua, um jornalista de referência, que deu grande parte da sua vida a (d)escrever o desporto nacional, com ousadia e sentido patriótico.
Devido a uma doença que o debilitou nos últimos anos, a sua vigorosa pena andou arredia do Jornal Desafio, pelo que para muitos já andava esquecido. Porém, num gesto com muita profundidade, a figura de Funjua foi exaltada de uma forma que só é usual em figuras que pugnaram, marcando a diferença, por uma causa. Neste caso, atingiu particularmente os jornalistas desportivos, o reconhecimento de que, mesmo trabalhando em trincheiras diferentes, o fim ambicionado é comum. Parabéns, Liga e Federação Moçambicana de Futebol!
Em contra-ponto, com mágoa, muita mágoa mesmo, “esqueceu-se” o Jornal Desafio, onde o jornalista deu grande parte do seu saber ao longo de três décadas, de editar um jornal totalmente a preto-e-branco, como sinal de luto pelo desaparecimento físico, de alguém que foi um dos seus apaixonados fundadores.
Uma pena irreverente
Trabalhei com Boavida Funjua mais de 20 anos. Ao longo desse tempo, alguns dos seus escritos acabaram por me provocar alguns “amargos de boca”, pela contundência da sua abordagem.
Vou recordar um episódio, em pleno período de direcção centralizada, e em que os jornalistas tinham que pautar pelas “linhas orientadoras” do partido no poder.
Eu era o responsável editorial do Desafio, estava de férias, quando foi publicada uma grande entrevista com Zaid Ali, então dirigente do Desportivo de Maputo, conduzida pelo irreverente Funjua. Tratava-se da polémica transferência de Ali Hassan, apontado ao Benfica de Lisboa e que acabou rumando para o Sporting. O conteúdo era directo, sugerindo um eventual envolvimento promíscuo de José Júlio de Andrade, então
“todo-poderoso” Secretário de Estado de Educação Física e Desportos e Chefe do Gabinete do Presidente Samora Machel. Dizia o Zaid Ali que aconteceram situações no processo, envolvendo aquele alto dirigente, “que lhe davam vontade de vomitar”.
O que se seguiu, devem calcular. Um “rodopio” de convocatórias ao Ministério Público, as minhas férias estragadas, com pressões e insinuações que me tiraram o sono em vários dias. E porque não havia gravação da entrevista, o Zaid Ali ficava-se pelo “nim” (nem sim, nem não quanto à responsabilizando-se das suas declarações).
Mas o Funjua, como parte do seu carácter, não desarmava e dizia que tinha feito bem o seu trabalho e que não receava as consequências. Foi preciso muito jogo de cintura para se arquivar o processo.
Está claro que este é apenas um episódio que ilustra o carácter por vezes inflexível, roçando a teimosia do recém-falecido colega. Não tinha só coisas boas, pois o seu feitio era mesmo difícil. A verdade porém, é que se tem que render homenagem à forma séria, abnegada e convicta com que Funjua encarou ao longo da sua vida o jornalismo e o desporto, seguramente dois grandes amores da sua vida.
São estas facetas que vão permanecer em quem com ele conviveu e que deveriam ser, indubitavelmente, um legado a transmitir às novas gerações de jornalistas.