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Milhões de moçambicanos em risco devido à venda de medicamentos

O Centro de Integridade Pública (CIP) evidencia, através de um relatório que resulta de uma pesquisa por si feita, problemas de corrupção no sector da saúde pública em Moçambique.

Segundo um documento da organização-não-governamental, as empresas seleccionadas em concursos públicos estão, na sua maioria, senão todas, ligadas a elites políticas. Os factos constantes mostram que vidas de milhões de moçambicanos estão em risco devido à venda de medicamentos no país.

No mais recente relatório, publicado na última segunda-feira, o CIP mostra como “a guerra de milhões pelos concursos de procurement paralisou o processo de importação de medicamentos durante mais de dois anos, o que provoca ruptura de stock e coloca em risco de vida milhões de moçambicanos”.

A organização tem vindo a monitorizar os concursos públicos lançados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um dos relatórios feitos anteriormente revela a existência de uma rede de negócios relacionados com o fornecimento de equipamento hospitalar. Noutro são apresentados os altos riscos de corrupção que acarreta o recurso ao regime excepcional de contratação pública no período da pandemia da COVID-19.

A 14 de Dezembro de 2018, o director nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM), António Amade Amisse Assane, foi autorizado a lançar um concurso público para a contratação de uma empresa para o fornecimento de material médico-cirúrgico de grande rotação ao Serviço Nacional de Saúde Pública.

Este concurso foi avaliado em cerca de 5.038 mil dólares, que equivale a cerca de 374.847 mil meticais, ou seja, 4.469 mil euros no câmbio actual.

Trata-se de uma violação na lei do procurement, segundo o CIP. A Neopharma é detida por Abdulah Seedat, Mahomed Esuf e Ebenizário Ében Silvestre Bila, este último conhecido pelas fortes ligações ao partido Frelimo. A empresa submeteu uma reclamação ao gabinete do ministro da Saúde por não lhe ter sido adjudicado o concurso de fornecimento de fios de sutura.

A 4 de Maio de 2020, a Inspecção-Geral de Saúde (IGS) entrou em contacto com o CMAM, que resultou num relatório intitulado de “Memorando”, datado de 3 de Setembro de 2020. No documento, os lotes em referência foram adjudicados à empresa Tecnologia Hospitalar e Laboratorial Moçambique (THL), sendo o seu preço quatro vezes mais elevado que as empresas com o menor preço cotado.

A decisão foi tomada “sem a devida fundamentação do júri”, o que contraria o artigo nº 37 do Regulamento de Contratações Públicas, lembra o CIP, citado pela DW. A Bing Bang foi a empresa que apresentou o preço mais baixo, de 18 mil dólares, enquanto a proposta aceite da THL foi cotada em 84 mil dólares.

Os membros do júri justificaram a sua escolha argumentando que a THL apresentava fios de sutura de qualidade superior, um critério que não constava do regulamento do curso.

Depois de uma avaliação independente proposta pela IGS, chegou-se à conclusão de que “todas as amostras de fios de sutura tinham a mesma qualidade” e que “qualquer um deles podia ser adjudicado”. Tendo isso em conta, o critério que deveria ter sido considerado na selecção dos fios seria pelo menor preço avaliado.

Já em 2017, a THL tinha ganhado um concurso público para o fornecimento de equipamento de laboratório Humalyser 2000/3000 com preços quatro vezes acima do preço de referência, o que deixou suspeitas de sobrefacturação.

A empresa Neopharma apresentou uma queixa directamente ao ministro da Saúde recém-nomeado, Armindo Tiago. O CIP suspeita que as motivações para o acontecimento se prendam com o facto de o ministro ser novo e de ter pouco conhecimento acerca dos procedimentos de contratação pública. Essa reclamação devia ter sido enviada ao júri.

“Por desconhecimento da lei, ou pela influência da Neopharma dentro da instituição e do partido Frelimo, o ministro, ao invés de invalidar a reclamação, recebeu-a e deu ordens ao Secretário Permanente e IGS para averiguar o processo, violando o regulamento de contratação de empreitadas públicas”, lê-se no documento, citado pela DW.

A empresa Mozinovation, Lda foi apurada como vencedora de um dos sub-lotes, no valor de 466 mil dólares (pouco mais de 6 milhões de meticais), sem qualquer argumento por parte do júri.

Um dos requisitos exigia que os concorrentes apresentassem comprovativos de facturação anual dos últimos três anos, algo que não seria possível para a Mozinovation, já que a empresa tinha, à data de adjudicação, apenas 1 ano, 11 meses e 8 dias de existência.

Enquanto o processo estava paralisado devido às reclamações das empresas e devido ao tempo que o processo de adjudicação final demorou, grande parte do material médico-cirúrgico de grande rotação, que é imprescindível para o atendimento dos pacientes, estava em ruptura de stock.

A directora nacional do Património do Estado (DNPE) do Ministério da Economia e Finanças, Albertina Fruquia, solicitada pelo Ministério da Saúde (MISAU), sugere que se recorra ao ajuste directo para um processo de aquisição de material expedito de três meses.

“Arrastar os concursos até à ruptura de stocks para depois recorrer ao ajuste directo, alegando urgência, tem sido o truque dos grupos que controlam o procurement público”, explica o documento.

Um estudo avançado pela Spa Infosuv East Africa mostra que, dos contratos que analisou, 61% (que corresponde a 2 biliões de meticais), foram por ajuste directo.

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