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Mia Couto estranha o facto de Agualusa não ter sido laureado Prémio Camões

O escritor moçambicano nunca tinha dito isso em público. Como que farto de guardar a sua opinião, Mia Couto aproveitou a cerimónia de lançamento do livro O terrorista elegante e outras histórias para desabar. Nisso, na noite de quarta-feira, no átrio da Fundação Fernando Leite Couto, na cidade de Maputo, Mia disse ser estranho o facto de José Eduardo Agualusa não ter sido laureado com o Prémio Camões, o mais importante de língua portuguesa.

Para Mia Couto, que venceu o Camões em 2013, o escritor angolano com 14 romances publicados já deu provas da sua qualidade literária, tanto que internacionalmente, pelo menos em espaços de língua inglesa, é reconhecido, o que tarda a acontecer ao mais alto nível no que se considera “lusofonia”.

“Não é por ser amigo do Agualusa”. Assim começou Mia Couto, realçando que o que estava por vir nunca tinha sido dito por ele em público. “Eu preciso de dizer isto. Acho muito estranho que Agualusa nunca tenha ganho o Prémio Camões. Ele foi finalista do Man Booker Prize, que é dos prémios mais importantes do mundo, depois do Nobel; ganhou o International Dublin Literary Award, que é um dos prémios mais prestigiosos do mundo. Ou seja, ele ganhou prémios em vários cantos, mas na comunidade lusófona não há esse reconhecimento? Certamente que há razões de acertos políticos que não deviam estar presentes quando se faz a avaliação da qualidade literária de uma obra”, avançou Mia Couto.

Ainda na cerimónia de lançamento de O terrorista elegante e outras histórias, em que os autores conversaram longamente com os leitores, Mia Couto reconheceu que a carreira literária de José Eduardo Agualusa foi mais difícil do que a sua. “Por isso fico muito feliz que ele tenha vencido um prémio, há semanas, o Prémio Nacional de Cultura em Angola, depois de vários anos em que foi uma figura pouco simpática para o regime”.

Segundo entende Mia, o regime angolano mudou a ponto de aceitar um filho da terra angolana.

Como que para clarificar as coisas, o Director do Camões – Centro Cultural Português em Maputo, João Pignatelli, sentando bem ao lado de Agualusa na apresentação do livro, tomou o microfone e explicou a todos que o júri do Prémio Camões é escolhido pelos governos. “Mas o Instituto Camões, que eu represento aqui, tem apenas o mesmo nome do prémio e do poeta Camões. Mas eu ficaria contente que um dia o José Eduardo pudesse ganhar esse prémio, porque a sua trajectória e qualidade literária é reconhecida não só nos países de língua portuguesa. Eu ficaria muito contente se pudéssemos celebrar a conquista do prémio nesta bela cidade de Maputo. Se eu ainda estiver cá, o Agualusa fica já convidado para uma festa no Instituto Camões e na Fundação Leite Couto”. E José Eduardo Agualusa gozou com a situação: “o melhor dos prémios é mesmo a festa”.

Quanto ao livro, Agualusa disse, na Fundação Fernando Leite Couto, que o mesmo teceu-se num processo democrático. “Foi como uma democracia, esse regime em que duas ideias diferentes combinam para gerar uma ideia eventualmente melhor. Connosco a produção do livro foi muito por via democrática. Um sugeria uma ideia, uma história ou um nome de uma personagem e o outro dizia olha que seria bom, mas talvez ficasse melhor assim. Daí surgiram vários caminhos”.

A complementar o raciocínio do angolano, Mia afirmou que o processo de escrita fluiu naturalmente porque ambos vêm de escolas comuns e com mesmas influências. “E agora nós os dois queremos fugir do mesmo tipo de coisas e de buscas. Juntos, cada um no seu caminho, claro, procuramos que esta presença da poesia não seja demasiada. Nós estamos a contar uma história ou um conto e então a poesia tem de surgir de forma natural, e não como um elemento de beleza”.

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