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Mais de 50 crianças foram sequestradas em Cabo Delgado nos últimos 12 meses

Os grupos armados em Cabo Delgado sequestraram cerca de 51 crianças, nos últimos 12 meses, segundo indica um relatório da organização internacional Save the Children.

Os sequestros, na sua maioria de meninas, foram executados por grupos armados desconhecidos que, segundo o relatório, estão envolvidos nos conflitos terroristas em Cabo Delgado.

“A análise da Save the Children sobre a violência em Cabo Delgado, com base em dados recolhidos pelo Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED), mostra que o rapto de crianças se tornou uma táctica nova e alarmantemente regular por grupos armados envolvidos no conflito”, lê-se no relatório.

Jaime Chivite, Gestor de Advocacia da “Save The Children” explica que não foi fácil ter acesso aos dados, visto que, embora muitas situações de abusos naquela região do país ocorram, as famílias não reportam.

“A realidade mostra que existem muito mais casos de raptos não reportados na província de Cabo Delgado. Estes dados são apenas das ocorrências reportadas às autoridades. Mas, acreditamos que o número de vítimas seja muito mais alto”, disse Jaime Chivite.

A astúcia e ousadia dos grupos armados, que perpetram estes raptos, vêm crescendo cada vez mais. Algumas crianças foram sequestradas nas próprias casas, sozinhas ou em grupo.

Lê-se, ainda no relatório, que “as crianças foram raptadas estando sozinhas ou em grandes grupos. Elas foram levadas estando fora ou mesmo dentro das suas casas. Muitas das crianças também testemunharam atrocidades enquanto eram levadas pelos agressores.”

A Save The Children desconhece as causas e o possível destino das crianças sequestradas, porém aventa a possibilidade de aquelas estarem, ainda, nas matas de Cabo Delgado.

“Não conseguimos obter os dados sobre a localização das crianças desaparecidas, mas pela experiência que temos dos outros conflitos, elas provavelmente estejam nas mãos de grupos armados, sendo violentadas, e algumas a serem tratadas como adultos”, refere Jaime Chivite, em representação a Save The Children.

Para além dos sequestros, a organização internacional em referência detectou a existência de crianças que têm os seus direitos violados e esta diz estar no terreno, com estratégias que visam devolver dignidade às crianças e, em alguns casos, reunir as crianças perdidas às suas famílias.

“A Save the Children está profundamente preocupada com a segurança e o bem-estar dessas crianças, algumas das quais foram tiradas dos seus pais há mais de um ano. A agência desenvolve um papel crucial, protegendo crianças desacompanhadas e separadas e reunindo-as às suas famílias, bem como criando sistemas baseados na comunidade para proteger as crianças da exploração.”

O relatório da Save the Children apresentou uma série de episódios de ataques armados que culminaram com sequestros.

“Em um ataque no dia 7 de Janeiro de 2021, 21 pessoas foram sequestradas em grupo, incluindo seis crianças. Nesse mesmo incidente, pelo menos sete pescadores foram decapitados. Em outro ataque, a 9 de Junho de 2020, dez meninas foram sequestradas, enquanto tiravam água de um poço local.”

Nura e Sebastião (nomes fictícios para proteger a identidade das vítimas) de 42 anos e 51 anos, respectivamente, e seus quatro filhos, no dia 24 de Março de 2021, foram sequestrados por homens armados. Todos escaparam, excepto a filha mais velha, de 14 anos.

“Quando chegámos a Ingoane, havia homens armados. Eles começaram a escrever os nossos nomes num livro. Eles começaram a escolher as pessoas que queriam trancar dentro das casas. Eles pegaram as nossas filhas e trancaram-nas em casas diferentes, levaram-nos e trancaram-nos numa outra casa. Depois de me separar do meu marido, fiquei com medo. Depois, eles voltaram e levaram as meninas que os interessavam. Eles deixaram as mulheres dentro de casa. À noite, depois que levaram as nossas filhas, fugimos de casa. Depois que fugimos, andámos no mato à noite com os nossos bebés. Agora, sinto uma dor forte no meu peito. O meu coração dói. Estou a chorar por dentro”, lê-se no relatório.

Desde a eclosão do conflito, cerca de 360 mil crianças estão deslocadas nas províncias de Cabo Delgado, Nampula, Niassa, Sofala e Zambézia, como resultado da violência e insegurança. Até ao momento, não há dados disponíveis para mostrar o número de crianças que conseguiram escapar dos raptores ou o número de crianças ainda desaparecidas.

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